Em 15 de agosto, um homem foi encontrado esquartejado em cemitério clandestino de Porto Alegre. No mesmo dia, foi reconhecido pelas impressões digitais como Juliano Flores Soares, 36 anos. Ele havia desaparecido em julho, em Sapucaia do Sul, onde residia com a mãe. Desde o encontro do cadáver e a identificação de Juliano, a família enfrenta martírio na tentativa de sepultá-lo. Há mais de 60 dias, o corpo permanece no Departamento-Médico Legal da Capital.
Após série de tentativas, a irmã Danusa Flores Soares, 34 anos, procurou a reportagem de GaúchaZH para relatar o drama da família. Depois disso, retornou novamente ao DML na tarde desta terça-feira (22), onde relata ter sido informada que o corpo ainda não havia sido liberado por uma falha. Na mesma data, conseguiu a declaração de óbito do irmão.
— O funcionário me disse que não tinham se dado conta que ele tinha sido identificado pelas digitais. E a gente todo esse tempo esperando. Nessa luta para enterrar ele. Só quero que seja sepultado — reclama a irmã.
Antes disso, Danusa e outro irmão se submeteram à coleta de DNA para confirmar a compatibilidade genética e chegaram a ser orientados a procurar a justiça. Ela agendou atendimento com a Defensoria Pública. Agora acredita que parte desse martírio poderia ter sido evitada. Mesmo com a certidão de óbito do irmão registrada em cartório, Danusa ainda aguarda para fazer o sepultamento. Não tem certeza se o enterro poderá ocorrer nesta quinta-feira (24).
— Disseram para ligar antes para ter certeza que vão conseguir liberar. Agora, acho que está se encaminhando para o fim. É o que a gente espera — diz Danusa.
O caso
Por um mês, familiares procuraram por Juliano, que desapareceu em Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. Em 15 de agosto, foram informados que havia sido localizado esquartejado em um cemitério clandestino de Porto Alegre. O corpo de Juliano foi encontrado quando uma equipe da RBS TV realizava reportagem sobre o cemitério clandestino, no bairro Alto Petrópolis.
No mesmo dia, foi realizada coleta de digitais, que confirmou se tratar do desaparecido: a Polícia Civil noticiou que o homem era Juliano. Mas como o corpo estava esquartejado, foi informado à família que não havia sido possível identificar se o cadáver era da mesma vítima.
— No DML pediram para fazer DNA — conta Danusa.
Ela e outro irmão forneceram material genético para comparativo. Quando o exame confirmou a compatibilidade, a família acreditou que o drama estava resolvido. Chegou a ir ao DML com a equipe da funerária. Mas descobriu que isso não garantia a identificação. Foi orientada a procurar a Justiça.
— Já sabemos que ele está morto e a forma como foi não é fácil. A gente só quer enterrar ele. Só quero dar um enterro digno. É o mínimo — apela Danusa.
Confira o relato da irmã — o vídeo foi gravado antes dela obter a certidão de óbito:
O que diz o DML:
O Instituto Geral de Perícias (IGP) informou que, como a câmara fria está em reforma, o fluxo de remoção de corpos, armazenados em contêiner refrigerado, está mais lento. Um manual será implantado em novembro para orientar as famílias que aguardam pela liberação de corpos do DML. Sobre o caso de Juliano, a reportagem aguarda retorno da instituição.
Em Guaíba, drama para se despedir de familiar
Outra família que também enfrenta a luta para se despedir do seu ente mora em Guaíba. Na madrugada de 6 de junho, a residência onde Alessandro da Silveira Pereira, 41 anos, vivia com a companheira, a recepcionista Tatiana Veiga dos Santos, 40 anos, incendiou no bairro Vila Nova, em Guaíba. O corpo dele foi encontrado entre o quarto e a sala. Ela sobreviveu.
A perícia não conseguiu identificar a causa do incêndio. Também não foi possível fazer coleta das digitais e, por isso, foi realizada análise de DNA. O laudo confirmou a compatibilidade genética com os dois irmãos de Pereira. Depois disso, foram orientados a procurar a Justiça. A recepcionista conta que a perícia solicitou laudos odontológicos para comparativo da arcada dentária. Mas os exames foram queimados no incêndio.
— Ele morreu dentro de casa e, mesmo assim, preciso provar que é ele. Fiquei só com a roupa do corpo. Procuramos a Justiça e continuamos aguardando uma resposta. É uma tortura — lamenta.
"Não trabalhamos com o tempo do relógio", diz diretora do IGP
A diretora do IGP, Heloísa Helena Kuser, afirma que a demora pode ocorrer por conta do cuidado com a precisão do trabalho de identificação. Embora o DNA consiga comprovar compatibilidade genética, o exame não exclui a possibilidade de que se trate de outro familiar (leia quadro abaixo). Nos casos em que a identificação não pode ser feita no DML, a família precisa procurar a justiça.
— A família quer enterrar seu ente. E vem o nosso compromisso de enterrar o indivíduo certo. O DNA aponta que pode ser filho dessa mãe ou desse pai, mas qual filho? A mãe chega e diz "é a minha filha". Mas biologicamente não tenho como fazer essa ligação. Trabalhamos com provas. Neste momento, entra o Judiciário. Quem pode ouvir a história da família, o contexto, e tomar esta decisão, é a Justiça — afirma.
A diretora diz ainda que o cuidado é tomado tanto para evitar possível identificação equivocada, como para reduzir as exumações — quando é preciso fazer nova análise no corpo, após ter sido sepultado.
— Quando entrar um corpo no necrotério, não é só examinar, ver a causa da morte e liberar. Dele vão ser geradas outras análises. É muito importante ter a real identidade da pessoa para garantir que todos os exames partiram daquele indivíduo e não de outro. Os laudos que a polícia recebe podem dar outro caminho à investigação. É preciso entender o tamanho dessa responsabilidade. Não trabalhamos com o tempo do relógio, e sim o de uma análise precisa — afirma Heloísa.