Em 2010, o Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba vivia cenário caótico, semelhante ao de Porto Alegre. A câmara fria abrigava 70 corpos insepultos em uma estrutura do século passado.
A direção do órgão decidiu reunir médicos legistas, peritos e integrantes do Ministério Público e do Tribunal de Justiça. Uma força-tarefa recolheu amostras de DNA e a impressão digital dos cadáveres e, com autorização judicial, os corpos foram sepultados. Hoje, se um familiar reivindicar o corpo de um parente, o órgão dispõe de material biológico das vítimas para caso de exumação. O reconhecimento também pode ser feito por fotografias.
— Não faz sentido manter corpos em câmara fria — afirma o diretor-geral do IML de Curitiba, Leon Grupenmache.
A legislação brasileira não estabelece limite para que um cadáver fique sob guarda do Estado. Segundo Grupenmache, após 30 dias não reclamado, o IML, com autorização de um juiz, pode destinar o cadáver para pesquisa, doando-o para uma universidade, ou sepultá-lo como indigente.
No caso de Curitiba, quando o prazo de um mês é superado, o departamento entra em contato com um magistrado, que expede um alvará de sepultamento. Na página da internet, há comunicação oficial.
Ambiente que lembra séries americanas
A agilização do processo, de um ano para cá, ganhou investimento aliado. A nova sede da Polícia Científica (no Paraná, a perícia dispõe de um órgão separado da Polícia Civil e da Polícia Militar) lembra o ambiente tecnológico das séries de TV como CSI, que fez sucesso no Brasil nos anos 2000, ou as mais recentes, como How to Get Away with Murder ou The Fall. No novo prédio, foram investidos R$ 26 milhões nas obras de engenharia e até R$ 15 milhões em equipamentos.
— A gente não só construiu um IML, mas construímos uma sede para a Polícia Científica, onde estão o IML e o Instituto de Criminalística juntos, que é o ideal. Visitamos vários locais no mundo para fazer a planta física, e hoje ela é replicada em todas as novas construções que a gente faz no Estado — explica o diretor.
O Paraná conta com 18 sedes de IML. De forma geral, no Brasil, os departamentos médicos legais ocupam áreas adaptadas em edificações que anteriormente pertenciam às polícias civis. Esse arranjo nem sempre obedece às normas de Vigilância Sanitária.
Em Curitiba, a nova sede conta com 13 mesas para necropsia, cujos dejetos são despejados em um esgoto específico, onde são tratados. Um equipamento chamado Flat Scan, scanner de raio X para laudos periciais, vasculha o cadáver para a localização de projetis. A tecnologia aposentou equipamentos de raio X.
A obra, iniciada em 2012, foi concluída em 2018. A câmara fria do necrotério tem capacidade para 132 corpos. Estão acomodados 35. Nenhum fora das gavetas. A temperatura é mantida a -5°C.
— Essa é a ideal, inclusive se você pensar em prováveis doadores de órgãos, como córnea, ossos. Essa temperatura mantém o corpo preservado por mais algumas horas para que se possa ser feito esse procedimento. Já mantemos essa temperatura pensando nisso — explica Grupenmache.
Em Campinas, processos mais ágeis
Campinas, cidade paulista com população semelhante à de Porto Alegre, é outro bom exemplo. No necrotério, há duas câmaras frias com capacidade para 26 corpos no total. Na segunda-feira, sete cadáveres estavam acomodados no local. A administração dos serviços funerários é feita pela prefeitura, sob responsabilidade da autarquia Serviços Técnicos Gerais (Setec) (não há serviço funerário particular).
As necropsias são realizadas no local, mas corpos à espera do procedimento não ficam nos corredores da instituição, como em Porto Alegre. Os corpos são acondicionados a temperatura de entre 5ºC a 7ºC, que atrasam a decomposição dos cadáveres.
— Tenho a facilidade de, a qualquer momento, retirar o corpo e proceder uma análise, um exame necroscópico nesse cadáver, sem precisar deixar 24, às vezes 48 horas fora da geladeira para descongelar e poder mexer – explica Erivelto Luis Chacon, analista técnico da divisão funerária da Setec.
Na sala de necropsia, as substâncias corporais das mesas são descartadas em uma caixa de contenção, separado do esgoto normal. Uma vez por mês, os resíduos são retirados desses compartimentos e incinerados. Uma portaria do Estado de São Paulo autoriza o IML a realizar o sepultamento, se a família não reclamar o corpo em 72 horas.
— Se o cadáver está sob custódia daquela instituição, ela não pode ficar com aquele cadáver na câmara fria ad eternum. Precisa dar um destino para aquele corpo. É material perecível, depois de um tempo, por mais que a geladeira conserve, vai entrar em processo de putrefação, vai criar fungos. É até um problema de saúde pública para os funcionários que estão dentro do IML — afirma.
Informado de que os termômetros da câmara fria do DML gaúcho registravam 13,7ºC e 18,2ºC, o funcionário afirmou:
— Uma câmara fria a 14ºC começa a virar geladeira de casa. Se você colocar um alimento na geladeira, ele corre o risco de começar a apodrecer. No mínimo, é necessário reduzir para 5ºC, 7ºC, metade do que está hoje. Aí, você diminui bem essa flora cadavérica. Aqui, há cadáveres que ficam 30, 60 dias na câmara fria. Ele se mantém. Não em perfeita condições, mas em boas condições.
Para entender melhor a precariedade do local, confira o infográfico: