Um cemitério clandestino aberto por uma facção, em um dos períodos mais violentos da Capital, segue usado. O Ministério Público diz que cerca de cem pessoas foram enterradas na região. Enquanto a equipe da RBS TV gravava entrevista no local, um corpo esquartejado foi encontrado. Um policial militar estaria no cemitério e não foi encontrado.
Na área de mais de 250 mil metros quadrados no bairro Alto Petrópolis, zona leste de Porto Alegre, em uma das muitas entradas do Morro Santana está o que até agora é apontado como o maior cemitério clandestino do Rio Grande do Sul.
O local ao lado da chamada Vila Esqueleto e perto do bairro Mário Quintana — um dos mais violentos da Capital — teria sido transformado, há pouco mais de cinco anos, no tribunal de uma das maiores facções do Estado, onde desafetos, traidores da quadrilha e até pessoas que estavam em locais e no momento errados eram julgadas, executadas, muitas vezes esquartejadas vivas e enterradas no morro.
— Concluímos que esse local é utilizado como um cemitério clandestino por uma fação criminosa que costuma raptar e esquartejar as pessoas e depois enterrá-las aqui — diz a delegada Luciana Smith, que comandou a 5ª Delegacia de Homicídios e foi uma das responsáveis pela investigação que encontrou as covas rasas.
A polícia chegou até o cemitério clandestino depois da delação de um dos membros da facção. Jovem gerente do tráfico, que no início de 2017, ao ser ordenado a matar amigos e por medo de morrer fez acordo com as autoridades: em troca de proteção, entregaria os negócios do grupo criminoso, como a hierarquia funcionava, a autoria de diversas execuções e também onde estavam os corpos de muitos desaparecidos, durante um dos períodos de explosão de assassinatos em Porto Alegre e Região Metropolitana.
Somente no ano de 2016, foram encontrados 16 corpos decapitados ou esquartejados pelas ruas da Capital — sendo que outras pessoas simplesmente desapareceram. Nessa colaboração, o criminoso também mostrou a localização do cemitério clandestino.
— Foi a partir da delação desse gerente do tráfico, que também era apontado como um dos açougueiros da facção, já que matava e esquartejava as vítimas, que chegaram a série de elementos que relatavam a execução pela mão dele ou de comparsas dele de aproximadamente uma centena de pessoas — garante o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen.
Para a Promotoria, cerca de cem pessoas estão enterradas nesse cemitério clandestino.
— A delação nos traz credibilidade porque a partir dos elementos trazidos nessa colaboração, todos eles muito específicos, com datas, nomes, fotos, locais, conseguiu-se desvendar várias mortes de pessoas que constavam simplesmente como desaparecidas — reafirma Dallazen.
Localização dos corpos é difícil
O local tem partes de mata fechada, outros trechos de campo aberto e muitas trilhas que formam grande labirinto. Segundo as autoridades, o cenário dificulta os trabalhos de localização e retirada de corpos. Apesar da certeza das autoridades, menos de uma dezena de vítimas foi encontrada.
O perito do Instituto-Geral de Perícias Alex Rozenquanz Schutz esteve no cemitério clandestino três vezes, no primeiro semestre de 2017. Acompanhou a retirada de três corpos, inclusive no dia que a testemunha, que está no programa de proteção, foi ao local, com forte esquema de segurança.
— É muito difícil encontrar. A área é muito grande. A testemunha, às vezes, se confundia do ponto que está. Então, a gente vai lá com uma máquina, a máquina leva tempo para chegar, ela escava e não encontra nada. Daí, tem de ir para outro ponto, tem de escavar no entorno. Escava, escava e não encontra nada. Se não há uma indicação correta de onde estão enterrados, é muito difícil. Até com os cães, o que se acha são corpos mais recentes. Não há como desmatar — explica o perito.
Na última semana, a RBS TV foi ao local com delegados e agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Enquanto a equipe gravava depoimentos no local, ao caminhar em uma trilha, junto a terra remexida, havia peças de roupas jogadas sobre a terra e um forte odor.
— Tudo indica que seja mais um corpo desovado aqui. A região parece que segue usada. Vamos aguardar os bombeiros e a perícia — explicava o delegado Gabriel Bicca, que também participou das investigações e acompanhou a reportagem na caminhada no Morro.
A suspeita se confirmou. O corpo encontrado no local foi identificado no mesmo dia. Morador de Sapucaia do Sul, Juliano Flores Soares, 35 anos, estava desaparecido havia um mês, segundo registro dos familiares. Ele cumpria pena no regime aberto e tinha antecedentes criminais, entre eles por homicídio. O corpo estava esquartejado e com as mãos amarradas.
Aos 12 anos, ela desapareceu. Segundo a polícia, foi morta com golpes de machado. O corpo nunca foi encontrado, mas, de acordo com um delator, está aos pés do Morro Santana. Leia mais.