O Ministério Público de Contas (MPC) do Rio Grande do Sul enviou ofício ao governo do Estado solicitando esclarecimentos sobre a portaria que impõe sigilo aos dados relacionados à segurança pública. O órgão elencou ao menos cinco pontos da determinação, publicada em agosto de 2019, que precisam ser melhor explicados.
O MPC quer entender qual a importância para o Estado deixar de divulgar dados sobre “assuntos prisionais”, “entorpecentes”, “controle de efetivo”, “estrutura de informática” e “denúncias anônimas”.
O ofício foi remetido nesta segunda-feira (14) à Secretaria da Segurança Pública (SSP), dando prazo de 10 dias para a resposta. Para GaúchaZH, a pasta informou que “recebeu o ofício do Ministério Público de Contas às 15:53 desta segunda-feira e os esclarecimentos serão encaminhados à instituição dentro do prazo estabelecido".
A análise feita pelo Ministério Público de Contas pode, após ter o trâmite finalizado, pedir alterações na portaria ou até ser arquivada.
Em 13 de setembro, GaúchaZH revelou que a portaria enumerava 18 categorias de informações que agora são secretas, e só poderão ser divulgadas em prazos que variam de cinco a cem anos. A decisão foi publicada no dia 5 de agosto e usada como argumento pelo governo para negar a resposta a pedidos feitos pela reportagem baseados em Lei de Acesso à Informação.
Um dos itens que se destaca é o primeiro, que trata sobre presídios. O governo do RS declara que “assuntos prisionais, guarda e escolta de presos, armas e entorpecentes” são sigilosos e têm prazo de 15 anos para serem divulgados, podendo ser prorrogados. O documento não deixa claro quais são esses “assuntos prisionais” que agora são restritos.
Portaria foi criticada
A portaria foi alvo de críticas. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considerou o documento importante, mas com rigor excessivo. A gerente-executiva da entidade, Marina Atoji, entende que o texto “submete ao segredo informações que são importantes para o controle social da atividade policial, das políticas públicas de segurança e do gasto público”.
A associação criticou três itens que agora são sigilosos: a distribuição do efetivo existente e de veículos oficiais, características e informações não estratégicas sobre equipamentos de proteção e manuais de procedimentos padrão.
— Sem acesso a elas, a sociedade não tem como avaliar objetivamente se conta com policiamento suficiente, ou se a polícia está bem equipada para suas funções, nem se age de acordo com as orientações oficiais. É o contrário do que a LAI determina: que o sigilo tem de ser exceção, palavra que, embora parecida, não deve ser confundida com excesso — disse na oportunidade a gerente da Abraji.
Já a ONG Transparência Brasil lembrou que “o mero fato de uma informação estar relacionada às políticas de segurança não faz com que seu sigilo seja imprescindível”. O analista de transparência da ONG, Thiago Teixeira, declarou que a portaria é genérica, especialmente na parte que trata de assuntos prisionais. “Mesmo uma tabela trivial como o endereço das unidades prisionais pode se tornar indisponível à população”, comenta.
Secretário da Segurança defendeu o sigilo a dados
Em entrevista no início de setembro, o vice-governador e secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior, defendeu a portaria publicada pelo governo gaúcho que tabela 18 categorias de informações, dados e documentos da área que agora são sigilosos. Entre os itens classificados como segredo, está o de assuntos prisionais e de controle de efetivo, sem estar especificado qual informação será pública ou não.
De acordo com Ranolfo, "não é salutar" para a sociedade saber o número de presos a mais nas casas prisionais superlotadas.
— A grosso modo, nós temos 17 mil vagas de déficit no Estado todo. Mas não seria salutar eu dizer que num presídio X, que cabe 80, eu tenho 380. Isso pode até levar uma organização criminosa a fazer um ataque naquela casa, retirar presos de lá — declarou.
No mesmo dia, a assessoria de Ranolfo informou que dados sobre presos continuarão disponíveis no site da Susepe.
O secretário tem o mesmo entendimento quanto ao efetivo das polícias. Para ele, as pessoas não precisam saber o efetivo nas suas cidades.
— Num município X, onde tem 80 mil habitantes, eu vou e publicizo que lá tem 20 brigadianos. Isso é bom para a sociedade gaúcha ou isso é ruim? Me parece que esse dado pode ser utilizado até por uma organização criminosa nessas cidades. Então, esses dados me parecem que devam estar em sigilo — disse.
Em nota, ainda à época da divulgação da reportagem, a SSP disse que a portaria "é a orientação ao gestor quanto à necessidade de proteger dados pessoais e/ou sigilosos imprescindíveis para a Segurança Pública no momento de fornecer informações sob sua responsabilidade”.