Um relatório da Receita Federal obtido com exclusividade por GaúchaZH afirma que a empresa Indeal deve cerca de R$ 1,1 bilhão a 23,2 mil clientes. O documento enviado à Polícia Federal (PF), que embasou os indiciamentos, detalha a movimentação financeira da empresa e de seus sócios e colaboradores.
O relatório foi concluído em 17 de junho, quatro dias antes do término da investigação do delegado Eduardo Dalmolin Bollis, titular da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da PF. Por determinação da 7ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, foram analisados os e-mails e o Banco de Dados da Indeal. Os auditores fiscais também afirmam que os supostos lucros da empresa distribuídos aos sócios seriam com dinheiro de clientes que investiam nos produtos apresentados pela empresa.
"Comprovado que não houve lucro, e sim um prejuízo descomunal, não há de se cogitar em distribuir qualquer parcela de lucros aos sócios. Em decorrência, pode-se afirmar que os vultosos valores distribuídos aos sócios, no decorrer da atividade da empresa, não foram os lucros, mas sim os valores aportados pelos investidores", sustenta o relatório.
Mesmo faltando apreciar alguns documentos, a Receita afirma que 23.277 clientes teriam dinheiro a receber da empresa. Todos as contas da Indeal e de seus sócios, além de bens estão bloqueados pela Justiça Federal.
"Com o acesso ao Banco de Dados da empresa, calculamos que o valor devido pela Indeal aos clientes/investidores seja de, no mínimo, R$ 1.194.872.954,30, atualizados, nos termos dos contratos firmados, a valores de maio de 2019".
A empresa, que prometia lucros de 15% a seus clientes em investimentos em criptomoedas, distribuiu milhões de reais a seus sócios, enquanto no papel, estava no prejuízo. O dinheiro de clientes teria sido usado para compra de carros de alto padrão, imóveis, joias e outros objetos de luxo.
Além do documento da Receita Federal, GaúchaZH teve acesso também com exclusividade ao relatório final do inquérito que resultou no indiciamento de 19 pessoas. Os dois documentos, somados, têm 360 páginas.
Neles, constam tabelas detalhadas da movimentação financeira da empresa e de seus sócios e colaboradores, degravações de interceptações telefônicas, e-mails trocados entre os investigados, imagens de campanas dos investigadores, quebras de sigilo fiscal e bancário, e até análise de redes sociais.
Em 21 de maio, a Polícia Federal realizou a Operação Egypto, que resultou, em 21 de junho, no indiciamento por diversos crimes de 19 pessoas. Entre os indiciados, estão os cinco sócios da Indeal. O relatório final da PF detalha o papel de cada um dos integrantes do esquema. Conforme a Justiça Federal, nove estão presos, cinco no sistema carcerário e quatro em detenção domiciliar.
Os crimes
Organização criminosa, operação de instituição financeira clandestina, oferta e/ou negociação de valores mobiliários sem autorização, crime contra as relações de consumo, gestão fraudulenta, apropriação indébita financeira, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e violação de sigilo funcional.
Os 19 investigados e indiciados
Confira o que a PF afirma ser a atribuição de cada um dos envolvidos no esquema investigado:
Marcos Antônio Fagundes, Ângelo Ventura da Silva, Tássia Fernanda da Paz, Régis Lippert Fernandes e Francisco Daniel Lima de Freitas foram indiciados por organização criminosa transnacional, fazer operar instituição financeira clandestina, oferecer e/ou negociar títulos de valor mobiliário sem a devida autorização da Comissão de Valores Mobiliários, crime contra as relações de consumo, gestão fraudulenta de instituição financeira, apropriação indébita financeira, evasão de divisas, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Advogado de Marcos Antônio Fagundes, Ângelo Ventura da Silva, Régis Lippert Fernandes e Francisco Daniel Lima de Freitasos, Michael Gomes Pecorella, disse que prefere não se manifestar no momento.
Fernanda de Cássia Ribeiro
É esposa de Francisco Daniel Lima, considerada destinatária direta de transferências da Indeal, e flagrada, em ligação telefônica, dando ordens sobre medidas a serem adotadas administrativamente na empresa, foi indiciada por organização criminosa, fazer operar instituição financeira irregular, apropriação indébita financeira e lavagem de dinheiro.
Karin Denise Homem
É esposa de Ângelo Ventura da Silva e foi indiciada por organização criminosa, operar instituição financeira irregular, apropriação indébita financeira, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Neida Bernadete da Silva
Deixou "uma contabilidade totalmente caótica para seu sucessor", Vilnei Edmundo Lenz. Companheira de Régis, foi indiciada por organização criminosa, operar instituição financeira irregular, gestão fraudulenta e apropriação indébita financeira.
Paulo Henrique Godoi Fagundes
É apontado como membro da equipe, inclusive mantendo contato com pessoas externas da Indeal que tratavam da parte de vendas. Foi indiciado por organização criminosa transnacional, fazer operar instituição financeira irregular, apropriação indébita financeira, e lavagem de dinheiro.
Flávio Gomes de Figueiredo
Um dos responsáveis pela captação de clientes para a Indeal. Foi indiciado por organização criminosa, operar instituição financeira irregular, oferecer e/ou negociar valor mobiliário sem a autorização das autoridades competentes, crime contra as relações de consumo e lavagem de dinheiro.
Marcos Antônio Junges
Outro responsável pela captação de clientes para a Indeal. Foi indiciado por organização criminosa, operar instituição financeira irregular, oferecer e/ou negociar valor mobiliário sem a autorização das autoridades competentes, crime contra as relações de consumo e lavagem de dinheiro.
Sandro Luiz Ferreira Silvano e Anderson Gessler
Segundo a PF, os dois trabalharam "na difusão do produto vendido pela empresa Brasil afora". Foram indiciados por organização criminosa, operar instituição financeira irregular, oferecer e/ou negociar valores mobiliários sem a autorização da autoridade competente, crime contra as relações de consumo e lavagem de dinheiro.
Vanessa Linck Monteiro e Débora Rodrigues Matos
Segundo a PF, "as mencionadas pessoas, na condição de esposas de Sandro Luiz Ferreira Silvano e Anderson Gessler, foram responsáveis pela constituição de empresas que, posteriormente, acabaram recebendo valores provenientes da atividade ilícita antes referida". Foram indiciadas por lavagem de dinheiro.
Vilnei Edmundo Lenz
Assumiu a função de contador da Indeal com a saída de Neida. Foi indiciado por organização criminosa, fazer operar instituição financeira irregular, oferecer e/ou negociar valores mobiliários sem autorização das autoridades competentes, crime contra as relações de consumo e gestão fraudulenta.
Fernando Ferreira Júnior
O advogado atuou na captação de clientes para a Indeal. Foi indiciado por organização criminosa, fazer operar instituição financeira irregular, oferecer e/ou negociar valores mobiliários sem autorização das autoridades competentes e crime contra as relações de consumo.
Alex Sandro Plamer do Amaral
Segundo a PF, o gerente-geral de uma agência bancária tinha conhecimento sobre as potenciais irregularidades praticadas pela Indeal. Também avisou sócios que a PF haviam obtido extratos bancários da empresa. Foi indiciado por violação de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício.
Elias Oliveira da Rosa
Estagiário da Justiça Federal de Laguna, em Santa Catarina, que acessou o inquérito da PF, pelo sistema e-proc, durante a investigação, em uma madrugada, foi indiciado pela prática do crime previsto no art. 325, §1º, II e §2º do Código Penal, que trata de revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação.
O que dizem os demais indiciados
A reportagem de GaúchaZH entrou em contato com a PF e Justiça Federal para saber quem são os advogados dos demais indiciados. No entanto, os dois órgãos não puderam passar informações, já que o inquérito tramita em segredo de justiça.