Quando foram informados sobre a morte cerebral de um menino de quatro anos, baleado em tiroteio durante operação da Polícia Federal (PF) em Cristal, na Região Sul, familiares decidiram autorizar a doação dos órgãos. Na visão dos tios e avós, num último gesto de afeto, era a forma de permitir que Vitor Gabriel Berghann ajudasse outras pessoas. Ele havia sido atingido por três tiros no dia 17 de julho. A mãe dele, Daniela Weizemann, 35 anos, também morreu no confronto, assim como outra mulher.
A criança foi atingida na cabeça, no abdômen e na nádega. O menino recebeu os primeiros atendimentos no local, depois foi para o hospital de Camaquã e, posteriormente, transferido à Capital. Tia e madrinha do menino, Daiana Weizemann, 22 anos, conta que a decisão foi tomada dois dias depois, após a equipe médica informar que o menino, então internado na UTI Pediátrica do Hospital de Pronto Socorro, havia sofrido morte cerebral.
— Foi a vontade de toda a família. Seria uma vontade da minha irmã também. É uma forma de uma parte dele continuar viva — afirma.
Juntos, familiares maternos e paternos conversaram e autorizaram a doação dos órgãos de Biel, como era chamado. O pai da criança também foi baleado e, após receber atendimento médico, ficou mantido sob custódia da polícia. Um dia depois, em 18 de julho, Marcos Luis Berghann, 34 anos, foi encontrado sem vida na carceragem da Superintendência da PF em Porto Alegre.
— Foi uma dor enorme perder a família, mas nos colocamos no lugar dos familiares das crianças, que precisavam da doação dos órgãos. Se precisássemos, gostaríamos que alguém doasse. Se podemos fazer o bem para alguém, por que não doar? — pondera Daiana.
O velório de Biel e do pai ocorreu em Lajeado, município onde a família vivia. Pai e filho foram sepultados no Cemitério Evangélico, no bairro Conventos. No mesmo local, já estava sepultado o corpo de Daniela.
Também mãe de um menino, de dois anos e nove meses, Daiana diz que a morte devastou a família. Todos os dias, ela costumava visitar a irmã, que mantinha uma loja no bairro Jardim do Cedro. Após a perda, fez uma tatuagem em homenagem à irmã e ao afilhado.
— Está difícil de dizer (ao filho) que os dindos e o único primo viraram estrelinha. Ele passa a mão na tatuagem e diz “nossas estrelinhas”. Está sendo muito doloroso. Minha irmã era o pilar da família, era nossa âncora, por ser a mais velha. Nossa família era muito unida. Amamos muito os três.
A Secretaria Municipal da Saúde da Capital não se manifesta sobre doações de órgãos. ZH confirmou que fígado e rins foram doados.
Investigação
O menino foi atingido por três tiros quando o carro em que estava teria furado uma barreira da PF em Cristal, na região sul do Estado, na madrugada de 17 de julho. A corporação estava no local para tentar prender suspeitos que resgatariam ladrões que haviam assaltado um banco em Dom Feliciano.
Dois veículos não pararam na barreira. O menino e os pais estavam em um dos automóveis. No outro, estava Aline Pirola, 25 anos, que também morreu, e a filha, de dois anos, teve ferimentos leves. A PF investiga os dois fatos por meio da Corregedoria – a ação policial e a morte do preso – e o Ministério Público Federal apura a conduta dos agentes. Não foram informados detalhes dos trabalhos.