O Juízo Central Criminal de Lisboa deu início ao julgamento do ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre, Adelino de Assunção Nobre de Melo Vera-Cruz Pinto, 56 anos, acusado de desviar dinheiro da Igreja Católica na Capital, em 2010. O golpe representou desfalque de 962,6 mil euros, o equivalente, hoje, a R$ 4,2 milhões.
Durante esses nove anos, Adelino chegou a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e teve a prisão preventiva decretada, com seu nome na lista vermelha de foragidos da Interpol. Entretanto, como o ex-vice-cônsul também era investigado em Portugal pelos mesmos fatos, a Justiça gaúcha abriu mão de processá-lo.
Pesam contra Adelino crimes de falsificação de documento, burla qualificada (equivalente ao estelionato) e branqueamento de capitais (lavagem de dinheiro), do qual também é ré a mulher dele, Maria da Anunciação Cabral Figueiredo, 56 anos. Com ela, o ex-vice-cônsul tem dois filhos. O casal responde ao processo em liberdade.
Aplicações, compras e quitação de dívidas
O julgamento em Portugal teve a primeira audiência em 30 de maio e a segunda na última quinta-feira. Adelino e Maria preferiram não dar declarações. Estão sendo colhidos depoimentos de testemunhas.
Há previsão de ouvir pessoas no Brasil, por meio de carta rogatória ou videoconferência, em 27 de junho e em 4 de julho. A sentença deve ser proferida nos dias seguintes. Em caso de condenação, a lei portuguesa estabelece até 12 anos de prisão para o casal.
A denúncia é assinada pela procuradora da República Auristela Gomes Pereira. O documento de 43 páginas narra que Adelino, após ser nomeado vice-cônsul em Porto Alegre, em fevereiro de 2010, se aproximou de representantes da Igreja, sendo frequentemente convidado para celebrações da Arquidiocese.
Percebeu que a Cúria Metropolitana administrava templos de origem lusa que necessitavam ser restaurados. A partir daí, arquitetou plano para desviar recursos dos padres, com falsa promessa de doação do governo português para recuperar paróquias no Rio Grande do Sul por meio de uma ONG. O auxílio necessitava de uma contrapartida da Arquidiocese que, na época, somava R$ 2,5 milhões (leia quadro).
Adelino teria convencido os padres a depositar o dinheiro em uma conta dele no Brasil, mas logo transferiu a quantia para bancos em Portugal. O vice-cônsul viajou à Europa e não retornou mais.
A movimentação nas contas foi rastreada e revelou que Adelino investiu em aplicações financeiras, comprou carro, quitou dívidas de um apartamento na periferia de Lisboa, e de uma propriedade em área de 2,4 mil metros quadrados no norte do país.
O Ministério Público português solicitou o bloqueio de valores e bens. O pedido foi atendido.
A Arquidiocese da Igreja Católica de Porto Alegre quer reaver os valores desviados. Por meio da assessoria de comunicação, informou, por nota, que “acompanha o processo que tramita em Portugal, por meio de advogado que atua como assistente de acusação” e que acredita “na recuperação dos valores caucionados, tendo em vista que o dano patrimonial sofrido foi praticado pelo então representante oficial do governo português”.
O caso
— Em dezembro de 2010, sob a promessa de obter recursos do governo de Portugal para reformas de paróquias de origem lusa, o então vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre, Adelino Vera Cruz Pinto, convence a Arquidiocese da Igreja Católica da Capital a depositar, na época, R$ 2,5 milhões na conta bancária dele a título de contrapartida. A doação portuguesa seria de R$ 12 milhões por meio de uma ONG belga dirigida por uma mulher. A doação não existe, e Adelino se apodera do dinheiro da Arquidiocese, equivalente, hoje, a R$ 4,2 milhões. A entidade e a mulher nunca foram localizadas.
— Em março de 2011, a Polícia Civil abre investigação, e Pinto viaja para Portugal, nunca mais voltando ao Brasil. Ele é denunciado pelo golpe, e tem a prisão preventiva decretada pela 10ª Vara Criminal do Fórum Central de Porto Alegre.
— Seis meses depois, Adelino é demitido do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
— Em novembro de 2013, começa a instrução do processo, já com nome de Adelino na lista de foragidos internacionais, mas o processo não avança. O ex-vice-cônsul não é localizado e adota manobras para driblar a Justiça, elencando testemunhas de defesa no Brasil e em Portugal, sem possibilidades de contribuir para o processo.
— Em fevereiro de 2016, o Ministério Público português, de posse de cópia da denúncia contra o ex-vice-cônsul, comunica que também investiga o caso. A justiça gaúcha arquiva a investigação e revoga a prisão preventiva de Adelino.
— O início da instrução em Portugal é marcado para janeiro de 2017, mas é adiado por divergência entre o fórum competente, o de Lisboa ou de Loures. A decisão é pelo Juízo Central Criminal de Lisboa. A nova data para começarem as audiências é setembro de 2018, mas novamente adiada para maio de 2019.
Os crimes
A acusação contra o ex-vice-cônsul-Falsificação de documentos (duas vezes): pena de prisão de seis meses a cinco anos ou pena de multa de 60 a 600 dias, fixada de acordo com a situação econômica e financeira do réu.
— Burla e burla qualificada: pena de prisão de dois a oito anos.
— Branqueamento de capitais: pena de prisão de dois a 12 anos (também responde pelo crime a esposa de Pinto).
Contraponto
O advogado João Diogo de Castro Nabais dos Santos, que defende Adelino de Assunção Nobre de Melo Vera-Cruz Pinto e de Maria Anunciação Cabral Figueiredo, disse que, enquanto decorre o julgamento, considera que não é adequado responder às questões da reportagem.