As famílias que querem continuar morando no prédio da prefeitura que foi alvo de reintegração de posse na sexta-feira (7), no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, se apegam a um laudo particular que atestou que não há "danos que afetam a estabilidade estrutural das residências".
O documento, ao qual GaúchaZH obteve acesso, tem fotos internas do imóvel e faz parte do recurso que o Coletivo Ocupação Baronesa fez à Justiça para tentar seguir morando no prédio, situado na Rua Baronesa do Gravataí.
Já a prefeitura sustenta que a estrutura apresenta risco de desabamento e, por isso, pediu a reintegração à Justiça. Na manhã deste domingo (9), quatro famílias, com sete crianças, seguiam acampadas na calçada do prédio, segundo a coordenação do movimento.
Conforme Alice de Oliveira Martins, coordenadora da ocupação, ao longo do dia mais famílias deveriam retornar para o acampamento por estarem sem lugar para ficar. À tarde, ocorreu no local uma reunião entre os acampados e apoiadores do movimento. A resolução foi continuar no local.
— Decidimos manter a resistência aqui. A oferta da prefeitura não resolve o problema. Ao contrário do que possa parecer, não há nenhum risco para as crianças. Elas estão sendo bem cuidadas. Têm sido alimentadas, têm tomado banho e têm ido à escola — disse o advogado Felisberto Seabra Luisi, que atua para o movimento.
A prefeitura ofereceu a colocação das famílias em albergues — o que acarretaria separação entre homens e mulheres — e também deu a opção de auxílio-moradia, que é de R$ 500 mensais por seis meses, prorrogáveis por mais seis meses. As famílias alegam ser difícil conseguir alugar uma moradia com esse valor, além disso, não aceitam a separação. Querem retornar para o prédio.
Conforme o advogado Felisberto Seabra Luisi, as pessoas que estão no acampamento na calçada recebem apoio de vizinhos, que permitem o uso de banheiros, por exemplo. A comida estaria chegando pronta a partir de doações. Ainda assim, a situação é precária e, por vezes, há quem urine na própria calçada - situação flagrada pela reportagem.
GaúchaZH questionou a prefeitura e o Ministério Público sobre a situação das pessoas acampadas e, principalmente, das crianças que estão na rua. A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, disse que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) está monitorando o caso.
— Se o Ministério Público for comunicado oficialmente sobre problemas com as crianças, que estão com as famílias na rua, serão adotadas as medidas necessárias — disse a promotora Denise Villela, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões.
A conclusão do laudo particular usado pelo grupo na Justiça informa: "Foi realizada inspeção em nível 1 aos imóveis, sendo encontrados danos de origens naturais, funcionais e operacionais, ou seja, decorrentes de fenômenos naturais, assim como originárias da falta de uso e também relativos a procedimentos inadequados de controle da edificação, apresentando grau de risco CRÍTICO, relativo a dois pontos específicos da cobertura das casas 05 e 06 e REGULAR no caso das infiltrações e vícios nos pisos e forros, caracterizando assim impactos recuperáveis a partir de uma ocupação ordenada assim como reforma e reparos adequados. Não foram encontrados nos imóveis danos que afetam a estabilidade estrutural das residências, de modo que se possa garantir, a partir de reforma e reparo, retorno ao status quo da edificação como em sua vida útil".
O documento é assinado pelo arquiteto e urbanista Gihad Abdalla El Khouri. A definição para risco crítico é de que se trata de "impacto irrecuperável, relativo ao risco contra a saúde, segurança do usuário e do meio ambiente, bem como perda excessiva de desempenho, recomendando intervenção imediata". E para risco regular a definição é de " impacto parcialmente recuperável, relativo ao risco quanto à perda parcial de funcionalidade e desempenho, recomendando programação e intervenção em curto prazo".
O advogado do movimento disse que o grupo quer propor a concessão do prédio para um projeto cultural e de moradia que seria bancado por meio de arrecadação de fundos com apoiadores e até bancos. A coordenação do coletivo sustenta que apenas uma parte do prédio tem risco e, por isso, nem era usada pelo grupo.
— O Poder Judiciário, com o poder da caneta, tomou uma decisão unilateral. Tentamos uma audiência de conciliação e não conseguimos. A Brigada Militar teve atuação exemplar no dia da reintegração — registra o advogado.
Contraponto
No começo da tarde de domingo, a prefeitura informou por meio de nota:
"Desde o final da tarde do dia 27/05/19 a PMPA, através de várias Secretarias e órgãos envolvidos, tratou do tema da desocupação do prédio na Baronesa do Gravataí visando garantir encaminhamentos e redução de danos as famílias que ali se encontram. Havia decisão judicial para a desocupação do prédio. Foi suspensa a ação, prevista para 28/05, sendo agendada reunião com representantes da referida ocupação e a Prefeitura. Foi ofertado vagas de acolhimento para as mulheres com crianças e vagas individuais para os homens nos albergues/abrigos. Em vista do entendimento de não separar os grupos familiares foi ofertado o benefício de Auxílio Moradia para 7 famílias, conforme a solicitação da Defensoria. Em reunião ocorrida no último dia 03/06, onde participaram: as famílias ocupantes do local, advogados, MP, Defensoria Pública, CT e PMPA, sob a coordenação da BM, foi reforçada a proposta da PMPA e ajustado que o CRAS Centro receberia, a partir do dia 04/06/19 as famílias para encaminhamento da documentação de adesão ao auxílio moradia. Somente duas famílias compareceram, mas não assinaram o termo de adesão para o auxílio moradia. No dia 07/06 houve a desocupação do prédio. A FASC ofereceu novamente vaga em abrigo para as mulheres e crianças e para os homens vaga em albergue/abrigo. As famílias não aceitaram ingressar nos abrigos. Mas aderiram ao auxílio moradia se deslocando ao CRAS Centro para assinar termo de adesão. As famílias indicaram casa de familiares para irem e foram levadas assim como seus pertences, inclusive uma família foi levada até Sapiranga na casa de famíliar. Somente uma família não aceitou encaminhamentos no dia. No sábado, dia 08/06 foi oferecido novamente a essa família, do sr. Fábio Policarpo, vaga no abrigo de Famílias para ficarem todos juntos mas houve a negativa por parte dele".