Cinco anos após supostamente desviar R$ 2,5 milhões da Arquidiocese da Igreja Católica de Porto Alegre e fugir para Lisboa, em Portugal - onde teria gasto o dinheiro -, Adelino de Assunção Nobre de Melo Vera-Cruz Pinto, 53 anos, ex-vice-­cônsul português em Porto Alegre, está agora enredado pela Justiça lusa.
O Ministério Público (MP) do país europeu ofereceu denúncia contra Adelino por lavagem de dinheiro, pedindo devolução do equivalente a R$ 4,2 milhões (valores corrigidos) e, como garantia, o bloqueio de valores em bancos, sequestro de imóveis e de um carro supostamente adquiridos de forma ilícita. A denúncia também envolve a companheira de Adelino, Maria da Anunciação Cabral Figueiredo, 52 anos. Caso condenados, podem ser punidos em até 12 anos de prisão.O ex-vice-cônsul também foi denunciado por falsificação de documento e burla (igual a estelionato).
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A denúncia do Departamento de Investigação e Ação Penal - organismo do MP em Lisboa - revela que Adelino remeteu valores para bancos em Portugal, abastecendo contas de Maria da Anunciação, dos dois filhos adolescentes deles e até da mãe de Adelino, atualmente com 97 anos.
O ex-vice-cônsul fez aplicações e quitou empréstimos e o financiamento de um apartamento na Rua João da Silva Vitoriano, em Vila Franca de Xira, na periferia da capital portuguesa. No imóvel, avaliado em R$ 600 mil, vivem Maria da Anunciação e os dois filhos deles.
Adelino também concretizou a compra de propriedade de férias, em uma área de 2,4 mil metros quadrados, em Penalva do Castelo, localidade rural perto de Viseu, no norte do país, avaliada em R$ 630 mil. Adquiriu ainda um carro Opel por R$ 91,5 mil, registrado em nome de Maria da Anunciação - Adelino não tem habilitação.
Conforme a denúncia, a inserção do dinheiro no circuito financeiro legal só foi possível pela colaboração da mulher de Adelino, "que bem conhecia o modo ilegítimo" de como os valores foram desviados. Maria da Anunciação trabalhou no Serviço de Inspeção de Jogos do órgão oficial de turismo e licenciou-­se para morar no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, em 2010, ano que Adelino teria aplicado o golpe na Igreja em Porto Alegre.
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A investigação sustenta que 90% da quantia desviada da Arquidiocese circulou pelas contas de Adelino e de familiares. Também deixa a entender que Adelino não repassou o dinheiro para uma diretora de uma ONG da Bélgica, Teresa Falcão e Cunha, como ele sempre alegou. A mulher jamais foi identificada.
Igreja ainda espera recuperar recursos
A arquidiocese da Capital contratou advogado para acompanhar o caso em Lisboa. A expectativa é de reaver o dinheiro. O advogado César Peres, defensor de Adelino no processo aberto no Brasil, no qual o ex-­vice-cônsul é acusado de estelionato, entende que seu cliente não pode responder duas vezes (no Brasil e em Portugal) pelo mesmo crime de estelionato.
- Quanto à lavagem de dinheiro, penso que primeiramente deve ser apurada a veracidade da acusação de estelionato - diz.
Consultado pela reportagem, o Tribunal de Justiça (TJ) do Estado informou que o processo seguirá tramitando.
Em março, Zero Hora localizou Adelino em Lisboa. Ele alegou que não tinha dinheiro e que "vivia de favor" em um hotel da cidade, embora fosse visto em lugares chiques e em trajes elegantes. O ex-vice-cônsul é viciado em jogos e é possível que tenha gastado significativa parcela em roletas nos cassinos de Lisboa e de Estoril.
Adelino declarou imposto de renda pela última vez em 2010 (referente aos ganhos do ano anterior) e tudo indica que consumiu os R$ 2,5 milhões desviados da Igreja Católica entre 2011 e 2012. Nos dois anos seguintes, movimentou apenas o equivalente a R$ 24 mil em dois bancos.
A história de um vice-cônsul
Em dezembro de 2010, sob a promessa de obter recursos de Portugal para obras em paróquias de origem lusa no Rio Grande do Sul, o então vice-cônsul português em Porto Alegre, Adelino Pinto, convence a Arquidiocese da Igreja Católica da Capital a depositar R$ 2,5 milhões na conta dele.
Em contrapartida, o governo de Lisboa doaria R$ 12 milhões por meio de uma ONG belga dirigida por Teresa Falcão e Cunha. A falsa promessa é registrada em cartório. A entidade e a mulher nunca foram localizados. A doação não existe, e Adelino não devolve o dinheiro.
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Em março de 2011, a Polícia Civil abre inquérito, e Pinto foge para Portugal. O Ministério Público português também começa a investigar o caso.
Em setembro de 2011, Adelino é demitido do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e vira réu na 10ª Vara Criminal de Porto Alegre, acusado de estelionato e coação de testemunha. O português nega ter desviado os recursos e acusa uma suposta mulher.
No mês seguinte, é expedida ordem de prisão preventiva, e a Interpol (organização internacional de polícias), comunicada. Adelino passa a figurar na Difusão Vermelha, lista divulgada em site, como foragido.