A Polícia Civil prendeu na tarde desta segunda-feira (18) mais duas pessoas que teriam envolvimento na morte de um homem suspeito de estuprar a própria filha em Porto Alegre. O crime ocorreu em janeiro deste ano no bairro Bom Jesus, na Zona Leste.
As investigações apontaram que pelo menos 20 pessoas do bairro Bom Jesus receberam a informação de que um membro da organização teria estuprado a própria filha. Mesmo sem ter certeza do que havia ocorrido, eles fizeram o chamado "tribunal do tráfico" e condenaram o homem a morrer queimado em uma rua da região.
Segundo o delegado Guilherme Gerhardt, um dos presos teria sequestrado e levado o homem até o "tribunal do tráfico", acompanhado de um comparsa. Ele foi detido no Centro de Porto Alegre no começo da tarde.
A segunda pessoa detida é uma mulher, considerada pela polícia como mandante do crime. Ela foi encontrada em casa, no bairro Lomba do Pinheiro. A suspeita é conhecida como Madrinha. Para os investigadores, ela seria uma das responsáveis pela facção que ainda estava em liberdade.
A mulher é suspeita de gerenciar o tráfico de drogas e comandar os assassinatos de desafetos. A investigada seria responsável por executar as ordens dadas pelo homem apontado pela polícia como o verdadeiro líder do grupo, Marcio Oliveira Chultz, o Alemão Márcio, que cumpre pena de 37 anos em um presídio federal fora do Rio Grande do Sul.
A diretora do Departamento de Homicídios, delegada Vanessa Pitrez, diz que um dos mandados de prisão é justamente para ele, também para a chamada Madrinha e para a ex-companheira da vítima. Foi ela quem denunciou o suposto abuso sexual. As outras ordens judiciais são para os homens que torturaram e queimaram o próprio comparsa.
Ao todo, 12 dos 21 mandados de prisão foram cumpridos desde o final de semana, quando foi organizada operação. Uma pessoa foi detida em flagrante por porte de munição durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão. Oito pessoas seguem foragidas, segundo o delegado. Além desses, um investigado morreu três dias antes da ofensiva.
Barbárie
No dia 13 de janeiro deste ano, a ex-mulher do homem executado procurou a traficante conhecida como Madrinha para denunciar o marido que, segundo ela, teria estuprado a filha de 12 anos do casal.
No entanto, o que foi notado na investigação é que no mesmo horário em que traficantes estavam retirando o homem de casa, em meio a socos e pontapés, para levar ao chamado "tribunal do tráfico", a ex-companheira dele estava fazendo registro de abuso sexual em uma delegacia de polícia.
O delegado Guilherme Gerhardt, titular da 1ª Delegacia de Homicídios, diz que os investigados seguiram um código de conduta próprio e eles mesmos julgaram a vítima em meio a uma sessão de tortura.
— Esses termos são usados por eles, ou seja, código de conduta, tribunal do tráfico e micro-ondas. Este último é colocar uma pessoa viva entre pneus e atear fogo — ressalta Gerhardt.
Câmeras de segurança gravaram o momento em que o homem foi jogado de um carro na Rua José Albano Volkmer, no bairro Jardim do Salso, na mesma região do bairro Bom Jesus. Sem conseguir caminhar, já muito machucado, pedia ajuda para várias pessoas. Em um ponto distante cerca de 100 metros do local, um matagal, é possível ver pessoas caminhando e crianças brincando nas proximidades de uma praça. Enquanto isso, os criminosos juntavam pneus e paus, improvisando uma maca para carregar a vítima. Tudo em plena luz do dia. Ao ser levado para o matagal, o homem teve o corpo incendiado.
Cerca de cinco minutos depois, as câmeras registram o homem engatinhando até o meio da rua, parcialmente queimado, e pedindo socorro. Os suspeitos — alguns deles cobriram o rosto com roupas ao perceberem que havia monitoramento na região — voltaram a se reunir e carregaram o comparsa até o mesmo local, onde o colocaram dentro de pneus e fizeram uma fogueira.
Enquanto as pessoas continuavam na rua, em aparente normalidade, os criminosos voltaram a sair do matagal — alguns deles comemorando o feito. Logo em seguida, chegaram no local duas viaturas da Brigada Militar.
Gerhardt também apura se os traficantes teriam aproveitado a denúncia de suposto abuso sexual para executar a vítima devido a uma dívida com a quadrilha.
Os delitos apurados nesta investigação são homicídio triplamente qualificado, organização criminosa, tortura e corrupção de menores.
A polícia lembra que os moradores não costumam tomar alguma atitude com medo de serem executados e ressalta que a investigação deste caso começou a partir de uma denúncia anônima. Depois de depoimentos e de técnicas de apuração, os agentes da 1ª Delegacia de Homicídios descobriram os mandantes da tortura e do assassinato e, com o auxílio das imagens, identificaram todos os envolvidos.
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os nomes do homem queimado vivo e da ex-mulher dele, também presa, não foram divulgados para não expor a menina de 12 anos. A Polícia Civil segue investigando se houve mesmo o estupro, mas o inquérito ainda não foi finalizado.