Uma operação policial foi deflagrada no fim de semana para prender integrantes de uma facção com base na zona leste de Porto Alegre que estiveram envolvidos em um crime bárbaro. Em janeiro, pelo menos 20 pessoas do bairro Bom Jesus receberam uma informação de que um membro da organização teria estuprado a própria filha. Mesmo sem ter certeza do que havia ocorrido, eles fizeram o chamado "tribunal do tráfico" e condenaram o homem a morrer queimado em uma rua da região.
A ação policial foi coordenada pela 1ª Delegacia de Homicídios da cidade e contou com 226 agentes. Foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão e 21 de prisão preventiva em 52 alvos identificados. Ao todo, dez mandados de prisão foram cumpridos, sendo oito neste domingo na zona leste da Capital e um em presídio federal no Mato Grosso do Sul, além de outro nesta segunda-feira (18) em Sapucaia do Sul. Um investigado morreu três dias antes da operação policial.
A operação recebeu o nome de Matriarcado porque quem coordenou os criminosos foi uma mulher conhecida como madrinha na região, uma das responsáveis pela facção que ainda estava em liberdade. Ela é suspeita de gerenciar o tráfico de drogas e comandar os assassinatos de desafetos. A investigada seria responsável por executar as ordens dadas pelo homem apontado pela polícia como o verdadeiro líder do grupo, Marcio Oliveira Chultz, o Alemão Márcio, que cumpre pena de 37 anos em um presídio federal fora do Rio Grande do Sul.
A diretora do Departamento de Homicídios, delegada Vanessa Pitrez, diz que um dos mandados de prisão é justamente para ele, também para a chamada madrinha e para a ex-companheira da vítima. Ela foi quem denunciou o suposto abuso sexual. As outras ordens judiciais são para os homens que torturaram e queimaram o próprio comparsa.
Barbárie
No dia 13 de janeiro deste ano, a ex-mulher do homem executado procurou a traficante conhecida como madrinha para denunciar que o marido estuprou a filha de 12 anos do casal. No entanto, o que foi notado na investigação é que no mesmo horário que em traficantes estavam retirando o homem de casa, em meio a socos e pontapés, para levar ao chamado "tribunal do tráfico", a ex-companheira dele estava fazendo registro de abuso sexual em uma delegacia de polícia. O delegado Guilherme Gerhardt, titular da 1ª Delegacia de Homicídios, diz que os investigados seguiram um código de conduta próprio e eles mesmos julgaram a vítima em meio a uma sessão de tortura.
— Esses termos são usados por eles, ou seja, código de conduta, tribunal do tráfico e microondas. Este último é colocar uma pessoa viva entre pneus e atear fogo — ressalta Gerhardt.
O homem foi jogado de um carro na Rua José Albano Volkmer, no bairro Jardim do Salso, na mesma região do bairro Bom Jesus, e, sem conseguir caminhar, já muito machucado, pedia ajuda para várias pessoas. Em um ponto distante cerca de 100 metros do local, um matagal, havia pessoas caminhando e crianças brincando nas proximidades de uma praça. Enquanto isso, os criminosos juntavam pneus e paus, improvisando umamaca para carregar a vítima. Tudo em plena luz do dia. Ao ser levado para o matagal, com muito lixo acumulado no entorno, o homem teve o corpo incendiado e, em seguida, os traficantes saíram do local.
Cerca de cinco minutos depois, as chamas não acenderam o suficiente e, engatinhando até o meio da rua parcialmente queimado, o homem pedia socorro. Em vez disso, os suspeitos — alguns deles cobriram o rosto com roupas ao perceberem que havia uma câmera de segurança na região — voltaram a se reunir e carregaram o comparsa até o mesmo local, onde colocaram ele dentro de pneus, o chamado microondas, e fizeram uma grande fogueira.
Enquanto as pessoas continuavam na rua, em aparente normalidade, os criminosos voltaram a sair do matagal — alguns deles comemorando o feito. Logo em seguida, chegaram no local do homicídio duas viaturas da Brigada Militar.
Gerhardt também apura que, por trás, da denúncia de abuso sexual como motivação para o crime, os traficantes também teriam aproveitado o fato para executar a vítima devido a uma dívida com a quadrilha.
Os delitos apurados nesta investigação são homicídio triplamente qualificado, organização criminosa, tortura e corrupção de menores. A polícia lembra que a maioria dos moradores geralmente não toma alguma atitude para também não ser executada. No entanto, a investigação iniciou a partir de uma denúncia anônima. Depois de depoimentos e de técnicas de apuração, os agentes da 1ª Delegacia de Homicídios descobriram os mandantes da tortura e do assassinato e, com o auxílio das imagens, identificaram todos os envolvidos.
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os nomes do homem queimado vivo e da ex-mulher dele, também presa, não foram divulgados para não expor a menina de 12 anos. Em relação a essa questão, a Polícia Civil segue investigando se houve mesmo o estupro, mas o inquérito ainda não foi finalizado.