Um dia após o resultado das eleições, foi anunciada a criação da Secretaria de Administração Penitenciária, que terá como missão agilizar a construção de novas prisões. Com a nova pasta, o governo eleito pretende reduzir o déficit de mais de 11,9 mil vagas no sistema carcerário gaúcho.
As autoridades envolvidas no projeto, no entanto, não estimam o número de vagas a serem construídas nos próximos quatro anos. No atual mandato, a título de comparação, foram entregues cerca de 3,2 mil.
Para rebater críticas que apontam risco de inchaço da máquina e aumento de gastos em momento de crise, a cúpula eleita afirma que a nova estrutura será enxuta.
— Será uma secretaria sem estrutura grande. Nosso objetivo é abrir vagas no sistema prisional, construir prisões. Temos condições, sim, com maior dinamismo, de abrir mais vagas — diz o futuro vice-governador, Ranolfo Vieira Júnior (PTB), salientando que a inspiração veio de outros Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo o vice-governador eleito, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não será extinta, mas deixará de ser subordinada à Secretaria da Segurança Pública (SSP) para ser vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária. Até o momento, o governador eleito Eduardo Leite não anunciou os titulares das duas pastas.
A intenção do novo governo é seguir com a construção de casas prisionais pequenas, com capacidade entre 300 e 400 apenados. Dentro deste contexto, deve ser mantida a permuta da área do ginásio da Brigada Militar pela construção de um presídio em Sapucaia do Sul. Também devem continuar as negociações com a União para que seja erguida em solo gaúcho a penitenciária federal de Charqueadas.
Para sair do papel, a criação da pasta precisa passar pela aprovação dos deputados estaduais. O projeto não está pronto, mas o novo governo já pretende negociar com os parlamentares nos próximos dias.
Será uma secretaria enxuta, sem estrutura grande. Nosso objetivo é abrir vagas no sistema prisional
RANOLFO VIEIRA JÚNIOR
FUTURO VICE-GOVERNADOR
— A ideia é sensibilizar os deputados. Em regra, esse tipo de matéria de iniciativa do próprio Executivo é aprovada pelo Legislativo — salienta Ranolfo.
Em 2017, o governo de José Ivo Sartori apresentou projeto para criar uma subsecretaria de administração penitenciária. Sem apoio entre aliados à proposta, foi retirado o caráter de urgência da tramitação no começo deste ano. A ideia sofreu pressões de sindicatos de servidores.
Procurado novamente pela reportagem para esmiuçar como deverá ser a estrutura da nova secretaria, o vice-governador eleito encaminhou nota, via assessoria de imprensa. No texto, salientou que a nova pasta está em “fase embrionária, de discussão” e que o detalhamento será informado em “momento oportuno.”
"Superficial", avalia deputado de oposição
Para o deputado Pedro Ruas (PSOL), o governo de Eduardo Leite precisa atentar para outros problemas relacionados ao sistema prisional. Entre eles, estão a superlotação de presídios gerada pela falta de vagas e a nomeação de novos agentes penitenciários para trabalhar nesses espaços.
Temos um sistema prisional caótico aqui no Rio Grande do Sul. Só criar uma secretaria é superficial, não adianta nada. Precisa de uma mudança
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O deputado salienta que o atual sistema prisional acaba abastecendo as facções criminosas com “mão de obra”. Além de criar vagas e chamar novos servidores, Ruas propõe uma mudança na Lei das Drogas, de 2006. Segundo ele, a legislação gerou inchaço no sistema prisional ao endurecer penas para crimes relacionadas ao tráfico de entorpecentes.
— Acredito que as prisões devam servir como espaço para exclusão da sociedade de criminosos graves. A maioria dos que estão nas cadeias são ligados ao tráfico de drogas, não são os homicidas — diz o deputado, que no próximo ano vai assumir a coordenação da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa.
É preciso valorizar agentes penitenciários, dizem pesquisadores
Pesquisadora de questões ligadas à violência, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Letícia Maria Schabbach entende que uma secretaria específica pode fazer com que se trate com “mais seriedade” a questão prisional.
— A gente tem de pensar no sistema de trás para frente e não de frente para trás. Tivemos alunos na especialização que trabalhavam como agentes penitenciários e que nos relataram que a categoria é colocada sempre em segundo plano. Anos atrás, chamavam os agentes prisionais como primos podres da segurança, trabalhavam em condições mais precárias e tinham salários mais baixos. Tem de pensar de outra forma, com novas políticas — conta a pesquisadora.
Para Letícia, a nova pasta não pode ser pensada como forma de encarcerar mais pessoas, mas como a maneira de repensar o uso mais frequente de formas alternativas para o cumprimento da pena.
Professor aposentado da UFRGS, Juan Mario Fandino acredita que a secretaria deve ser pensada para reduzir a burocracia. – Tem de haver coordenação muito bem pensada, especialmente no caso das prisões. Tem de fazer diálogo com agentes penitenciários, que participem de maneira intensa. Me furto de avaliar se essa autonomia vai ser um passo positivo ou não. Concordo em tomar uma linha – defende o professor.