Uma semana após cinco pessoas serem assassinadas dentro de um apart-hotel em Canasvieiras, em Florianópolis, pelo menos sete dúvidas ainda pairam sobre a chacina que chocou Santa Catarina, estado com um menores índices de violência do país. Enquanto a Polícia Civil evita dar detalhes da investigação e o Instituto Geral de Perícias trabalha na confecção de um total de 20 laudos que podem ser essenciais em uma apuração que possui apenas uma testemunha ocular viva, não há resposta para o motivo de os bandidos terem permanecido oito horas no local, o intervalo de tempo entre as mortes, a origem da motivação do crime e o porquê a única sobrevivente talvez tenha sido poupada da morte pelos criminosos, entre outras questões.
Procurados pela reportagem, os delegados Ênio de Oliveira Mattos e Salete Mariano, titulares da Delegacia de Homicídios da Capital, não quiseram se manifestar. O diretor de polícia da Região Metropolitana, Verdi Furlanetto, também não quis falar.
Entre pessoas que moram nas proximidades do apart-hotel Venice Beach, no entanto, uma das incertezas parece estar solucionada. Um homem, que não quis se identificar e mora há poucos metros do estabelecimento, contou que a funcionária sobrevivente da chacina conseguiu deixar o local após os criminosos já terem ido embora, por volta de meia-noite daquela quinta-feira. Ela não teria, até então, sequer conhecimento que os quatro integrantes da família Gaspar Lemos e um sócio deles estavam mortos, já que os corpos encontravam-se em diferentes cômodos do hotel.
— Ela saiu daí de dentro do hotel perto da meia-noite e avisou a polícia. Conseguiu se soltar. Não quiseram matar ela — narra o homem, que no domingo diz ter visto o delegado Ênio Mattos nas redondezas do crime, em uma rua vizinha, onde teria ido a um hotel solicitar imagens das câmeras de videomonitoramento.
Segundo o morador, essas câmeras podem ter flagrado dois carros suspeitos vistos pela vizinhança por volta de 23h do dia 5 de julho. No hotel, um funcionário que atendeu a reportagem confirmou que a polícia esteve por lá, mas disse que não podia falar se a equipe de Ênio havia levado imagens do local.
AS 7 DÚVIDAS
1 – A testemunha que acionou a polícia foi poupada pelos bandidos ou conseguiu fugir?
2 – Eventual briga judicial ou dívida que poderia ser motivação para o crime teria origem em São Paulo ou em Santa Catarina?
3 – Se a motivação era o passado da família Lemos, por que um funcionário do hotel também foi morto?
4 – Por que os bandidos permaneceram oito horas no local? Eles estavam esperando alguma vítima chegar?
5 – Como os bandidos chegaram ao hotel (já que fugiram em carros das vítimas)?
6 – As vítimas foram coagidas a falar algo? Informação? Localização de cofre/dinheiro?
7 – Os autores mataram todos de uma vez ou foram matando um a um em intervalos?
Tempo para sair o primeiro laudo
Em um crime como a chacina de Canasvieiras, com apenas uma testemunha ocular, cresce a importância das provas técnicas colhidas e produzidas pelos peritos do IGP. Segundo o diretor-adjunto do órgão, Júlio Freiberger, como a prova testemunhal não é robusta, o trabalho técnico pode ser decisivo para identificar eventuais suspeitos do crime. O primeiro laudo a ser disponibilizado deve ser o de local do crime, já na próxima semana. Em seguida, os cadavéricos, para depois o resultado das buscas por digitais dos possíveis autores da chacina. Este último o mais difícil, de acordo com o diretor.
— Nos laudos cadavéricos estamos na dependência de algum ou outro exame laboratorial, mas é o padrão para qualquer morte violenta.
Sobre uma das dúvidas elencadas pela reportagem, depois de ouvir tanto policiais civis como militares, e que diz respeito ao intervalo de tempo em que ocorreu cada uma das mortes, Freiberger explica que nem sempre é possível fazer essa identificação.
— Para que a distância de tempo entre uma morte e outra fique bem evidente é preciso um lapso de tempo entre quatro e seis horas. Não é tão simples. Se todas as mortes ocorreram em intervalo de quatro horas, você já não tem tanta precisão, porque podem todos ter iniciado o processo pós-morte meio juntos — destaca Freiberger.
Carros da família permanecem no local
Na tarde de ontem, uma semana depois da entrada dos criminosos no apart-hotel, ainda sem exatidão se com a porta aberta ou com alguém abrindo para eles, um Alfa Romeo da família Gaspar Lemos permanece estacionado em frente ao hall de entrada, como estava naquele dia 5 de julho.
Outros três carros, todos com placas de São Paulo, estão estacionados na lateral esquerda do estabelecimento. Moradores da pacata rua, com dezenas de imóveis desocupados durante o inverno, que passavam em direção à praia, a menos de 100 metros dali, falavam em chacina, mortes e olhavam para o Venice Beach.
A fita amarela da Polícia Civil que cerca o estabelecimento, com os dizeres “não entre, local de crime”, só foi mexida uma vez nesta quinta-feira. Uma entregadora de panfletos, completamente alheia ao que tinha acontecido ali, levantou o fio de plástico e calmamente colocou um panfleto no vidro do Alfa Romeo estacionado e outro na porta do hotel lacrado. Em seguida, saiu novamente levantado a fita que era para impedir o acesso ao local.