"Foi uma cena de filme". O relato de um perito da Polícia Civil a uma vizinha do apart-hotel onde cinco pessoas foram assassinadas, em Canasvieiras, Florianópolis, indica a barbaridade do crime. Entre 16h e meia-noite desta quinta-feira (5), quatro homens e uma mulher foram mortos por asfixia. Os criminosos recolheram as imagens das câmeras de segurança, fugiram e deixaram poucas pistas para trás.
As vítimas foram encontradas amarradas, de barriga para baixo, e identificadas como Paulo Gaspar Lemos, 78 anos, Leandro Gaspar Lemos, 44, Paulo Gaspar Lemos Junior, 51, Kátya Gaspar Lemos, 50, e Ricardo Lora, 39. No apart-hotel havia ainda uma funcionária, mas ela conseguiu fugir e acionar a polícia, que chegou ao local por volta da 1h desta sexta-feira.
Das cinco vítimas, quatro eram da mesma família. Com exceção de Leandro e Ricardo, todos moravam no apart-hotel. O pai, Paulo, ficou viúvo no ano passado, quando a esposa, Cecília, morreu em decorrência de um câncer. Um dos filhos, o Junior, tinha deficiência intelectual.
— Mataram até o coitadinho do Junior — lamentou um vizinho à reportagem.
Kátya, filha de Paulo, era muito querida no bairro. Conforme relatos dos vizinhos, às quartas-feiras ela colaborava em um centro espírita, e todos os dias passeava com os dois cachorros da raça shitzu. Sempre parava para conversar com a vizinhança. Quando a polícia chegou ao local do crime, não encontrou os cachorros. O cabeleireiro e amigo de Kátya e a dona do petshop onde ela costumava deixar os animais também não sabem do paradeiro deles. A suspeita é de que tenham sido levados pelos criminosos.
— Fiquei apavorada quando vi as viaturas de madrugada, até que um dos agentes me disse que lá dentro parecia cena de um filme. Eles eram super tranquilos, a Kátya mesmo era super querida — conta uma vizinha que, assim como todos os outros, pediu para não ser identificada.
Ela conta que tinha ficado de levar R$ 45 para Kátya, em pagamento de um bichinho feito de crochê, um dos hobbies da vítima. O combinado era de se encontrarem às 17h30min de quinta no apart-hotel, mas, como esqueceu de sacar o dinheiro, não foi.
— Dei sorte, porque era pra ser bem na hora em que eles (criminosos) estavam lá dentro.
Empresários da noite
Outras duas vítimas da chacina eram empresários e trabalhavam com casas de shows. Leandro Gaspar Lemos, conhecido como Magal, e Ricardo Lora, conhecido como Alemão, eram sócios da casa noturna Arena Spazzio, que fica na Vargem Grande, às margens da rodovia SC-401.
Em nome de Leandro e de seus familiares estão as empresas LGL Produções Artísticas e Comercialização de Produtos Fonográficos Ltda., Grupo Venice (dono do antigo Venice Hall, que depois virou Arena Spazzio), o Venice Beach Apart House e a GPV Corretora de Seguros Ltda.
Negócios e processos em São Paulo
A principal linha de investigação para a motivação da chacina é acerto de contas.
— Alguma dívida, traição ou motivação muito específica. Havia pichações na parede de um quarto da facção criminosa de São Paulo e alguns dizeres fazendo referência a não roubar mais, não enrolar mais, dando a ideia de dívida ou algo parecido — indicou o comandante-geral da PM, coronel Araújo Gomes.
Paulo Gaspar Lemos, de 78 anos, era dono de concessionárias de veículos em São Paulo. Tinha muitos negócios na capital paulista e, segundo os vizinhos, viajava para lá todas as semanas. "Saía terça de manhã e voltava de noite ou na quarta-feira", relata o mecânico de confiança da família.
"Mecânico de confiança" porque era ele quem cuidava da coleção de carros de Paulo. Somente no apart-hotel havia uma dúzia de veículos, entre eles um Mustang 1978 e um Maverick. Em entrevista concedida ao jornal Folha de Jurerê, em 2005, Paulo contou que tinha uma coleção com 92 carros antigos e 38 lambretas.
Na mesma reportagem, Paulo contou que era natural de Rio Grande do Norte e que morou muito tempo em São Paulo, mas se mudou em 2002 para Florianópolis por causa da violência na capital paulista.
Em São Paulo, a família Lemos é alvo de diversos processos na Justiça, principalmente na esfera trabalhista. Há pouco tempo, inclusive, tiveram uma residência em Jurerê tomada pela Justiça para quitar uma dívida. Na polícia, Paulo Gaspar Lemos tem passagem por calúnia, difamação e injúria, e Leandro Gaspar Lemos tem passagem por apropriação indébita.