Afastado desde fevereiro da polícia por erros na investigação da morte de duas crianças em Novo Hamburgo, o delegado Moacir Fermino, 67 anos, hoje tem rotina reservada, longe dos holofotes. No dia 20 de março, excluiu a conta nas redes sociais e, segundo o advogado José Cláudio de Lima da Silva, tem se recusado a dar entrevistas
Fermino ficou conhecido por afirmar que teve "revelações divinas" ao longo da investigação. Delegado há 28 anos, ficou responsável pelo caso por 30 dias — nas férias do titular da delegacia —, mas a apuração voltou à estaca zero após se constatar que testemunhas mentiram a mando de um homem, de nome Paulo, que está preso.
Em 16 de março, Fermino foi indiciado pela Corregedoria da Polícia Civil por falsidade ideológica e corrupção de testemunhas. Na segunda-feira (26), o delegado foi denunciado pelo Ministério Público pelos mesmos crimes.
Sem poder se aproximar da delegacia, Fermino se dedica ao trabalho de tutor em cursos a distância na Ulbra. Segundo a universidade, ele atua por "poucas horas" na função, cumpridas de casa. Uma vez por mês vai ao campus em Canoas participar de reuniões, o que já foi feito em março, ainda de acordo com a universidade.
O delegado afastado também se ocupa na tese de doutorado. A pós-graduação é realizada desde 2010 em Buenos Aires, a 843 quilômetros de distância de Porto Alegre. No começo da tarde de quarta-feira (21), GaúchaZH procurou o orientador dele, Joaquim José Miranda Júnior, que não se recordava de Fermino.
— São muitos alunos. Lembro vagamente de um delegado gaúcho — justificou o professor, pedindo tempo para consultar o trabalho de Fermino.
Horas depois, a reportagem voltou a contatar Miranda, que é promotor de Justiça aposentado em Minas Gerais.
— Procurei nos meus e-mails e não encontrei nada dele. Ele não me mandou nem o projeto da tese. Não sei por que ele me apontou como orientador (no currículo lattes).
A perda de contato com Fermino preocupou o professor:
— Provavelmente ele já perdeu esse curso.
Na universidade particular é colega do promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim. Nos dois primeiros anos do curso, Fermino e o promotor faziam a ponte aérea entre a capital gaúcha e a portenha.
— A gente tinha que ficar lá 15 dias em janeiro e mais 15 dias em julho — conta o promotor.
Os dois acabaram amigos. Na conta do Facebook, recentemente excluída, Fermino aparece ao lado do Amorim em uma sala de aula em Buenos Aires. Em outra imagem, eles e outros colegas do curso estão em um restaurante.
— Naquela época (do doutorado) ele nem falava em Deus, religião. Bebia vinho com a gente — salienta o promotor.
Amorim lembra de uma forte turbulência que atingiu o avião em que estavam, a caminho de Buenos Aires, em janeiro de 2011:
— Foram 10 minutos de turbulência. O avião quase caiu. Daí aterrissou em Ezeiza (um dos dois aeroportos de Buenos Aires), mas como não tinha imigração queriam que a gente subisse de novo. Daí demos peitaço pra que isso não acontecesse.
Sem ver Fermino há cinco anos, o promotor desconhece o que pode ter acontecido na investigação malfadada do amigo relacionada à morte das duas crianças, encontradas em Novo Hamburgo. Ele se recorda de Fermino como alguém "tranquilo", "posicionado" nas discussões e ainda "linha dura".
"Poderia ter acontecido com qualquer um"
Fermino entrou na Polícia Civil há 42 anos. Começou como escrivão em 1976, mas, no ano seguinte, começou a faculdade de Direito na Unisinos, em São Leopoldo, concluída sete anos depois. Em 1990, virou delegado.
GaúchaZH conversou com um colega de Fermino na Polícia Civil, que o conhece há quase 40 anos. Preocupado com a repercussão do caso, pediu para não se identificar.
— Não tenho nada para falar contra ele. Poderia ter acontecido com qualquer um. Ninguém está livre disso. A gente tem que respeitar a história dele na polícia — conta o policial.
O agente classifica Fermino como alguém "operacional"
— Ele sempre gostou de ser policial. Gostava de ir para a rua —salienta.
— Um homem casado, com filhos e netos. Uma pessoa do bem — complementa.
Candidato a vereador
Por duas vezes, Fermino tentou entrar na política, como vereador em São Leopoldo, no Vale do Sinos. A primeira foi em 2004, pelo PDT. Na época, obteve 982 votos, ficando como o quarto mais votado no partido.
A outra tentativa ocorreu em 2008, pelo PMDB. Obteve 332 votos e ficou como suplente. GaúchaZH procurou o ex-prefeito de São Leopoldo Aníbal Moacir, que também disputou o pleito municipal pela primeira vez naquele ano:
— Lembro que ele foi candidato, mas não convivi com ele, não tenho intimidade. A gente vê muito delegado que entra na política como vereador.
Contraponto
GaúchaZH voltou a procurar o advogado de Fermino, José Cláudio de Lima da Silva, nesta terça-feira (27). O defensor reforçou que ainda não analisou a denúncia do Ministério Público e, por isso, ainda não vai se manifestar.