Afastado desde fevereiro, o delegado Moacir Fermino foi indiciado na tarde desta sexta-feira no inquérito aberto pela Corregedoria da Polícia Civil (Cogepol) para apurar irregularidades na condução da investigação sobre a morte de duas crianças esquartejadas em Novo Hamburgo.
O procedimento foi adotado após a constatação de que testemunhas mentiram ao longo dos trabalhos. Caso o Ministério Público decida oferecer denúncia e a Justiça aceite, Fermino poderá responder por corrupção de testemunhas e falsidade ideológica. Em coletiva de imprensa em janeiro, o delegado afirmou que "revelações divinas" o haviam ajudado a chegar aos então suspeitos do esquartejamento.
Além dele, outro policial e um terceiro homem — que está preso e teve apenas o primeiro nome, Paulo, divulgado ontem em coletiva de imprensa sobre o caso — foram indiciados pelos mesmos crimes.
Inicialmente, cinco policiais haviam sido afastados cautelarmente. Entretanto, nesta sexta, a Cogepol manteve longe de suas funções apenas o delegado. O outro policial, mesmo responsabilizado no inquérito, poderá voltar ao trabalho.
— Ele (o policial) agiu pontualmente dentro de um contexto. Pelo grau de conduta, dentro do que foi analisado, não há ponto de dar continuidade (ao afastamento) _ explica o delegado Antônio Salvador Lapis, titular da Delegacia de Feitos Especiais, ligada à corregedoria.
Além de à Justiça, o inquérito ainda foi encaminhado para o Conselho Superior de Polícia, que também pode decidir o futuro de Fermino na corporação.
Responsabilizado sete vezes por dois crimes
Lapis explica que, em 16 de fevereiro, foi pedida à Justiça a prisão de Fermino, o que foi negado:
— Chegou uma denúncia anônima, de que, mesmo afastado, ele continuava a frequentar a delegacia. Equipe de investigação fez campana e identificou a presença dele. Pelo contexto do afastamento, a intenção era mantê-lo longe dos órgãos policiais, para que, de alguma forma, não interfira nas investigações.
Fermino foi indiciado sete vezes — quatro por corrupção de testemunhas e três por falsidade ideológica. Segundo o titular da Delegacia de Feitos Especiais, o indiciamento ocorreu devido ao inquérito produzido por Fermino, com "série de atos investigatórios que não aconteceram". A elaboração do relatório também rendeu o indiciamento ao outro policial.
— É um documento público, que faz parte de uma investigação, foi assinado, e aquilo não aconteceu — salienta Lapis.
Outra problema identificado ocorreu no pedido à Justiça de prisão temporária dos investigados, em 19 de dezembro. Segundo Lapis, foram apresentadas "situações que não eram verdade". As inconsistências já tinham sido apontadas por GaúchaZH na análise do inquérito.
A corregedoria também descobriu que o homem preso "abastecia" Fermino com informações. Ele inclusive encaminhou foto de um dos sete investigados, chamado de argentino, para o delegado.
— O que importava, o que ele (Fermino) falava para o Paulo: "Não posso deixar que essas pessoas sejam soltas, preciso deixá-las presas, preciso de testemunhas." Então, pressionava o Paulo nesse sentido.
Para a polícia, não há motivo específico para a participação de Fermino na farsa. O titular da Delegacia de Feitos Especiais classifica o colega como "pessoa vaidosa" e religiosa. Para Lapis, a resolução do caso das crianças esquartejadas poderia trazer prestígio a Fermino na igreja.
Investigação em números
- 3 pessoas indiciadas
- 5 afastamentos de policiais (mas apenas do delegado foi mantido na conclusão do inquérito)
- 26 pessoas ouvidas
- 45 dias de investigações
Reforço na investigação do esquartejamento
O chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt, anunciou reforço na investigação do esquartejamento das duas crianças, encontradas no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, em setembro do ano passado. Serão enviados mais dois policiais à delegacia responsável.
— Continuamos preocupados com a apuração do esquartejamento. Nesta semana, o Departamento de Polícia do Interior (DPI) está estudando o perfil de dois policiais para integrar a equipe — disse Wendt.
Nesta sexta-feira, o delegado Rogério Baggio pediu a retirada do prazo da investigação que apura a morte das duas crianças. Até as 20h, o Judiciário não tinha se manifestado.
—Acredito que vamos ter esse retorno só na segunda-feira — observa Baggio.
Contraponto
O advogado do delegado, José Cláudio de Lima da Silva, disse que analisou o inquérito e não encontrou "provas concretas" para possível denúncia do Ministério Público:
— Vamos esperar que o MP analise com isenção. Não vejo infração penal demonstrada.
Histórico da reviravolta
- Os corpos de duas crianças foram encontrados nos dias 4 e 18 de setembro de 2017, no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo.
- Perícias nos restos mortais comprovaram que se tratavam de dois irmãos, por parte de mãe. A investigação foi conduzida inicialmente pelo delegado Rogério Baggio, mas foi assumida nas férias dele pelo delegado Moacir Fermino.
- Na época, uma testemunha relatou a Fermino ter presenciado um ritual satânico em uma casa em construção, no qual teria visto duas crianças e sete suspeitos, para os quais o delegado pediu à Justiça e obteve prisão preventiva.
- Depois do retorno do delegado Baggio ao caso, constatou-se que tudo era uma "farsa" e que testemunhas haviam mentido após receber promessa de dinheiro.
- As prisões foram revogadas e a investigação voltou à estaca zero. Um homem, que teria orientado os testemunhos falsos, foi preso — ele não teve a identidade revelada.
- Cinco policiais foram afastados das suas funções, entre eles o delegado Moacir Fermino. A Corregedoria da Polícia Civil (Cogepol) abriu apuração sobre o equívoco.
- Nesta sexta-feira, a Cogepol indiciou Fermino, outro policial e o homem que está preso por falsidade ideológica e corrupção de testemunhas.
- Também nesta sexta, a delegacia de homicídios de Novo Hamburgo pediu a retirada do prazo para a investigação das mortes das crianças. A Justiça ainda não deu decisão.