O desaparecimento de Sandra Mara Lovis Trentin, 48 anos, moradora de Boa Vista das Missões, no norte do Estado, completa 37 dias sem um desfecho. O marido dela, Paulo Ivan Baptista Landfeldt, 47 anos, presidente da Câmara de Vereadores da cidade, está preso por suspeita de envolvimento no sumiço da mulher.
Um jovem, de 22 anos, também foi preso após confessar ter sequestrado e matado a contadora. No entanto, ele voltou atrás em suas declarações.
A Polícia Civil conseguiu que a Justiça prorrogasse o prazo para conclusão da investigação por mais 30 dias. GaúchaZH teve acesso exclusivo ao inquérito.
No novo depoimento, realizado em 1º de março, o rapaz nega que tenha sequestrado e matado a contadora, versão que ele mesmo tinha contado à polícia anteriormente. Ele relata que soube do desaparecimento de Sandra por uma vizinha que teria lhe mostrado a publicação no Facebook.
Depois disso, teria decidido ir até Boa Vista das Missões e extorquir o vereador mentindo que sabia do paradeiro de Sandra. Ele contou ainda que teria recebido R$ 10 mil em troca dessas informações.
Após tomar conhecimento do novo depoimento do suspeito de 22 anos, o advogado João Batista Pippi Taborda encaminhou, na noite de quarta-feira (7), pedido de habeas corpus para o vereador ao Tribunal de Justiça.
— Essa extorsão foi delatada pelo Paulo. Ele foi até a delegacia de polícia quando obteve provas concretas de que estava sendo extorquido. Quando foi preso (o jovem de 22 anos), ele deu um depoimento totalmente dissonante com as provas do inquérito. Esse depoimento agora nada mais é do que uma forma de restabelecer o que o Paulo sempre disse, a verdade — argumenta o advogado.
Dez pontos do inquérito:
1 - Policial viu caminhoneta na frente de casa
Uma policial civil se tornou uma das testemunhas do caso. No início da manhã de 30 de janeiro, ela saiu de casa para colocar o lixo na rua e viu uma caminhoneta preta na frente da residência. O veículo saiu do local e estacionou um pouco mais à frente, ao lado do CTG. Ela pensou que se tratava de outro veículo que costumava parar ali. Quando foi trabalhar, por volta das 9h, viu que a caminhoneta seguia ao lado do CTG, então anotou a placa. Quando retornou, ao meio dia, o veículo continuava ali, e às 13h45min, quando foi trabalhar, viu que havia rapazes no entorno da caminhoneta. Eram os familiares de Sandra, que tinham localizado o veículo. Ela só soube do desaparecimento depois.
2 - Doméstica descreve mulher vista na Ranger
Uma empregada doméstica que trabalha em uma residência próxima de onde a caminhoneta foi encontrada disse que viu uma mulher saindo pela porta traseira do veículo como se estivesse mexendo em alguma coisa no banco de trás. A mulher tinha cabelo curto, usava óculos, vestia uma blusinha verde e usava um chapéu "tipo madame" de palha, além de uma bolsa no ombro.
— A mulher parecia estar cuidando alguma coisa na rua — contou a doméstica em depoimento.
Ela reconheceu por uma foto essa mulher como sendo Sandra. Uma das possibilidades apontadas pelo MP é que a testemunha tenha visto outra pessoa e tenha se confundido.
3 - O que havia na caminhonete
Dentro da bolsa de couro preta de Sandra foram encontrados um relógio marca Champion, um celular branco (que ela costumava dar para as filhas brincarem), uma niqueleira contendo várias moedas, um estojo de óculos, uma nécessaire , R$ 122 em notas de R$ 50 e de R$ 2, documentos das filhas, cartões bancários e óculos de grau.
Dois chips e um cartão de memória do celular da contadora foram localizados no tapete do motorista. Um pingente dourado de usar em corrente estava caído sobre o tapete traseiro direito.
Havia ainda uma pasta azul com guias de empresas e o recibo que comprovava que ela esteve na Junta Comercial naquela manhã.
Um par de sapatilhas, que Sandra utilizava para dirigir, também estava no interior do veículo.
4 - Polícia chega ao suspeito
Enquanto buscava pistas do paradeiro de Sandra, em 16 de fevereiro, a polícia chegou à informação de que um homem morador de Vicente Dutra teria relatado a outras pessoas ter sido o autor do sequestro da contadora.
O relato era de que Sandra estaria sendo mantida em galpões de uma propriedade no interior de Vicente Dutra, chorando muito e perguntando pelas filhas. A denúncia aponta que o crime teria sido cometido a mando do marido da contadora.
No dia seguinte, a polícia foi até a propriedade e fez buscas nos galpões, mas nada foi encontrado. Na cidade, os investigadores descobriram que no dia 15 o homem teria procurado taxistas para levá-lo até Boa Vista das Missões, onde precisaria receber dinheiro por um serviço prestado a um vereador.
5 - A extorsão
No dia seguinte às buscas em Vicente Dutra, Landfeldt procurou a polícia para informar que estava sendo extorquido. Ele contou que um homem teria ido até a casa dele armado com duas pistolas, dizendo que tinha sido contratado para matá-lo e que estaria com a mulher.
O homem teria exigido R$ 10 mil para não matá-lo e devolver Sandra com vida. Paulo mostrou à polícia mensagens da extorsão.
"Ela esta comigo ece vc nao aceita minha proposta ela more (morre) e vc também", diz um dos textos.
6 - O encontro no bar
No dia 20 de fevereiro, Landfeldt se encontrou com o homem de Vicente Dutra em Boa Vista das Missões. A polícia conseguiu obter imagens do momento em que esse suspeito de 22 anos, que estava em um bar, e a namorada dele circulam em um carro que estaria sendo dirigido pelo vereador.
Um depoimento aponta que o suspeito já estaria em Boa Vista há alguns dias e que Landfeldt teria levado os dois até o local onde estavam hospedados. O vereador alega que encontrou o rapaz porque estava sendo extorquido por ele.
7 - Fuga do suspeito e o dinheiro
Ainda no dia 20 de fevereiro, durante a noite, o suspeito e a namorada partiram de táxi de Boa Vista das Missões para Chapecó. Pela corrida pagaram R$ 350. De lá, seguiram de ônibus para Lages. Em Lages, estavam com o aluguel de uma casa acertado, por R$ 370, com três meses pagos adiantados.
No outro dia, o suspeito, que estava desempregado, levou a namorada para comprar móveis à vista para a casa, como cama, geladeira, DVD, aparelho de som e sofá.
No dia 23 de fevereiro, ele foi preso quando estava descendo de um táxi em frente a essa casa. Com ele, os policiais apreenderam R$ 642 e comprovantes da compra de móveis no valor de R$ 2 mil.
Preso, ele confessou ter matado Sandra e indicou o marido como o mandante. Ele chegou a levar os policiais até o local onde estaria o corpo, em uma área de mato, mas nada foi encontrado.
8 - A prisão do marido
Também em 23 de fevereiro, a polícia prendeu Landfeldt por suspeita de envolvimento no sequestro e na morte da mulher. Por falta de uma cela especial, benefício concedido para pessoas com Ensino Superior, ele foi levado para a sala de aula do presídio de Palmeira das Missões, onde permanece até o momento.
9 - Os depoimentos do outro suspeito
No primeiro depoimento, o jovem preso em Lages confessou ter sequestrado e matado Sandra por um pagamento de R$ 40 mil que teria sido feito pelo marido dela.
Ele relatou que R$ 20 mil teriam sido entregues a dois comparsas e que ele teria ficado com o restante. Depois ainda teria exigido mais R$ 10 mil do vereador.
Somente o depósito de R$ 1 mil na conta de uma familiar dele foi comprovado. O depoimento apresenta contradições.
O suspeito diz que pegaram Sandra em Palmeira das Missões na saída de um escritório, depois a colocaram na caminhoneta e retornaram para Boa Vista das Missões. Mas o veículo dela foi encontrado em Palmeira.
Ele diz ainda que um Voyage estava seguindo a contadora, mas as imagens não captaram esse veículo atrás da caminhoneta.
No segundo depoimento, ele voltou atrás e disse que não cometeu o crime, mas extorquiu o vereador e conseguiu obter R$ 10 mil dele.
10 - A suposta motivação do marido
Nos pedidos feitos à Justiça para conseguir a prisão e as quebras de sigilo de Landfeldt, a polícia e o Ministério Público argumentam que a relação entre Sandra e o marido era conturbada.
Testemunhas relatam que o casal teria desavenças e brigas frequentes. Após o desaparecimento de Sandra, o marido teria consultado a seguradora para saber como resgatar um valor do seguro de vida dela.