Quais os indícios que a Polícia Civil reuniu para conseguir a prisão preventiva de dois suspeitos de sequestrar a contadora Sandra Mara Trentin, 48 anos? Moradora de Boa Vista das Missões, no norte do Estado, ela desapareceu em 30 de janeiro no município vizinho de Palmeira das Missões.
Na última sexta-feira (23), após quase um mês de investigações, policiais civis prenderam o marido de Sandra – Paulo Landfeldt, 47 anos, presidente da Câmara de Vereadores de Boa Vista – e um jovem de 22 anos, cujo nome é preservado para evitar vazamento de informações a possíveis parceiros de crime.
Os dois tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça porque trocaram mensagens negociando a suposta libertação de Sandra, que estaria em cativeiro – sem que a polícia soubesse desses diálogos. Além disso, ao ser localizado para explicações, o jovem de 22 anos declarou que teria cometido o sequestro e matado Sandra a pedido do marido dela.
Com esses elementos, os policiais conseguiram justificar o pedido de prisão da dupla.
Briga conjugal
O marido de Sandra, assim como outros familiares, lamentou publicamente o desaparecimento da mulher. Mas, durante os interrogatórios, policiais ficaram sabendo que a vida afetiva do casal não ia bem – eles tiveram um sério desentendimento no ano passado, por questões conjugais, e a briga se repetiu em janeiro deste ano, na praia, o que provocou a volta antecipada de Sandra do Litoral para Boa Vista das Missões.
Conforme relatos de amigos dela, no auge da discussão Sandra teria prometido revelar "os podres" dos supostos negócios do marido. Por não estarem comprovadas as afirmações, GaúchaZH não detalha as supostas revelações.
Diálogos com criminoso
Os policiais passaram a monitorar o vereador e descobriram que, sem informar à polícia, ele estava trocando telefonemas e mensagens com o grupo que teria sequestrado Sandra. Landfeldt e familiares chegaram a se encontrar com o jovem de 22 anos, que dizia estar com a contadora em cativeiro. O encontro, que não foi informado aos policiais, foi filmado por câmeras de segurança de um bar em Boa Vista das Missões.
Na semana passada, o vereador compareceu à delegacia de Polícia Civil em Palmeira das Missões e mostrou as mensagens que teria trocado com os sequestradores. Elas teriam começado com exigência de R$ 20 mil para libertar a mulher. Houve uma negociação via WhatsApp, com valores baixando para R$ 2 mil, voltando a subir em seguida – o que caracterizaria um caso de extorsão.
Em um dos recados, o criminoso ameaça: "Tu não sabe com quem tá lidando, sou de facção (e citou um grupo criminoso de Porto Alegre). Largo tua mulher encapuzada num canto e vou atrás de ti, te matar". Outra mensagem avisa: "Não coloca a Polícia (no caso)".
Suspeito acusa vereador
Por rastreamento telefônico, os policiais foram a uma cidade próxima a Frederico Westphalen (no Alto Uruguai) atrás dos autores da suposta extorsão. De lá, se deslocaram a um município de Santa Catarina, onde eles estariam.
No local, encontraram o jovem de 22 anos, que foi preso – havia contra ele um mandado de prisão preventiva por suspeita de extorsão. Aos policiais, o jovem falou que tudo teria sido tramado pelo marido de Sandra, o vereador Paulo Landfeldt. Um dos motivos: Sandra teria ameaçado delatar "negócios sujos" do companheiro e o suposto envolvimento dele com criminosos. Landfeldt também estaria interessado em uma conta conjunta mantida pelo casal.
Em depoimento, o suposto sequestrador falou que acertou com o vereador R$ 40 mil para matar Sandra. O político teria entregue R$ 1 mil, depositado na conta de um laranja do outro suspeito.
Ouvido, Landfeldt admite ter negociado com o jovem, mas que não há prova de que encomendou a morte da mulher. Questionado sobre as ameaças que fez ao vereador, via celular, o jovem preso declarou:
— Foi tudo combinado. Ele pediu que mandasse as ameaças, para disfarçar o acerto.
O advogado de Landfeldt, João Taborda, afirma que todo o depoimento do jovem é recheado de contradições. Uma delas é sobre a caminhonete usada pela contadora: o rapaz diz que rendeu Sandra e saiu com ela no veículo. Contudo, filmagens mostram Sandra largando a caminhonete no local onde o carro foi encontrado – sem qualquer ameaça. O jovem afirma ainda ter seguido a vítima em um Voyage, mas nenhuma imagem a mostra sendo seguida até estacionar a caminhonete.
Confissão do preso
No depoimento, o jovem de 22 anos afirma que, junto com outras duas pessoas, circulou com Sandra até a cidade de Vicente Dutra, na divisa com Santa Catarina. Lá, diz ter matado a contadora com dois tiros na cabeça. O corpo teria sido enrolado em uma lona preta e descartado em um mato, a céu aberto. O veículo usado seria um Voyage verde, de modelo antigo.
Preso em SC, onde estava escondido, o suspeito confessou o homicídio e prometeu levar os policiais até o local onde estaria o corpo. Durante duas madrugadas e duas manhãs, ele caminhou com os agentes pelo mato, mas nada foi encontrado. Nem o Voyage verde que seria o veículo usado no crime.
Os policiais tentam agora encontrar outros membros do grupo que teria cometido o sequestro de Sandra, para verificar se o vereador participou ou não do crime. Não estão descartadas outras hipóteses: vingança de uma quadrilha contra o vereador (que, no caso, seria também vítima) ou até fuga de Sandra, ameaçada por clientes que se julgavam lesados por ela.
Efetivo dobrado e interrogatórios intensos
A segunda-feira (26) foi de intensas buscas e intimações de testemunhas na região de Palmeira das Missões e de Boa Vista das Missões. Um dos locais visitado é a casa de um irmão do vereador Paulo Landfeldt, onde policiais buscaram a senha de celulares de familiares do parlamentar.
O dia também foi de interrogatórios de dezenas de pessoas na principal delegacia de Palmeira das Missões. Isso só foi possível porque a Polícia Civil investiu em pessoal para a investigação.
Quando Sandra desapareceu, em 30 de janeiro, cerca de quatro policiais começaram a coletar pistas – a esperança era de que fosse um desentendimento e que ela voltaria para casa. Passados quase dois meses, nada de encontrar a contadora.
Agora, a Polícia Civil deslocou 22 agentes e quatro delegados para o caso. Isso representa dois delegados e 11 agentes a mais que o efetivo normal da cidade.
— Equipes têm se revezado, dia e noite, atrás de suspeitos de envolvimento no caso, filmagens, documentos. Dorme-se pouco e trabalha-se inclusive no fim de semana — descreve um dos investigadores.