Na pequena e silenciosa Boa Vista das Missões, no Noroeste, poucos metros separam a residência de Sandra Mara Lovis Trentin, 48 anos e o escritório de contabilidade que ela mantém com o marido, Paulo Ivan Baptista Landfeldt, 47 anos, presidente da Câmara de Vereadores. Na manhã de 30 de janeiro, a contadora percorreu esse trajeto e logo após seguiu em uma Ranger até Palmeira das Missões, a 30 quilômetros dali. Desde então, desapareceu, mas a família e a polícia ainda esperam encontrá-la com vida.
— Só peço que esteja viva. Tenho pensamento que tudo se resolve na vida, menos a morte. Filhos sem mãe é muito triste — diz o marido.
Um dia antes do desaparecimento, Sandra e Paulo estiveram em Palmeira. Ela passou em uma costureira e deixou os vestidos de prenda da filha de 11 anos para ajustes. Depois, foi até uma livraria. Antes de voltar para Boa Vista, fez compras no mercado. Na manhã seguinte, saiu de casa para ir ao escritório. Landfeldt, que estava de férias e ficou em casa, diz que não percebeu nada anormal:
— A gente passou oito dias no Litoral, em Capão da Canoa. Retornamos falando em projetos, em construir mais um pedaço de casa.
Ele mostra uma mensagem recebida do telefone da mulher por WhatsApp às 7h48min no dia 30. No texto, Sandra diz que está indo a Palmeira resolver assuntos do escritório. Promete voltar até as 10h. Só a caminhonete da contadora foi encontrada, com alguns pertences. Paulo diz que a família chegou a pensar em sequestro, mas, sem um pedido de resgate, a possibilidade começou a ser descartada.
— Esta é a pergunta a ser respondida: o que aconteceu? Nem penso mais. Temos três filhas. Dentro de casa, estou sendo pai e mãe daquele dia em diante. As duas maiores até entendem as coisas, mas e a pequena? Todo mundo tenta distrair, mas ela sente, chora e pede pela mãe. Te quebra no meio. Tu vai dizer o quê? Que palavras tu tem? É muito difícil — afirma Landfeldt.
Funcionário da prefeitura há 25 anos, Landfeldt foi eleito vereador pelo PSDB no último pleito. Na noite de sexta-feira, comandou a sessão extraordinária, a primeira como presidente da Câmara.
— Seria o melhor momento da vida que eu estaria vivendo — afirma Landfeldt.
O marido conta que Sandra é religiosa e apegada à família, o que faz com que, apesar de torcerem para que esteja viva, seja difícil ela ter desaparecido por conta.
— A rotina da Sandra é casa, trabalho e trabalho, casa. A fé que tenho é que esteja viva. Mas ela não ia largar os filhos, então não sei o que pensar — diz Landfeldt.
Além das três meninas, Sandra é mãe de Rômulo Trentin, 26 anos. O rapaz conta que ela sempre foi muito presente.
— A mãe sempre foi batalhadora. Nunca deixou faltar nada para mim e para minhas irmãs. Por isso, a gente acha muito estranho. A gente não sabe o que pensar, o que avaliar. Pelo perfil dela, descartamos que tenha sido intencional. Mas ao mesmo tempo é a hipótese pela qual a gente torce. Entendo a dificuldade da polícia — explica Trentin.
A família chegou a organizar uma manifestação pedindo mais agilidade no caso, mas cancelou o protesto. Na sexta-feira (16), a Polícia Civil anunciou que receberia reforço de uma equipe de outras delegacias a partir desta segunda-feira (19). O caso é tratado como desaparecimento, já que não há confirmação de crime, mas as hipóteses de homicídio e suicídio também são investigadas. O delegado regional Carlos Beuter, que acompanha o caso, diz que a polícia não descarta encontrá-la com vida.
— É uma possibilidade e é pelo que todos torcemos — afirma.
A contadora
A família de Sandra vivia em Vila Trentin, interior de Boa Vista das Missões, mas, quando ela era jovem, se mudou para Cruz Alta. O pai era caminhoneiro e se tornou dono de ervateira. Em Cruz Alta, Sandra se formou em contabilidade e, no início dos anos 1990, passou no concurso para a prefeitura de Boa Vista. Rômulo, que ainda era pequeno, ficou com os avós. Ele passava as férias com a mãe, em Boa Vista. Na cidade, Sandra conheceu Paulo Ivan Baptista Landfeldt, com quem se casou há 22 anos. Os dois trabalhavam na prefeitura e decidiram abrir um escritório de contabilidade. Sandra acabou deixando o emprego público para se dedicar somente ao negócio da família. Tiveram três filhas.
O desaparecimento
A funcionária e comadre Elisângela Massing Carpes chegou ao escritório às 7h20min do dia 30 de janeiro, e Sandra já estava lá. Logo depois, disse que iria para Palmeira. Informou que ia fazer um exame e também passar na Exatoria. Pelas imagens das câmeras, familiares descobriram que ela esteve na Junta Comercial da cidade. Elisângela mandou uma mensagem por WhatsApp porque um cliente queria falar com Sandra, mas ela não respondeu. Sua última visualização foi às 8h11min. Às 12h50min, quando voltava para o escritório, Elisângela encontrou Paulo e perguntou por Sandra. Ele respondeu que ela deveria estar em Palmeira. A partir dali, a família iniciou as buscas. Poucos minutos depois, Rômulo, que reside em Palmeira, localizou a caminhonete da mãe. O telefone, que não estava no carro, seguia desligado.
A caminhonete
A Ranger foi encontrada na Rua Rio Branco. O filho conta que costuma passar por ali para ir ao trabalho. Naquele dia, ele diz que chegou a ver a caminhonete, antes de saber do sumiço da mãe, mas não percebeu que era a dela.
— Como já tinha visto a caminhonete, perguntei a placa para o Paulo, saí e fui direto ali — detalha Rômulo Trentin.
O veículo estava trancado e foi preciso usar chave reserva. No banco do motorista, estavam a bolsa, os chips e o cartão de memória do celular. O aparelho não foi achado, assim como a carteira de habilitação.
Ela costumava usar sapatilhas para dirigir. Um pé do calçado estava no chão na área do motorista e outro atrás. A regulagem da altura do banco estava quebrada e papéis do escritório estavam revirados. O desaparecimento foi registrado pelo marido no mesmo dia.
O percurso
Por imagens de câmeras, a polícia descobriu que Sandra esteve durante 20 minutos na Junta Comercial, onde ninguém notou nada estranho. Após, embarcou no veículo e estacionou outra vez na Rua Rio Branco.
A testemunha
— Quem deixou a caminhonete na Rua Rio Branco foi Sandra. Uma testemunha a viu em pé ao lado do veículo — afirma a delegada Cristiane Van Riel.
Na sexta-feira, o veículo passou por uma segunda perícia. A primeira ainda não tem resultado. A polícia já ouviu mais de 20 pessoas. A delegada investiga possível homicídio ou mesmo desaparecimento intencional. O fato de o veículo não ter sido levado e de haver dinheiro no carro tornam menos provável a hipótese de latrocínio. Nesta segunda-feira (19), uma equipe de investigadores deve chegar à cidade.