Enquanto a Brigada Militar e os agentes do Deic seguem monitorando a região da Serra e do Vale do Rio Pardo em busca de mais informações sobre o paradeiro de até quatro criminosos que escaparam depois do ataque a um carro-forte em Bento Gonçalves, no começo do mês, os investigadores da Delegacia de Roubos traçam, a partir dos cinco suspeitos já presos, o perfil da quadrilha responsável pelo crime.
Pelo menos três deles teriam vinculação com o assaltante José Carlos dos Santos, o Seco, e estariam a serviço da facção criminosa à qual ele teria se vinculado quando esteve preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A facção é originária da zona norte de Porto Alegre e uma das maiores da Região Metropolitana.
A metralhadora .50 apreendida após o roubo pode ter sido um dos símbolos da união entre ladrões de banco e carro-forte e a facção que se notabilizou pela violência no controle do tráfico de drogas.
A polícia mantém sigilo sobre a maior parte dos dados já colhidos pela investigação.
Segundo o delegado João Paulo de Abreu, ainda não é possível afirmar sequer se o líder do grupo com pelo menos oito homens está entre os presos até agora. Mesmo que Seco tenha sido transferido para uma penitenciária federal durante a Operação Pulso Firme, em julho do ano passado, boa parte da cúpula do seu antigo bando que aterrorizou o Estado na década passada segue presa na Pasc.
— Neste momento, não podemos descartar nada. Desde a participação de criminosos vinculados a algum bando já conhecido até a participação intelectual de criminosos atualmente presos. Temos muitas ações em andamento e nada concretizado ainda — explica o delegado.
O policial admite que um dos caminhos para estabelecer as conexões da quadrilha está na descoberta da trajetória da metralhadora .50 apreendida pela Brigada Militar no cerco que se seguiu ao roubo do carro-forte.
Oficialmente, a Polícia Civil e o Instituto-Geral de Perícias (IGP) evitam revelar informações sobre o armamento, avaliado em cerca de R$ 150 mil no mercado clandestino. Uma negociação entre as galerias do complexo prisional de Charqueadas teria desencadeado o estopim de uma série de ações violentas entre os três Estados da Região Sul desde meados de 2016.
De um lado deste negócio, estaria um assaltante de bancos de Caxias do Sul que, conforme informações de inteligência dos órgãos de segurança pública do Estado, fazia parte do grupo que mantinha a metralhadora escondida há pelo menos oito anos. De outro, experientes ladrões de banco, que faziam parte dos homens de confiança do bando de Seco, agora aliados à facção criminosa da Capital.
A arma, até então não utilizada em ações do crime no Rio Grande do Sul, teria sido negociada para empreitadas conjuntas. Não está claro para os especialistas por que o grupo da Serra não usou a arma antes desta suposta aliança. As suspeitas são de que faltavam desde pessoas aptas para operar o armamento até veículos adaptados e munição.
Investigadores apuram que Deyvid Possa, o Alemão, 32 anos, seria um dos negociantes. Com duas condenações por roubos e uma por porte ilegal de arma, Alemão era um dos integrantes do grupo conhecido como a "quadrilha da van", especializada no uso de explosivos contra caixas eletrônicos e praças de pedágio.
O bando desmantelou-se no ataque a uma fábrica de joias em Cotiporã, quando o líder, Elisandro Falcão, morreu em confronto com a polícia. Desde que passou ao regime semiaberto, em maio de 2016, o criminoso passou a ser listado pela Delegacia de Roubos, do Deic, como um dos principais responsáveis por violentos ataques a bancos e caixas eletrônicos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná.
A volta de Alemão à ativa coincidiu com a saída, em liberdade condicional, de Guilherme Costa Ambrózio, 34 anos. Ex-vigilante, foi condenado pela primeira vez por um roubo a banco em Barracão, na Região Noroeste, em 2010. Investigações policiais que apuravam a série de ataques do bando de Seco o relacionavam à quadrilha mesmo antes daquele ano.
Desde a sua saída de Charqueadas, em junho de 2016, ele era apontado por informações de inteligência como o fiel depositário da metralhadora .50. Ambrózio foi preso quase por acaso, em agosto do ano passado, no Paraná, ao se envolver em um acidente com a BMW que dirigia. Os policiais rodoviários constataram que ele dirigia com documentos falsos. Em buscas, apreenderam mais de R$ 200 mil em dinheiro com o suspeito e diversas armas.
Dois meses depois da detenção de Ambrózio, Carlos Eduardo Fernando Moreira, o Gordo, 40 anos, foi preso em um apartamento em Itapema (SC). Os dois eram apontados como suspeitos no ataque a carro-forte, com o uso da metralhadora .50, na BR-277, no litoral do Paraná, em 28 de julho de 2017.
Gordo foi facilmente reconhecido pela prótese em parte da perna direita. Foi resultado do tiro que levou em 2006, quando acompanhava Seco no confronto com a polícia, em Paverama, no Vale do Rio Pardo, que acabou com a prisão do líder.
Esse crime no Paraná foi o quarto na sequência de ataques com o uso da metralhadora. O primeiro foi em janeiro de 2017, na mesma rodovia daquele Estado. Dois meses depois, em 13 de março, houve ataque semelhante em Vacaria. Na primeira semana de maio, houve novo assalto com o uso da .50 contra um carro-forte, na localidade de Vila Cristina, em Caxias do Sul. Gordo é suspeito de ter participado, antes da sua prisão, ainda de um ataque semelhante na SC-355, em Santa Catarina, no começo de setembro.
Em todos os crimes, carros adaptados para o uso da metralhadora foram encontrados pela polícia. A origem dos veículos — e um suposto vínculo nas adaptações — ainda é apurada pelas polícias do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. Também é investigada a existência de mais de uma metralhadora .50 circulando entre os criminosos.
Os agentes ainda tentam descobrir que caminho teria sido dado à arma depois das prisões de Deyvid Possa, em julho do ano passado, Ambrózio e Gordo, até o crime do começo deste mês, na Serra.
Aliados tramaram plano de resgate de presos com helicóptero
Uma das empreitadas conjuntas do grupo arregimentado na cadeia, em Charqueadas, envolveria um ousado plano de fuga da Pasc a partir do roubo de um helicóptero, em abril do ano passado. O crime aconteceu pouco mais de 20 dias depois do ataque a carro-forte com o uso da metralhadora .50 em Vacaria, e a polícia, até o momento, não vincula oficialmente a arma ao suposto resgate de presos. Os nomes dos suspeitos de envolvimento, no entanto, intrigam a polícia.
— A partir da prisão do Ambrózio, no Paraná, conseguimos o indício da participação dele e do Gordo no roubo do helicóptero. Não temos informação sobre o uso da metralhadora naquele crime, mas a participação deles em alguns dos ataques a carros-fortes é uma possibilidade — sustenta o delegado João Paulo de Abreu.
O processo que apura a tomada do helicóptero em Canela, levado até Triunfo, e a suposta desistência do plano de resgate em Charqueadas corre em segredo de Justiça. A polícia garante não ter chegado aos nomes de quem estaria planejando a fuga nem à casa prisional do complexo onde aconteceria. Três meses depois, José Carlos dos Santos, o Seco, estava entre os 27 presos transferidos para penitenciárias federais na Operação Pulso Firme.
Guilherme Ambrózio e Carlos Eduardo Moreira são dois dos indiciados pelo roubo do helicóptero. Os outros dois representariam o vínculo entre os grupos criminosos. São Lúcia Passos Barbosa dos Santos e Erick Aires Muller. Este, familiar do assaltante Edilson Muller Carvalho, o Passarinho.
Líder de uma quadrilha, Passarinho era apontado como o braço direito nos roubos a banco da facção criminosa da zona norte de Porto Alegre. Quando saiu da prisão, Deyvid Possa teria passado a atuar com este grupo em uma série de ataques violentos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Em uma dessas ações, em fevereiro de 2017, o bando foi surpreendido por agentes do Deic catarinense. Houve troca de tiros em São João Batista, resultando em três criminosos mortos. Na fuga, Passarinho tentou escapar do cerco saltando no Rio Mampituba. Morreu afogado.
Entre os indiciados pela ação em São João Batista estão Deyvid Possa, que foi preso depois da explosão de uma agência bancária em Campestre da Serra, e Luigi Pereira da Silva, 20 anos. Usando roupas militares, Silva foi um dos presos no cerco após o ataque ao carro-forte em Bento Gonçalves, neste mês.
Metralhadora estaria no "script" do crime
A existência de uma metralhadora .50 e de um plano para resgate de presos com o uso de helicóptero e outros aparatos ao estilo cinematográfico, durante pelo menos 10 anos, foi considerado quase lenda dentro da polícia. Um antigo investigador lembra que há cerca de oito anos alertas chegaram a ser feitos, dando largada a ações emergenciais de equipes do Deic, para evitar o suposto resgate, que nunca se concretizou. A Polícia Civil não confirma.
Em 2011, quando Carlos Ivan Fischer, o Teco, foi preso, informações colhidas pela polícia davam conta de que o armamento de guerra estava com ladrões da Serra. Teco, considerado um dos mentores de Seco, foi morto em confronto com a polícia três anos depois.
O plano jamais executado — e, segundo os responsáveis pela investigação, que nunca teve a veracidade comprovada — seria de usar a metralhadora como acessório no suposto resgate de presos na Pasc. Enquanto os presos seriam alçados ao helicóptero, haveria uma frente armada por terra para abater possíveis resistências da guarda externa do presídio.