Uma semana após detalhar trechos a investigação que apura a morte de duas crianças em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, a polícia ainda busca provas técnicas que liguem os sete investigados ao crime, em um suposto ritual macabro. Desses, quatro estão presos preventivamente e três estão foragidos (leia abaixo perguntas e respostas do misterioso caso).
Conforme o delegado Rogério Baggio, até agora há depoimento de uma testemunha que teria presenciado a cerimônia e objetos que foram apreendidos, entre os quais fotografias encontradas no templo em Gravataí que mostram sacríficos de animais.
— Ainda não se tem a prova técnica, só indícios. Diante tudo isso que se tem, vou buscar provas técnicas e materiais. Temos de buscar a prova da autoria — observa Baggio.
Até mesmo o templo não foi periciado, o que ainda deve ser feito. A intenção é encontrar resquícios de sangue no local com luminol. Questionado se a análise tardia não atrapalharia os resultados, o delegado limitou-se a dizer:
— Isso a perícia que vai apontar.
Parte do material apreendido ainda não foi analisado pelos peritos. Entre eles, celulares, computadores e materiais supostamente utilizados no ritual, como uma capa preta e uma máscara de cachorro.
Desde o dia 10 de janeiro, o inquérito voltou para as mãos do delegado Rogério Baggio, após férias de 30 dias. Longe do Vale do Sinos, Baggio disse que não acompanhou as investigações e apenas ouviu falar sobre o crime após a coletiva do delegado substituto Moacir Fermino que disse em entrevista coletiva que teve "revelações divinas" de profetas para conduzir o caso:
— Decidi me desvincular da delegacia, minha esposa é de outro Estado. Só tive notícias do inquérito no dia da coletiva. Não fiquei surpreso com a direção da investigação. Em quase 20 anos de polícia, nada mais me surpreende.
Baggio avalia como "impossível" a conclusão do inquérito hoje, prazo estabelecido devido às prisões preventivas dos suspeitos.
DO QUE A POLÍCIA TEM CERTEZA
1) Duas crianças foram mortas e esquartejadas e seus restos mortais foram encontrados em Novo Hamburgo.
2) Elas são irmãs: um menino, com idade entre oito e 10 anos e uma menina, entre 10 e 12 anos.
O QUE AINDA FALTA SER ESCLARECIDO
1) Local das mortes
A polícia ainda desconhece o local em que os corpos foram esquartejados e onde estariam as cabeças. Há suspeita de que tenha ocorrido ritual satânico com a participação das duas crianças, que uma testemunha relatou ter visto. Não há confirmação de que sejam as mesmas vítimas encontradas esquartejadas.
— Não está claro, evidenciado, onde teriam ocorrido o sacrifício e esquartejamento — observa o delegado Rogério Baggio.
2) Sacrifício encomendado por empresários
Inicialmente, a polícia informou que dois empresários, Jair da Silva e Paulo Ademir Norbert da Silva, pagaram R$ 25 mil pelo sacrifício das duas crianças, que tinha intenção de trazer prosperidade nos negócios. Agora, o delegado Rogério Baggio diz que a situação ainda é investigada:
— Não há prova concreta. É uma hipótese de um informante.
Para obter a prova do pagamento de valores, o delegado solicitou à Justiça a quebra do sigilo bancário dos investigados. O pedido foi feito na última quarta-feira e ainda não houve retorno.
3) Nacionalidade das crianças
Ainda não há confirmação. Há uma semana, o delegado Moacir Fermino suspeitava _ a partir do relato de um informante _ que seriam argentinas e que foram trazidas de carro pelo investigado e foragido Jorge Adrian da Silva. Agora, Baggio reforça que "não há indícios concretos" de que seriam do país vizinho.
A Polícia Federal foi contatada para verificar as movimentações dos suspeitos pela fronteira. A polícia argentina e a Interpol também foram acionadas.
4) Identidade das crianças
Não se sabe. Após a localização das primeiras partes dos corpos, em 4 de setembro, a polícia solicitou série de perícias. Uma foi a análise das digitais, mas que veio com "resultado negativo" em 19 de setembro, ou seja, não constam nos registros. Para a polícia, a situação ocorre por duas circunstâncias: por serem crianças ou estrangeiras.
5) Caminhão roubado como moeda de troca
Em entrevista da semana passada, Fermino afirmou que o investigado Jorge Adrian Alves teria ido até a Argentina com um caminhão roubado. Ao chegar a uma cidade na província de Misiones, teria trocado o veículo por drogas e pelas duas crianças, e voltado para o Brasil de carro. Agora, Baggio diz não ter informações sobre o caminhão nem sobre quando foi roubado.
— A informação de que caminhão roubado seria usado para troca das crianças não está comprovada — frisa Baggio.
6) Provas técnicas
Não há. A polícia busca elementos que liguem os investigados à morte e ao esquartejamento das crianças. Até o momento, foram apreendidos celulares, computadores e diversos documentos. No templo do "bruxo" Sílvio Fernandes Rodrigues, 44 anos, foram recolhidas uma máscara de cachorro, uma capa preta e fotografias de sacrifícios de animais.
— Existem fotos de rituais, mas não há nenhuma envolvendo pessoa. Há de sacrifícios de animais. Tudo são indícios — observa Baggio.
A polícia pediu autorização judicial para ter acesso ao conteúdo dos celulares e computadores apreendidos, mas também não houve retorno. Por enquanto, os investigadores têm em mãos as perícias realizadas nos restos mortais _ encontrados em 4 e 18 de setembro.
Não foram periciados o templo do "bruxo" e a casa em construção, onde se acreditava que estariam as cabeças.
— Hoje, o inquérito tem uma prova testemunhal (que diz ter visto o ritual), informações passadas por informantes e diligências de campo, investigativas, para comprovar que as pessoas estavam onde disseram estar.
Para Baggio, o trabalho de Fermino resultou em "relatório de investigação bem elaborado" que chegou às prisões temporárias, depois convertidas em preventivas:
— O Judiciário não teria concedido medidas cautelares, como as prisões preventivas, se não houvesse indícios suficientes.
7) Participação dos investigados
Segundo o delegado Rogério Baggio, "não há elementos suficientes" para apontar a participação de cada um deles na morte das crianças em suposto ritual satânico. A polícia desconhece qual seria a relação dos empresários Jair da Silva e Paulo Norbert da Silva com o "bruxo".
8) Data do crime
Não se sabe. De acordo com o delegado, não há exame pericial que aponte o dia certo das mortes.
9) Reconstituição do crime
A reconstituição do crime ainda não é cogitada, informa o delegado Baggio:
— Para fazer reconstituição, precisamos ter alguém comprovadamente participante, que diga: "Eu estava aqui". Não temos.
A testemunha-chave, que está sob proteção da polícia, teria presenciado apenas parte do ritual satânico, salienta o delegado.
A situação ocorreu quando ele voltou para o terreno onde estava trabalhando para buscar a carteira e uma jaqueta. Lá deparou com sete pessoas em um semicírculo, rodeadas de velas acesas. No centro estavam duas crianças, que não conseguiu identificar. A menina estava deitada e o menino sentado, se balançando.
— Essa pessoa foi levada (pela polícia) novamente para o local, indicou onde estava acontecendo o ritual. Mas para a reconstituição do crime não tem como, não sabemos onde ocorreu a morte — conclui o delegado.
10) Vídeo que registrou ritual
Não há. Com a análise dos celulares, a polícia espera encontrar gravação em um dos aparelhos. A existência é apontada pelo delegado Moacir Fermino no pedido de prisão temporária de seis investigados em 19 de dezembro.
11) Presença de digitais nas caixas de sabão
Os corpos das crianças foram encontradas em caixas de papelão de uma marca de sabão popular no Nordeste, que não é vendido nos três Estados no Sul. A polícia pediu a análise das digitais, mas nada foi encontrado.
_ A impressão digital nada mais é do que uma gordura do corpo que se perde com a chuva e com o calor _ observa Baggio.
12) Crânio e sangue em bacia
Durante a execução de mandados de busca e apreensão, a polícia encontrou objetos que apontaram que o templo seria utilizado para magia. Entre eles, estava um crânio dentro de uma bacia com sangue. Segundo Baggio, o crânio seria de resina. O sangue será analisado pela perícia.