Batizada de Quebra-Cabeça, uma operação desencadeada nesta quinta-feira (16) atacou bens de uma facção criminosa com atuação no Rio Grande do Sul e retirou do grupo, até o momento, um total de R$ 11 milhões a partir de ordens judiciais. São 32 imóveis sequestrados — como casas, apartamentos, estacionamentos e supermercados na Região Metropolitana e Litoral — 31 veículos e R$ 757 mil já bloqueados em contas bancárias com autorização da Justiça. Estão sendo cumpridos 11 mandados de prisão preventiva e 30 de busca e apreensão em Porto Alegre, Gravataí, Viamão, Cachoeirinha e Taquara. Até o final da manhã, cinco pessoas haviam sido presas.
No topo do esquema criminoso está Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 34 anos. Considerado um dos principais distribuidores de drogas do Estado e pivô de uma guerra sanguinária sem precedentes, que inaugurou a época das decapitações e esquartejamentos, ele foi preso em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, em janeiro. Atualmente, está recolhido ao Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia, sob proteção de aliados da facção carioca Comando Vermelho.
A identificação de cada peça do quebra-cabeça levou a polícia a dissecar um intrincado sistema de operações financeiras montado para disfarçar bens e valores envolvendo 29 investigados entre pessoas físicas e empresas, inclusive, de outros Estados. Os suspeitos são ligados a uma célula do consórcio de facções conhecido como Anti-Bala. Ao todo, 54 pessoas físicas e jurídicas estão sob investigação. Por enquanto, há provas em relação a essas 29 que foram alvo nesta quinta-feira.
A ação para rastrear o caminho do lucro obtido pelo tráfico de drogas é comandada pela Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da Polícia Civil. A investigação durou oito meses.
Líder preso, mulheres no comando
Distante 3,5 mil quilômetros de Porto Alegre, Jackson cumpria pena tranquilo quanto ao andamento de seus negócios no tráfico: duas mulheres eram responsáveis por toda a contabilidade oriunda da venda de drogas e pelos valores a serem lavados em bens e transações com empresas.
A principal delas é Raquel Lopes dos Santos, 42 anos. Por trás da aparência de dona de casa, mãe de três filhos e casada, está uma eficiente gerente financeira do tráfico, pessoa de extrema confiança e prestígio junto a Jackson. A polícia apurou que todos valores recolhidos na venda de entorpecentes eram levados até ela. A outra mulher no comando dos negócios é a mulher de Jackson, Pamela Monteiro Pereira, 30 anos.
O grande objetivo de nosso trabalho, que é a descapitalização desta célula criminosa, foi alcançado.
FILIPE BORGES BRINGHENTI
Delegado da Delegacia de Repressão aos Crimes de Lavagem de Dinheiro
Raquel faz a contabilidade, anota o valor total e fotografa os dados junto às cédulas para enviar ao chefe. Cuida de cada centavo e trata de ir atrás quando há suspeita de algum desvio. Enquanto Jackson estava no Paraguai, a polícia suspeita que ela fazia remessas em dinheiro vivo para Jackson.
Também é ela que coordena o esquema de depósitos bancários a fim de espalhar o dinheiro e distanciar da origem ilícita. Para o trabalho, segundo a polícia, Raquel contava também com pessoas de confiança: os três filhos.
A lógica por trás dos depósitos é a seguinte: pessoas acima de suspeitas, sem antecedentes, recebiam valores para ir aos bancos com grandes quantias em dinheiro vivo e fazer os depósitos para outros envolvidos ou empresas, inclusive de outros Estados. Se a operação desse errado e chamasse a atenção de autoridades, a pessoa tinha que assumir eventual culpa e jamais entregar os chefes.
Moradores da Vila Jardim também eram usados para esse trabalho. Já o marido de Raquel ocupa posição de gerência em um dos pontos de tráfico de Jackson. Ela, o marido, as duas filhas e um filho tiveram prisão preventiva decretada e são considerados foragidos.
Todos que fizeram e receberam depósitos terão de dar explicações. Vale destacar que esses investimentos feitos fora do Estado, com empresas que estariam servindo apenas para fazer circular o dinheiro, dificultam o rastreamento e a obtenção da prova da lavagem de dinheiro.
Mas, no caso da Operação QC, a polícia conseguiu vincular aos membros da quadrilha os investigados que faziam os depósitos. A Justiça autorizou quebra de sigilo bancário e fiscal das empresas, que deverão apresentar notas das transações e comprovar que realmente venderam algo em troca dos depósitos que receberam. São empresas de ramos diversos, como autopeças, turismo, câmbio e transporte.
Segunda peça fundamental para o sucesso dos negócios, Pamela tratava pessoalmente da compra e transferência de imóveis e de veículos e até de reformas para valorizar casas e apartamentos. Era comum ela pedir que colaboradores arrumassem "um nome para queimar", ou seja, nome de uma pessoa que seria usada como "laranja" para ser proprietária de bens da quadrilha.
Pamela foi presa na noite de quarta-feira (15) quando se preparava para embarcar no aeroporto Salgado Filho para Porto Velho para visitar Jackson na prisão (veja no vídeo abaixo).
Com as buscas realizadas nesta quinta-feira a polícia quer elementos (como informações registradas em telefones celulares, documentos, anotações) que levem à identificação de mais integrantes do grupo criminoso e de mais bens que estejam ocultados em nome de "laranjas". Para o delegado Cristiano de Castro Reschke, diretor do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos, o maior objetivo do trabalho é "desorganizar a organização":
— Somente com a compreensão de que o crime organizado gaúcho deixou de ser uma série de fatos ligados apenas por elementos subjetivos, como homicídios e roubos, é que poderemos conter a expansão das organizações criminosas, dificultando-lhes o acesso aos recursos financeiros que movem a guerra instaurada por esses grupos. É necessário o fortalecimento de ações como esta, com foco na lavagem de dinheiro, atacando o que move o crime — o dinheiro —, e o que vem com ele: poder, armas drogas e violência.
Já o delegado Filipe Borges Bringhenti, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Lavagem de Dinheiro, destacou o resultado positivo da ação e explicou consequências desse tipo de apuração.
— O grande objetivo de nosso trabalho, que é a descapitalização desta célula criminosa, foi alcançado. É importante destacar que mais pessoas podem ser responsabilizadas neste tipo de apuração com base na teoria da cegueira deliberada, que vem sendo cada vez mais acolhida pela Justiça. É a possibilidade de estender a imputação do crime a pessoas que, em tese, são do bem, mas que fecharam os olhos para a realidade. Por exemplo, o corretor de imóveis, o contador, o vendedor de uma revenda de carros, pessoas que ao prestar o seu serviço deparam com situações suspeitas, como compras com grandes quantias em dinheiro vivo, e fecham os olhos para isso — explica Bringhenti.
A reversão de bens para apoiar o trabalho da Polícia Civil também tem sido comemorada. Desde dezembro, a partir de decreto do governo do Estado, o patrimônio de grupos criminosos pode ser aplicado no trabalho de investigação. Dos veículos sequestrados hoje, cinco passarão a ser usados pela polícia.
Chefe da Polícia Civil no Estado, o delegado Emerson Wendt ressalta o trabalho investigativo:
– O enfrentamento do crime organizado passa pela ação de tornar os custos cada vez maiores para os delinquentes. As investigações, desde o início, devem ser conduzidas com o entendimento e o comprometimento na produção probatória com vista à instrução de inquéritos que identifiquem os processos de utilização de ganhos do crime, oportunizando a descapitalização, tornado a atividade economicamente inviável.
Números da Operação Quebra-Cabeça
Valor total de bens sequestrados e bloqueados até o momento com autorização judicial: cerca de R$ 11 milhões
— 32 imóveis sequestrados, como casas, apartamentos, estacionamentos e supermercados, com valor aproximado de R$ 9 milhões.
— 31 veículos sequestrados com valor pela Fipe de R$ 800 mil.
— Valores já bloqueados em contas bancárias: R$ 757 mil.
— Oito meses de investigação.
— Ação em Porto Alegre, Gravataí, Viamão, Cachoeirinha e Taquara.
— 30 mandados de busca e apreensão.
— 11 mandados de prisão.
— A quadrilha fez depósitos para empresas e pessoas físicas de seis Estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Piauí.