Condenado a 32 anos de reclusão pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro, o delegado Omar Abud falou com GaúchaZH ao anoitecer de 18 de outubro, uma quarta-feira, após insistentes pedidos. Não foi permitido uso de celular para a entrevista, intermediada por dois advogados de Abud, Rafael Ariza e André Callegari. O delegado e o repórter ficaram separados por uma mesa larga, monitorados à distância por agentes do Grupamento de Operações Especiais (GOE), onde Abud cumpre pena.
Abud alternou momentos de indignação com tristeza. Embargou a voz e marejou os olhos, ao mencionar a vontade de ficar com a família em casa. E fez questão de rebater ponto a ponto as acusações.
— Nem quem comete latrocínio, ladrão que mata para roubar, pega 32 anos de cana. Estão acabando com minha vida e nem sei por que estou preso. Me apresentei espontaneamente, não tentei fugir, não ameacei — relata, na entrevista.
Confira os principais trechos:
O senhor está condenado por lavagem de dinheiro — teria recebido dinheiro da quadrilha e transformado em bens. Conforme a sentença, o senhor adquiriu dois carros no valor de R$ 200 mil, um apartamento e três vagas de estacionamento, por R$ 950 mil. O senhor alega fontes de renda lícitas. Pode informá-las?
Está tudo errado. A denúncia diz que eu comprei apartamento em 2016. Comprei em 2013 e inclusive demandei (moveu ação) contra a construtora (Abud mostra documentos que comprovariam as datas). Os promotores não olharam a prova. Avaliaram em R$ 1,2 milhão, mas comprei por R$ 950 mil, na planta. Meu patrimônio é um apartamento em Porto Alegre, um na praia, que estou devendo, um BMW que avaliaram em R$ 180 mil, mas que vale R$ 92 mil, um outro carro Miura, antigo, vale R$ 2,5 mil, e uma motoneta que custa R$ 10 mil. Esse é meu gigantesco patrimônio?
Como o senhor, com salário de delegado, conseguiu comprar um apartamento de R$ 950 mil?
Na minha conta corrente, em 2013, entrou R$ 1 milhão. Por quê? Porque me separei. Tinha uma casa na Chácara das Pedras. Vendi ela por R$ 1,5 milhão, fiquei com R$ 750 mil. Vendi um terreno que tinha por R$ 480 mil, fiquei com metade. Soma aí... é o que consta nas minhas contas. Não caiu do céu, pelo amor de Deus. Nada cai de paraquedas.
A denúncia fala que Alessandro Freitas da Silva, Alex Fabiano, Rogério Ferreira Réus (Roger) receptavam carga em Triunfo e Cachoeirinha, financiados pelo senhor. O senhor teria aplicado R$ 155 mil nisso.
Onde estão as provas? Como chegou e saiu esse dinheiro? Não está descrito. Simplesmente botaram para dentro do processo esse número.
Mas tem uns papeizinhos com seu nome anotado, uma contabilidade.
Mas de onde saíram? Não são documentos. São apócrifos. Nem é meu nome, é um sobrenome, Abud. Aí, na dúvida, fui eu? E a denúncia aponta dois financiamentos de R$ 155 mil. O mesmo valor, dois empréstimos? É surreal.
Fale um pouco da sua relação com o homem que o delatou, suspeito de receptação de carga e que virou delator da Polícia Civil, dizendo que o senhor financiava operações da quadrilha. Como o conheceu?
O depoimento dele ninguém assume, nem a Corregedoria nem o Deic, porque ele falou sem advogado. Deu três depoimentos e, em dois deles, me inocenta. Só num deles me acusa de envolvimento com crime. Os outros não falaram nada disso. Conheço muito ele, foi meu compadre. Era milionário. Tinha uma empresa gigantesca, andava de caminhonetão. Era um cara da noite. Cruzei com ele na Padre Chagas, depois almocei duas vezes no Braseiro, ficamos amigos. Ajudei ele quando se separou e afundou. Coloquei ele de novo com a mulher dele. Fiz empréstimo a ele, sim. Em torno de R$ 100 mil, pouco mais de R$ 90 mil. Tudo registrado. Não escondi. Ele devolveu. Depositou na minha conta, não foi escondido. Está na minha quebra do sigilo bancário. Não viram ou não quiseram ver, no processo.
Que sentença mais odiosa! Ele tirou todo meu patrimônio, me tirou tudo, e ainda por cima me deu R$ 400 mil de multa. Me explica isso! O juiz não olhou uma prova
É o único dos empréstimos mencionados no processo que o senhor admite? Ali fala que o senhor comprou alguns milhares de reais no supermercado da quadrilha, o Alegria (antigo Super Jean), em Alvorada. Compras de R$ 4 mil ou R$ 6 mil. O senhor emprestou dinheiro a eles?
Espera um pouquinho: R$ 4 mil? R$ 6 mil? Para financiar uma organização criminosa? Usando cartão de débito da minha conta? É surreal. Fui condenado por lavar R$ 6 mil do meu dinheiro? Que tipo de lavagem é essa, em que uso minha conta? Olha, agradeço à Constituição de 1988 por não ter admitido a pena de morte. Senão esse cara (o juiz) me daria uma sentença de morte. Que sentença mais odiosa! Ele tirou todo meu patrimônio, me tirou tudo, e ainda por cima me deu R$ 400 mil de multa. Me explica isso! O juiz não olhou uma prova.
(Neste momento, o advogado Rafael Ariza intervém e diz: "José Dirceu, com tudo que fez, teve pena inferior à tua, Abud".)
Foram encontrados com o senhor, na busca e apreensão, cópias de documentos da investigação sobre dois receptadores de cargas investigados. O MP estranhou. Como o senhor teve acesso?
Os documentos eram públicos! O próprio delegado-corregedor confirma que estavam num processo público, em Triunfo. E botam que era sigiloso! Assim fica fácil me linchar. Façam o seguinte: leiam o processo e vejam a barbaridade que aconteceu. Outra coisa que preciso deixar claro: nunca me furtei a nenhuma decisão judicial. Quando saiu a primeira vez a prisão, me apresentei. Fiquei sabendo pela rádio e me apresentei. Na segunda vez, quando saiu a sentença, antes do mandado de prisão, vim ao Palácio da Polícia e me apresentei. Então por que vou recorrer preso? Qual o malefício que vou trazer para o processo? Em meus 32 anos de trabalho, sabe o que respondi até hoje na Polícia? Nada!
Houve umas mortes de criminosos em que o senhor se envolveu nos anos 1990, o do Alemão Cleo, do Diabo Verde, que matou um colega seu. O senhor estava presente em vários tiroteios.
Mas não respondi. Não virou processo. Assumi tudo isso aí, mas não fui processado.
E a da CPI da Segurança, de 2001?
Nem chamado fui. Questão política. Tenho 22 portarias de louvor e, no final da vida, virei o maior bandido? Que é isso, cara? Moro atualmente num apartamento alugado, de dois quartos.
Quem o senhor conhece dessas figuras todas que são apontadas como receptadores e ladrões, além do delator?
O Cristiano (Oliveira Borges, subgerente do super em Alvorada) e, de vista, sem intimidade, o Gilmar (Gilmar dos Santos da Silva, o Bidu, que seria da facção Bala na Cara). Que não é meu amigo. Como vou saber? Bota eles na minha frente. Eles nem estão no processo. Nenhum deles foi condenado. E eu, tô preso por que? Não movi dinheiro no Exterior. Aliás, como faria isso? Só se vender meu rim.
Não tenho ódio, nada com ninguém. O que aconteceu, passou. (...) Só quero viver minha vida
Omar Abud
O seu colega delegado, que investigava a quadrilha das cargas, teria se sentido ameaçado pelos seus recados.
Foi ele quem me procurou para conversar a respeito. Olha os WhatsApp (Abud mostra um trecho em que o delegado o procura para conversar). Ele nunca disse ter sido ameaçado. Ele falou que nunca, que pode ter sido "constrangedor". Mas ameaçado, não. E na sentença tá o que? Francamente...
O senhor tem mágoa?
Não tenho ódio, nada com ninguém. O que aconteceu, passou. Recebo um dia da semana colegas e amigos, a cela fica lotada. Nenhum deles acredita nas acusações. Só quero viver minha vida. Quero ir para casa, fazer um novo recomeço. Quero que o Tribunal de Justiça olhe as provas. Acredito no Poder Judiciário e tenho certeza que não vou para o Presídio Central. Se eu perder essa crença, não tenho porque acreditar em mais nada.
Continue lendo o especial:
A ascensão e queda de Omar Abud, o delegado condenado por integrar quadrilha
Com inspiração na Lava-Jato, sentença impôs pena elevada a delegado
Sinuca e musculação: como é a rotina do delegado Omar Abud na prisão
LINHA DO TEMPO: relembre a trajetória do delegado Omar Abud