A vida de Omar Abud, 50 anos, um dos mais conhecidos delegados gaúchos, virou de cabeça para baixo. O policial passou de um lado das grades para outro, em questão de meses. Está preso no xadrez do Grupamento de Operações Especiais (GOE) no segundo andar do Palácio da Polícia, a sede da Polícia Civil gaúcha, em Porto Alegre, condenado a 32 anos de reclusão por integrar organização criminosa e lavar dinheiro.
A reviravolta na trajetória de Abud começou em fevereiro, quando foi preso na Operação Financiador, deflagrada pelo Ministério Público e Corregedoria da Polícia Civil. A investigação tinha como alvo integrantes de uma facção criminosa, os Bala na Cara, que utilizaram um mercado em Alvorada como fachada para lavar dinheiro e repassar mercadorias roubadas. A apuração apontou que Abud e outro policial civil, o comissário Luís Armindo Gonçalves, financiavam uma quadrilha especializada em estelionato e roubo de cargas. A denúncia apresentou comprovantes de repasses de valores pelos policiais para que os crimes continuassem e eles conseguissem lucros em cima destes valores. Os financiamentos seriam por meio de intermediários — alguns deles, familiares dos policiais — para dificultar o rastreamento.
O juiz Roberto Coutinho Borba, da 2ª Vara Criminal de Alvorada, condenou o delegado em regime fechado sem direito a recorrer em liberdade pelos crimes de organização criminosa, obstrução de investigações e lavagem de dinheiro. Além disso, determinou que Abud perca a função pública. O policial teve a condenação mais pesada entre todos os atingidos pela Operação Financiador. O comissário Luís Armindo foi sentenciado a 17 anos e um mês de reclusão pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa. O principal delator (incluído no programa de proteção a testemunhas) se desmentiu duas vezes depois, mas o magistrado considerou o primeiro depoimento como o mais válido.
Colegas de Abud, ouvidos por GaúchaZH, consideram contradição o delegado estar preso. Chefiou no início da carreira as principais delegacias especializadas do Rio Grande do Sul, como as de Roubos, de Capturas e Furto de Cargas, entre outras. Peregrinou também pelas principais DPs de bairros, onde, de acordo com seus amigos, era temido.
— Sabe aquele sujeito que chega no bairro e no primeiro dia manda recado para os patrões do crime, avisando que tem xerife na área? Esse é o Omar Abud — descreve um dos seus mais fiéis colaboradores, um comissário com 37 anos de Polícia Civil.
O experiente comissário complementa:
— Um policial pode não saber tudo, muito menos tem meios para agir contra tudo de errado. Mas deve ter o controle da sua área de atuação. Saber quem opera com o quê — resume o experiente comissário.
Caçadas a criminosos e mortes
Pois Abud, jovem estrela dentre os delegados que assumiram, sempre rezou pela velha cartilha, a do carteiraço e da valentia. Faixa preta em karatê, bem-apessoado e de gargalhada fácil, conquistava logo pelo carisma.
Agentes ouvidos pela reportagem — e algumas vítimas de crimes — descrevem Abud como alguém capaz de ficar ao lado deles. No caso dos policiais, ganhou fama por liderar pessoalmente incursões atrás de criminosos. Não era "de gabinete", comportamento desdenhado pelos inspetores e escrivães, mas "linha de frente", o sujeito visto junto com os subalternos em missões arriscadas. Esteve envolvido em tiroteios que resultaram na morte de pelo menos seis criminosos.
Foi assim em 1996, quando participou de um cerco que acabou com três bandidos — todos armados com fuzis — mortos, no Litoral. Em 1997, um dos comandados de Abud, um agente penitenciário cedido à Polícia Civil, foi morto num posto de combustíveis ao deparar com Alemão Cleo, um assaltante de banco que atuava no Sul do Brasil. O delegado agiu. Cleo tinha fugido do cela da Delegacia de Roubos de Porto Alegre, quando essa DP era comandada por Abud. Humilhado pelos dois episódios — fuga e morte do colega —, Abud organizou uma caçada que só terminou em Curitiba, quando Cleo foi encontrado e morto num tiroteio com policiais civis gaúchos. Entre eles, o delegado.
Num outro episódio, um agente que trabalhava para Abud na Delegacia de Capturas foi morto com um tiro à queima-roupa na Vila Ipe, na zona leste de Porto Alegre. O matador era um informante da delegacia, conhecido como Diabo Verde, que estaria drogado e teria reagido à aproximação dos policiais civis. Abud liderou a busca ao criminoso, posteriormente encurralado e morto em Canoas.
O policial foi um dos líderes da captura de um assaltante especialista em atacar blindados, Jones Machado, conhecido como Jonas Dedão, em dezembro de 1998, em Atibaia (SP). Abud era o mais jovem dentre quatro delegados e quatro agentes gaúchos, acompanhados de outros 15 integrantes da polícia paulista, que renderam o bandido, sua companheira e um piloto de avião.
Na casa de Dedão — um bunker cercado por muros e grade com de mais de dois metros de altura — foram apreendidos três celulares, uma pistola nove milímetros, um binóculo, dois controladores de voo, uma BMW, um Palio, um manual de rotas aéreas e cocaína. Jones tinha uma identidade falsa. Também foram apreendidos dois aviões num aeroporto próximo, que seriam usados por ele para tráfico.
Dedão, há poucos meses, progrediu para o semiaberto. Abud, agora, está preso.
Continue lendo o especial:
ENTREVISTA: "Tenho 22 portarias de louvor e no final da vida virei o maior bandido?"
Com inspiração na Lava-Jato, sentença impôs pena elevada a delegado
Sinuca e musculação: como é a rotina do delegado Omar Abud na prisão
LINHA DO TEMPO: relembre a trajetória do delegado Omar Abud