Camile Cesa Stumpf (*) e Sergio Hofmeister Martins-Costa (**)
Maria, 28 anos, grávida do seu primeiro bebê. Sem nenhum histórico familiar de câncer de mama e nenhuma doença pré-existente. Uma moça na flor da idade vivendo seu grande sonho. Um dia antes de seu parto, no seu banho, passando hidrante nas mamas e mamilos a fim de se preparar para a amamentação, sentiu uma bolinha diferente. Imediatamente pensou em leite, continuou sua rotina, e no dia seguinte nasceu o João. Menino cheio de vida e saúde. Os dias foram passando e Maria amamentando João, mas a bolinha seguia ali. Quando João fez 30 dias, ela comentou com o esposo que ainda sentia a bolinha de leite, e o marido a levou para avaliar com seu ginecologista. Qual foi a surpresa após os exames: era um câncer de mama.
Câncer de mama na gestação é raro (ocorre em uma a cada 3 mil mulheres grávidas) e é definido pelo diagnóstico do câncer de mama durante a gravidez ou no primeiro ano após o parto. A idade média das pacientes com esse diagnóstico fica entre 32 e 38 anos, e o fato de as mulheres estarem retardando o momento de começar a ter filhos tende a aumentar a incidência desse câncer.
O diagnóstico do câncer de mama na gestação, assim como nas pacientes jovens, abaixo de 40 anos, é sempre desafiador. Na gestação ou no puerpério, existe a dificuldade de diferenciar as alterações fisiológicas das mamas desse período do nódulo suspeito e precisamos muito do autoexame e autoconhecimento das mulheres sobre as suas mamas. Na mulher jovem, não muito diferente, é importante o autoconhecimento das mamas, pois não temos exames de rastreamento para essa faixa etária. A mamografia apresenta limitações importantes, já que a maioria das pacientes têm mamas densas, o que dificulta a avaliação destas e identificação de eventuais tumores, podendo ser necessária a complementação com outros exames como ultrassonografia ou ressonância magnética, que, por sua vez, também têm limitações e não servem sozinhas como um rastreamento de excelência.
A maioria dos casos se manifesta como nódulos palpáveis ou por alterações na pele, o que, normalmente, se correlaciona com tumores em fases mais avançadas, por esse motivo, se tocar, conhecer a anatomia da sua mama é de suma importância.
A maioria dos casos se manifesta como nódulos palpáveis ou por alterações na pele, o que, normalmente, se correlaciona com tumores em fases mais avançadas, por esse motivo, se tocar, conhecer a anatomia da sua mama é de suma importância.
Os tumores em mulheres jovens, em geral, são biologicamente mais agressivos. Então, a principal orientação para mulheres abaixo de 40 anos é não negligenciar qualquer mudança perceptível em suas mamas, seja um nódulo, irregular ou não, duro ou de consistência branda, assim como edema na pele, alguma ulceração em mamilo ou qualquer sinal de que as mamas mudaram.
O mastologista é o médico que deve ser procurado a fim de avaliar, solicitar exames se necessários e realizar o tratamento.
Voltando ao caso da Maria: após o diagnóstico realizado, estando a mulher gestando ou no puerpério, conseguimos oferecer todo o tratamento para câncer de mama com segurança para a paciente e para o feto se ainda estiver grávida. O tratamento adequado depende da idade gestacional e do estágio do tumor no diagnóstico, é individualizado e deve ser multidisciplinar.
A cirurgia mamária pode ser realizada com segurança na gestação e não foi associado o uso de medicamentos anestésicos a nenhum risco de malformação fetal (teratogênese). A quimioterapia, quando indicada, segue os protocolos de terapia adjuvante com a possibilidade de uso da grande maioria dos medicamentos com segurança na gestação, dependendo do período gestacional. Se o diagnóstico é realizado depois do nascimento do bebê, não há restrição alguma de uso de quimioterápicos.
Câncer de mama em pacientes jovens tem uma incidência baixa quando comparada a pacientes acima de 50 anos, entretanto o alerta de cuidado precisa estar presente na vida de todas as jovens, pois o diagnóstico precoce abre um leque enorme de tratamentos, mesmo quando agressivo.
(*) Mastologista, especialista em cirurgia oncológica e reparadora, mestre e Doutora em Ginecologia pela UFRGS
(**) Professor de Ginecologia e Obstetrícia da UFRGS e membro titular da ASRM
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento", e agora foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.