Importante fator de risco para diferentes problemas de saúde, a obesidade atinge atualmente cerca de um quinto da população brasileira. De acordo com especialistas, o surgimento de novas drogas mais seguras e eficazes e com menos efeitos colaterais vem revolucionando o controle da enfermidade nos últimos anos. O acesso aos remédios, no entanto, é uma dificuldade, já que o Sistema Único de Saúde (SUS) não disponibiliza nenhum dos produtos indicados para este tratamento.
Por ser uma doença crônica, o tratamento requer adesão contínua e tem como base a mudança do estilo de vida, incluindo na rotina a prática de atividade física e uma dieta mais natural e menos calórica, ressalta a médica endocrinologista do Centro de Tratamento da Obesidade (CTO) e chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Carolina Leães Rech.
— Pacientes com obesidade têm indicação de uso de medicamentos, associado sempre às mudanças de estilo de vida, nunca isoladamente. E pacientes com sobrepeso, que é o índice de massa corpórea (IMC) maior do que 25, com comorbidades associadas, como hipertensão, alteração de colesterol, gordura no fígado e apneia do sono, também já têm indicação para intervenção medicamentosa. Nos últimos anos, esse paralelo está mais estabelecido, porque sabemos de todas as dificuldades que temos no controle de peso. É um olhar mais cuidadoso para não deixar o quadro se agravar — aponta Carolina, que também é professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A endocrinologista lembra que, antigamente, eram utilizados medicamentos derivados das anfetaminas, causadores de risco aumentado de problemas cardiovasculares e dependência química, que foram descontinuados. Depois disso, os remédios mais comumente indicados para o controle da doença antes da chegada da nova classe de drogas (saiba mais abaixo) eram a Sibutramina e o Orlistat.
A sibutramina age no sistema nervoso central, através de neurotransmissores, causando efeito na sensação de saciedade e no controle da fome. Entretanto, é contraindicada para pacientes com mais de 65 anos, crianças e adolescentes, com IMC menor que 30, com histórico de diabetes tipo 2 associado a outro fator de risco, como tabagismo, problemas cardiovasculares, hipertensão inadequadamente controlada e transtornos alimentares, ou que estejam utilizando outros medicamentos de ação central para redução de peso ou tratamento de transtornos psiquiátricos.
— Como ele age através de neurotransmissores, pode ter alguma interferência cerebral. Pode haver piora de quadros de depressão e ansiedade, interferir na ação de antidepressivos, aumentando os efeitos colaterais. Faz com que os neurotransmissores fiquem agindo por mais tempo, esse é o motivo pelo qual pode aumentar a frequência cardíaca e a pressão arterial, e gerar efeitos colaterais cardiovasculares em pacientes que já têm alguma predisposição — diz a médica.
Diferente da Sibutramina, o Orlistat atua no sistema digestivo, causando perda de peso pela redução em 30% da absorção de gordura no intestino, ou seja, a gordura é eliminada pelas fezes e, assim, a pessoa emagrece.
Conforme Fernando Gerchman, endocrinologista diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esse remédio pode gerar efeitos colaterais gastrointestinais, como gases, diarreia e incontinência fecal, mas é considerado muito seguro e não tem nenhuma contraindicação.
O especialista comenta que esses dois medicamentos têm um impacto adicional de cerca de 5% na perda de peso, quando associado à mudança de estilo de vida — uma redução de 3% a 5% já é considerada benéfica do ponto de vista da saúde cardiometabólica e cardiovascular, esclarece.
Novos medicamentos
Além da Sibutramina e do Orlistat, em fevereiro de 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro do medicamento injetável Saxenda (Liraglutida) para o tratamento da obesidade. Trata-se de um análogo ao hormônio GLP-1, produzido no tubo digestivo, que tem como função indicar ao pâncreas a produção de insulina, para que haja regulação adequada na glicemia. O remédio também atua em uma região específica do cérebro, inibindo a fome a aumentando a saciedade.
Originalmente, a Liraglutida foi desenvolvida para o tratamento da diabetes, mas os pesquisadores se deram conta de que, em dose maior (que recebeu o nome de Saxenda), a substância também causava redução de peso adicional. Por isso, fizeram um novo estudo para testá-la no tratamento da obesidade, obtendo, em média, uma redução de peso de 8%, além da demonstração de segurança para uso contínuo.
— E aí começou uma revolução no manejo da obesidade, porque, com esse novo mecanismo de atuação no cérebro, a indústria farmacológica ativou uma série de pesquisas para tratamento de diabetes e obesidade. Há um “boom” absurdo de opções de drogas que serão lançadas para o manejo da obesidade nos próximos 10 anos — afirma Gerchman.
Em função do mecanismo de ação, a Saxenda pode gerar efeitos colaterais gastrointestinais, como náusea, refluxo, desconforto abdominal e alteração do trânsito intestinal (diarreia ou constipação). Essas reações, contudo, costumam ser leves.
Nas farmácias, a Saxenda pode ser encontrada em caixas com três canetas de 3ml (18mg) cada por cerca de R$ 900. Carolina esclarece que uma caneta na dose plena para obesidade (3mg ao dia) dura seis dias e que normalmente os pacientes conseguem a medicação com desconto por cadastro em programas de benefício dos laboratórios — neste caso, a caixa sai em torno de R$ 600.
...a indústria farmacológica ativou uma série de pesquisas para tratamento de diabetes e obesidade. Há um “boom” absurdo de opções de drogas que serão lançadas para o manejo da obesidade nos próximos 10 anos
FERNANDO GERCHMAN
ENDOCRINOLOGISTA
Já no início deste ano, a Anvisa aprovou o primeiro medicamento injetável de uso semanal para obesidade: o Wegovy (Semaglutida). De acordo com Gerchman, a Semaglutida também foi aprovada inicialmente para o tratamento da diabetes e, ao notar uma perda de peso bem importante com seu uso, os pesquisadores iniciaram estudos com uma dose maior da substância (que recebeu o nome de Wegovy) para a obesidade. O diretor da Abeso afirma que o estudo quebrou paradigmas, mostrando uma redução de peso de, em média, 12,4% em relação à perda do grupo que recebeu placebo.
O Wegovy ainda não está disponível para compra, no entanto. Até o momento, somente as versões da Semaglutida indicadas para o tratamento da diabetes (Ozempic e Rybelsus) estão disponíveis no mercado. Nos últimos meses, o Ozempic tem se popularizado em função do aumento da procura por quem deseja emagrecer. O uso para este fim, entretanto, é considerado off label, ou seja, fora do que está prescrito na bula.
Futuro
O diretor da Abeso ainda cita o Contrave, que já está aprovado e foi lançado em abril no Brasil. Trata-se de uma combinação de duas medicações psiquiátricas (Bupropiona e Naltrexona), que provoca uma redução de peso de, em média, 11,5%, segundo a empresa fabricante. Gerchman também comenta sobre o Tirzepatida, que receberá o nome comercial de Mounjaro:
— É uma droga mais moderna ainda, uma combinação de análogo de GLP-1 e outro hormônio. É injetável e está revolucionando o manejo da diabetes e da obesidade, porque gera uma média de 22% de perda de peso para quem consegue fazer uso contínuo prolongado. A longo prazo, promove quase o efeito de perda de peso causada pela cirurgia bariátrica. Já está aprovada para uso no tratamento de diabetes nos Estados Unidos e em aprovação para obesidade. Deve chegar ao Brasil no segundo semestre deste ano ou no primeiro de 2024.
Conforme a endocrinologista da Santa Casa, os novos medicamentos possibilitam um resultado melhor para os pacientes, com mais segurança e efeitos colaterais menores. Por isso, especialistas acreditam que essas drogas devem revolucionar o controle de peso em pessoas com obesidade.
— Esperamos uma mudança no padrão, gerando melhor qualidade de vida para esses pacientes que têm dificuldade de adesão ao tratamento. Esses avanços também acabam nos ajudando a evitar que determinados pacientes cheguem a uma obesidade muito grave — destaca Carolina.
Os endocrinologistas também ressaltam que esses medicamentos são recomendados e aprovados para uso contínuo, já que a obesidade é considerada uma doença crônica, como hipertensão e diabetes.
— Se parar a medicação, a pessoa vai recuperar o peso. É um tratamento contínuo, assim como a dieta e a prática de atividade física. Utilizar esses remédios por períodos específicos apenas para fins estéticos não é correto — enfatiza Gerchman.
O grande problema dessas drogas, segundo os especialistas, é o alto custo. Elas são mais caras do que a Sibutramina e o Olistrat, por exemplo, o que dificulta o acesso. Outro complicador é que nenhum desses medicamentos está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) .
— Não temos portaria para tratamento farmacológico da obesidade pelo SUS, então não temos nenhum medicamento disponível. Os mais novos têm um custo mais elevado, então têm limitações grandes de acesso. O paciente com obesidade tem uma jornada sofrida, porque não tem tratamento disponível no SUS — lamenta a endocrinologista da Santa Casa.
Gerchman acrescenta que, no Brasil, agências regulatórias analisam a incorporação de novas tecnologias no SUS — ou seja, empresas enviam propostas e o governo avalia, o que pode ser demorado:
— Acho que o processo para liberação de alguma medicação para obesidade pelo SUS deve demorar ainda. É mais difícil que o governo aprove um medicamento que não tem redução de mortalidade comprovada, porque tem que gerenciar o custo, que beira os bilhões de reais. São valores altos e uma boa parcela da população precisaria desse acesso, já que, dos 57% de brasileiros com excesso de peso, 20% já têm obesidade.
Há na justiça brasileira uma discussão sobre a quebra de patente da Semaglutida. Caso isso ocorra, a partir de 2026, diferentes empresas no Brasil poderão produzir medicamentos com o composto, como o Wegovy. O diretor da Abeso comenta que isso vai baratear o custo da droga.
Não temos portaria de tratamento da obesidade pelo SUS, então não temos nenhum medicamento disponível. Os mais novos têm um custo mais elevado, então têm limitações grandes de acesso.
CAROLINA LEÃES RECH
ENDOCRINOLOGISTA
Problema complexo
A obesidade é classificada como uma doença multifatorial. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que utilizou dados da Pesquisa Nacional em Saúde e da Pesquisa de Orçamentos Familiares, ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que idade, condições socioeconômicas e falta de atividade física são os principais fatores associados à prevalência da doença no Brasil. Caso permaneça com a taxa de crescimento atual, a obesidade deve atingir 24,5% da população brasileira em 2030, aponta a projeção dos pesquisadores.
Para saber se um paciente tem a doença, os médicos utilizam como referência o chamado índice de massa corpórea (IMC). De forma geral, o cálculo divide o peso da pessoa pela altura ao quadrado. Considera-se obesidade quando o IMC é igual ou maior que 30 e, quanto mais elevado for esse índice, maior a probabilidade de aparecerem outras doenças, que são as comorbidades.
Conforme o estudo da FGV, obesos têm mais chances de desenvolverem hipertensão (41,5%), diabetes (13,4%) e colesterol alto (21,7%). Gerchman lembra que a obesidade causa outras complicações, como distúrbios do sono, depressão, ansiedade e infiltração gordurosa no fígado, além de estar associada a diferentes tipos de câncer. Por isso, destaca a importância de sempre existir uma avaliação clínica para descartar causas secundárias da doença.
— O paciente com obesidade naturalmente procura ajuda de um profissional para reduzir o peso, mas não sabe que precisa passar por essas fases do processo avaliativo. Quando a pessoa é avaliada, se faz uma investigação metabólica e cardiovascular para descartar outras causas e definir uma estratégia de tratamento. O principal é obter saúde, em primeiro lugar, melhorar a qualidade de vida, e, em segundo, reduzir o peso. É uma doença que mata muita gente por outros problemas de saúde — alerta o especialista.