Individualmente, apego à rotina, organização metódica, dificuldade em interações sociais e interesse em temas específicos podem ser encarados somente como um traço de personalidade. Porém, juntos podem indicar um quadro de Asperger.
Trata-se de uma condição neurobiológica que, por ter um diagnóstico demorado e características mais leves, costuma não ser identificada com tanta facilidade.
Anteriormente chamada de síndrome, Asperger é uma forma mais branda do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Desde 2013, deixou de ser reconhecida como um diagnóstico específico no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Hoje em dia, é classificada na bibliografia médica como TEA sem transtorno do desenvolvimento intelectual e com prejuízo de linguagem funcional leve ou ausente.
— São pessoas que apresentam uma dificuldade na interação social e na comunicação social e que, em geral, não têm esse comprometimento cognitivo, da inteligência – ressalta Ana Soledade Graeff-Martins, psiquiatra da infância e adolescência e professora da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Três características
Dificuldade de socialização: as crianças e os adultos diagnosticados com Asperger costumam manifestar dificuldade em se relacionar com outras pessoas. A comunicação verbal pode acontecer normalmente, mas a capacidade de interpretar expressão de emoções, brincadeiras como ironia e o uso da linguagem corporal é prejudicada. Dificuldade em iniciar ou manter conversas também podem evidenciar o quadro. De acordo com a psiquiatra Ana Soledade, outro sinal pode ser uma interação mais fácil ou espontânea com pessoas de outra idade do que com crianças da própria faixa etária.
Fixação por determinados temas: outro traço é o interesse por assuntos específicos, de uma forma que isso conduza a vida dela. Ou seja, esse assunto sempre aparecerá nas interações que a criança tiver com outra pessoa e ela desejará entender cada vez mais.
Essa fixação, de forma que a pessoa saiba sobre aquilo de uma maneira acima da média, faz, inclusive, que crianças com Asperger sejam chamados de “pequenos professores”. É que elas conseguem explicar sobre esse assunto com uma riqueza de detalhes que não se espera de uma criança, geralmente usando um vocabulário rebuscado. Por isso, alguns pais podem, ainda, confundir com características de crianças com altas habilidades, as chamadas superdotadas. Mas Ana Soledade alerta:
— Temos de entender que uma criança com altas habilidades pode se interessar por questões que estão além do que interessa a faixa etária dela, mas ela não torna isso um foco exclusivo da vida, não vai fazer que isso impeça a interação com outras crianças.
Inflexibilidade: rotinas muito rígidas e apego a determinados rituais cotidianos também caracterizam a condição, associados a uma necessidade de estar sempre sob controle das situações. Uma mudança em um cronograma previamente planejado, por exemplo, não é bem-vinda. No caso de uma criança, isso pode se manifestar em sinais como, por exemplo, a necessidade de sempre ir à escola pelo mesmo caminho, de forma que a desestabiliza se, por algum imprevisto, haja alguma mudança na rota.
Atenção em casa e na escola
Se um dos principais traços da síndrome acaba se manifestando na socialização, dentro de casa, no ambiente familiar, às vezes os sinais podem não ficar evidentes. Então, como reconhecer se uma criança tem Asperger? Ana Soledade responde:
— É importante manter um diálogo com a escola, para ver o que se observa em termos de interação com outras crianças, a capacidade de brincar de uma forma adequada e a questão da comunicação.
Em caso de suspeita, o primeiro passo é procurar um psicólogo ou psiquiatra da infância e adolescência. Na área médica, profissionais da área da psiquiatria e da neurologia podem ajudar a identificar. Quanto mais cedo, melhor, principalmente antes dos cinco anos de idade. Isso porque, nessa faixa etária, a neuroplasticidade é maior. Ou seja, o cérebro tem maior capacidade de se modificar, aprender e se reprogramar.
Embora não tenha cura, na maioria dos casos o tratamento consiste em intervenções de base comportamental, com estímulos ao desenvolvimento do paciente.
A Diferença Invisível
Esse é o título da história em quadrinhos francesa escrita por Julie Dachez e desenhada por Mademoiselle Caroline, publicada no Brasil pela editora Nemo, com tradução de Renata Silveira (192 páginas, R$ 59,80 na versão física e R$ 41,90 no e-book).
A personagem principal, Marguerite, uma jovem de 27 anos, foi inspirada na vida de Dachez, que descobriu tardiamente ter Asperger. Com leveza, mas com responsabilidade, A Diferença Invisível fala de autoaceitação e de preconceito.