Natália Mansan (*)
Hoje, mais do que nunca, já se sabe da importância do contato com a natureza na primeira infância. É fundamental a experiência com elementos e processos naturais nesse período da vida. Entretanto, com o acelerado contágio da nova variante da covid-19 e com a falta de tempo das famílias na atualidade, esse contato não tem sido prioridade.
Pediatras e especialistas estão prescrevendo a brincadeira na rua, ao ar livre e em meio à natureza, tamanha a necessidade dessa prática no desenvolvimento infantil. Estudos mostram que a criança apresenta-se muito mais criativa quando brinca ao ar livre, quando tem contato com animais e seres vivos em um ambiente natural. É evidente que, além da criatividade, o movimento se aprimora, pois, geralmente, é na liberdade da brincadeira na rua que ela pula, corre, sobe, desce, escala, equilibra-se, rola, experimenta o mundo por meio do corpo. E essa movimentação é essencial no começo da vida. Crianças que vivenciam a natureza corriqueiramente são, em geral, mais autoconfiantes, mais seguras de si, mais ousadas, mais autônomas e, naturalmente, garantem um potencial cognitivo melhor.
O que me preocupa ao conviver, há mais de 18 anos, com crianças pequenas no ambiente escolar é a escassez da experiência na natureza. Ao mesmo tempo em que se sabe mais sobre os benefícios dessa prática, parece que nos afastamos mais desse ideal. O uso da tecnologia, a vida apressada dos adultos, as agendas superlotadas das crianças e também o isolamento social desde o início da pandemia tornaram essa missão um grande desafio.
Estamos muito preocupados em ofertar aos nossos filhos atividades extracurriculares que garantam uma vida adulta de sucesso. Falar inglês, ser expert em robótica, realizar cálculos, ler e escrever ainda na primeira infância são alguns atributos idealizados por muitas famílias. Em uma grande competição em prol de um futuro promissor, negamos às crianças aquilo de que elas realmente necessitam nesta fase da vida.
Os educadores que lidam com várias crianças da mesma faixa etária, oriundas de diferentes núcleos familiares, podem comprovar esse discurso. É nítida a diferença de uma criança que experiência a natureza e uma criança que ocupa a maior parte do tempo com eletrônicos. Certa vez um palestrante disse: “Mais natureza: mais inteligência. Mais eletrônicos: menos inteligência”. Ele está certo.
Não podemos negar o peso do home office, da assustadora contaminação pelo coronavírus e da violência urbana. Mas a infância é a nossa bandeira, e precisamos alertar pais e responsáveis que esse período da vida é único – os anos de ouro, período de grande neuroplasticidade e formação pessoal. Não podemos banir esse direito de nossos pequenos. Se não for possível todos os dias, que seja sempre que possível! Que seja na pracinha, na área verde do condomínio, na frente de casa, no jardim botânico da nossa cidade, em qualquer lugar, mas que seja sempre que possível.
O educador Gianfranco Zavalloni, em seu livro A Pedagogia do Caracol, levanta a problemática de sermos saudosos de um ambiente natural, pois nós, adultos, vivenciamos isso na infância. Quando temos a oportunidade de estarmos em meio à natureza, sentimos prazer, ficamos nostálgicos. Do que as crianças de hoje vão sentir saudade? Será que se importarão com esse contato com o ambiente natural no futuro? Confesso que essa reflexão me deixou bastante inquieta.
Os indivíduos geralmente se importam com aquilo de que se sentem participantes. Estar na natureza, vivenciar os processos naturais e conhecer as transformações dos seres vivos promovem empatia pelo meio. As crianças se sentem participantes quando experimentam. Para que os futuros cidadãos cuidem do nosso meio, eles precisam vivenciá-lo, importarem-se com ele, sentirem-se responsável por ele.
Ao invés de fragmentar o tempo dos nossos filhos com multiatividades, vamos reservar um dia na semana para que não tenham pressa e vivenciem, com segurança, o mundo externo.
(*) Pedagoga, especialista em gestão da educação, pesquisadora da primeira infância e autora do livro Florisbela, a Super-heroína da Natureza
10 dicas de atividades
- Brincar de comidinha com areia, água, galhos, folhas e outros elementos naturais.
- Observar os elementos presentes na natureza e seus detalhes.
- Caminhar de pés descalços e sentir as texturas.
- Criar formas com gravetos, pedras, sementes e outros elementos disponíveis no local.
- Subir em árvores e pedras desafiando o corpo e seus limites.
- Observar os fenômenos da natureza, tais como o amanhecer, o pôr do sol e o arco-íris.
- Ouvir atentamente os sons presentes na natureza.
- Explorar os aromas das plantas, flores e frutos.
- Colher frutas e saboreá-las in natura.
- Desenhar, pintar e criar obras de arte utilizando a natureza como inspiração.