Com a proximidade do Dia dos Namorados, neste 12 de junho, é comum que o assunto venha à tona: criança namora?
Em meio à tragédia diária das milhares de mortes por covid-19, é natural que a população infantil também se veja emocionalmente afetada: como lidar com a perda de uma pessoa querida?
Para ajudar mães, pais e responsáveis, duas especialistas em infância e adolescência escreveram os artigos abaixo. A palavra-chave é diálogo.
— A ideia de amar e ser amado é algo precioso. Então, deixe que elas falem sobre as suas percepções e sensações — afirma a psicanalista Luciana Wickert.
— O luto precisa ser vivido, e não evitado — diz a psicóloga Solange Lompa Truda.
Quando o assunto é namoro infantil
Por Luciana Wickert (*)
Há alguns anos a expressão “criança não namora” passou a figurar com frequência nas necessárias campanhas de prevenção ao abuso sexual.
A importância dos esforços para a coibição dos diferentes modos de violência na infância e na adolescência é inquestionável, visto que os índices brasileiros são alarmantes e suas consequências agridem a integridade física e emocional das vítimas e dos adultos que efetivamente as cuidam.
Com o intuito de defender a infância de uma sexualização precoce e de possíveis abusos, o slogan ganhou forças nos espaços sociais. Contudo, a expressão esbarra no cotidiano e nos coloca diante de um dilema, porque as crianças dizem muitas vezes e com todas as letras que elas namoram. O que fazer com essa informação que chega de modo tão sincero e vivo?
Basta conviver com os pequenos e estar disponível que o assunto poderá vir à tona, em forma de segredo, de um jeito mais exibido ou em uma simples conversa. As crianças, ao dizerem que namoram ou que gostam de alguém, colocam em cena suas sensações de amor, suas tentativas de estar e entender o mundo. Performam, através da brincadeira, o que elas, em uma lógica de ternura e de descobertas, imaginam que é amar.
A ideia de amar e ser amado é algo precioso. Então, deixe que elas falem sobre as suas percepções e sensações. Crianças têm muitas questões sobre a experiência do viver e aprendem a se movimentar no mundo com aqueles que as cercam. Ao encontrarem ambientes compreensivos, poderão arriscar a pensar sobre si de um modo mais espontâneo e generoso e a compartilharem suas dúvidas. Com isso, o adulto estará construindo laços de confiança e colaborando para criar condições de uma vivência autêntica da sexualidade e de acordo com as etapas do desenvolvimento.
Escutar sobre os amores infantis é diferente de incentivar. Então, se a conversa se estabelecer, ouça como é esse namoro, de quem a criança gosta, os motivos do seu interesse. Sem pressa ou suposições. Diálogos sobre a vida constroem redes de segurança. Aproveite para conversar que criança não namora adultos e que existem partes do seu corpo que não podem ser tocadas. Este tipo de alerta ajuda a estabelecer o senso de limite com o outro na infância, prevenindo e denunciando possíveis abusos, inclusive os que ocorrem na esfera doméstica.
Procure não corroborar, antecipar ou colocar rótulos
Cabe aos adultos acompanharem as construções de sentido sobre a temática namoros e diferenciar o que é do campo das vivências da infância e o que são antecipações ou usos abusivos da inocência. Procure não corroborar, antecipar ou colocar rótulos, como olhar para uma criança e dizer “ele é meu genro”, “você é a minha nora” ou ficar pressionando-a para que diga se gosta de alguém.
Lembre-se de que você já foi criança, que talvez tenha gostado de um coleguinha de escola ou de um vizinho e que dificilmente teria se sentido confortável em ter seus sentimentos apressados, expostos ou desrespeitados. Portanto, escute com afeição, não deboche ou desaprove o que lhe for revelado.
Amores, dúvidas, desassossegos e aprendizagens fazem parte do tempo do crescer. Pelo diálogo saudável, as crianças têm acesso a noções de existência, de intimidade e de segurança. No conjunto das brincadeiras e experimentações da infância, temos um papel fundamental: o de proteger os tempos do amadurecimento. Negligencia-se essa responsabilidade ao tentar calar falas ou sentimentos das crianças. Precisamos acompanhar as suas inquietações, dar suporte para as escolhas, ajudar a estabelecer limites, ensinar a pedir ajuda e incentivar o aprender. Pode não ser uma tarefa fácil, entretanto, asseguro ser enriquecedora. O olhar de uma criança que se sente compreendida, acompanhada e respeitada na sua experiência de existir é esperança de bons tempos.
(*) Psicanalista
E quando as crianças perguntam sobre a morte?
Por Solange Lompa Truda (*)
A vida da criança é marcada por várias fases diferentes. E a cada vez que chega em uma nova idade, nos surpreende com descobertas e inquietações. Um dos temas mais delicados de serem conversados que encontramos como pais e educadores é o da morte. Mas não tem jeito, essa é uma pergunta que vai surgir mais cedo ou mais tarde no desenvolvimento infantil. E a pandemia de covid-19 colocou a morte no cotidiano de muitas famílias. Não podemos evitar de abordarmos o assunto com todo o cuidado e respeito que a infância merece.
É no período de quatro a seis anos de idade que o medo da morte se torna evidente e que essa pergunta começa a aparecer em vários momentos. Antes disso, a criança só percebe as coisas vivas, a exploração pelo que há de concreto à sua volta. À medida que amadurece, passa a associar a morte com a ausência, a falta do objeto amado, e passa a compreender então que algumas ausências não são capazes de retornar, são para sempre, irreversíveis.
Mas é só no final da educação infantil, por volta dos seis ou sete anos, que se dará conta de que a morte é algo inevitável, que forma parte do ciclo da vida.
Como as crianças relacionam a morte com o abandono e a separação, seu principal temor é perder os pais. Isso acontece porque quando elas crescem percebem que morrer é natural e pode acontecer a qualquer pessoa, de qualquer idade, por diversos motivos.
Como em todos os casos, o melhor a fazer quando surgem perguntas sobre a morte é conversar abertamente, usando uma linguagem simples e direta. Mas muitas vezes me questionam: como ajudar a lidar com a morte? Como contar quando um ente querido morrer? Será que eles conseguem enfrentar essa barra?
Na hora de dar uma notícia sobre a morte de alguém com quem a criança tem uma forte relação, os pais precisam ser bastante verdadeiros, afetuosos e seguros. É preciso tentar responder às perguntas sem ter o receio de dizermos, inclusive, que para algumas não teremos respostas e precisaremos pensar juntos. Não há necessidade de falarmos mais do que a criança realmente pergunta, isto é, mais do que ela precisa saber no momento.
A criança percebe quando ocorreu uma morte, e não falar sobre ela pode provocar medo, insegurança.
Não gosto muito de metáforas para explicar a morte para as crianças. Por exemplo: falar da morte como “sono eterno” pode causar incompreensão, porque se confunde com o sono diário, o mesmo pode acontecer quando se fala da morte como “viagem eterna”. O que tem como objetivo diminuir a dor pode causar dificuldades de compreensão.
A importância das lembranças
O importante é salientar que a pessoa que morreu deixará muita tristeza e depois saudade, que ela não estará mais aqui e agora e não viverá mais conosco. Os pais também podem dizer que, quando sentir saudade do ente querido, poderá lembrar dele através de suas brincadeiras, desenhos ou pensamentos.
Certamente a criança terá mais dúvidas sobre a morte, mas as perguntas dependerão da sua etapa evolutiva, da sua idade e de seu próprio repertório de experiências. É importante explicar de forma adequada para a sua idade sobre o velório e o funeral. Podemos recorrer à literatura infantil (cito, por exemplo, A Operação de Lili e O Medo da Sementinha, ambos do escritor Rubem Alves) ou aos filmes, como as animações da Disney Bambi e O Rei Leão.
É importante que os pais ou educadores possam demonstrar os sentimentos e a dificuldade de lidar com este momento para a criança. Ficar triste e chorar forma parte do contexto e é natural ser vivido e sentido com ela. Não temos como esconder os sentimentos e as emoções. Não é nada adequado, por exemplo, dizer para a criança ser forte e não chorar. Acolher a emoção da criança frente ao que está sentindo e expressando vai lhe proporcionar segurança e confiança.
A criança, mesmo pequena, sente a tristeza da família. Por isso, o melhor é encorajar a criança a falar sobre a pessoa que morreu e deixá-la compartilhar seu sentimento. O luto precisa ser vivido, e não evitado, por mais difícil que seja.
Viver este processo em família é fazer com que a criança sinta-se pertencente a esta dinâmica. A criança vai se sentir mais protegida e segura se compartilhar suas emoções com os pais, sem maquiar ou esconder tudo que envolve a partida de alguém querido.
É consensual entre os especialistas que a educação para a morte ensina a viver, e, independentemente da cultura ou religião, a questão da morte precisa ser olhada e tratada com todo o cuidado e delicadeza, pois traz à tona questões profundas da nossa existência e finitude.
(*) Psicóloga da infância e da adolescência