Sabe-se que a luz solar ativa a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores relacionados à felicidade e ao bem-estar. Dias escuros, assim como chuvosos, não acionam esse mecanismo. Há até mesmo problemas mentais que surgem em função das estações: o transtorno afetivo sazonal, por exemplo, é um quadro que apresenta sintomas de depressão no inverno e melhoras no verão. No entanto, mais uma vez, o clima não bate o martelo: em um livro clássico sobre suicídio, o sociólogo francês Émile Durkheim, ao analisar as taxas de mortes autoinduzidas em países da Europa do século 19, descobriu que os casos costumam ocorrer no verão, e não no inverno.
Estatisticamente, não é na Europa nem na América do Norte que estão concentrados o maior número de casos de suicídio: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 79% deles ocorrem em países de baixa e média renda – o Brasil está em oitavo lugar. Os mais afetados são populações vulneráveis, como imigrantes, LGBT+, indígenas e presos, o que confirma que, sozinho, o inverno não é responsável pela depressão. A doença mental da modernidade, ao lado da ansiedade, é uma mistura de fatores genéticos, traumas do passado e outras causas.
O sul do Brasil registrou 23% de todos os casos de suicídio de 2017 no país, apesar de concentrar 14% da população brasileira, segundo boletim do Ministério da Saúde. E o Rio Grande do Sul tem as maiores taxas entre os Estados: 10,3 mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes, quase duas vezes maior do que a taxa nacional, de 5,5.
A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul (SES) trata o tema como problema de saúde pública. A zona de maior risco é o Vale do Rio Pardo, região de plantio de fumo. Há estudos apontando que agricultores responsáveis por essa atividade têm maiores taxas de suicídio – os riscos seriam desde o uso do agrotóxico, aplicado de forma manual, até uma autoestima mais baixa, afetada pelos maus olhos que grande parte da sociedade destina a quem trabalha na cadeia do cigarro.
— São vários os fatores que influenciam o ser humano. Países escandinavos, com clima predominantemente frio e noites prolongadas, têm grandes taxas de depressão e de suicídio. O Rio Grande do Sul, onde o inverno é acentuado em comparação ao resto do Brasil, tem as maiores taxas de suicídio do Brasil — ressalta Cláudio Meneghello Martins, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). — O frio proporciona um isolamento social maior, mas entram também a predisposição genética e o estresse ambiental, como violência urbana, pobreza ou maus-tratos emocionais — salienta o psiquiatra.
Ainda que o escuro seja naturalmente associado ao perigo e ao que não é visível, o psiquiatra Luiz Carlos Mabilde, da Sociedade de Psicanálise de Porto Alegre (SPPA), destaca que nenhum clima é essencialmente melancólico ou inspirador: o indivíduo é responsável por conceber significados a eventos. Se para um morador da cidade a chuva pode suscitar tristeza, para um fazendeiro pode ser sinal de alegria e de prosperidade na plantação.
— O dia ensolarado é um dia como qualquer outro. E o dia cinzento também. Projetamos no sol e no cinza questões que já existem dentro de nós. Se estamos bem, não é o dia acinzentado que vai nos deprimir, nem o sol irá nos deixar eufóricos — reflete Mabilde.
Desafio à capacidade emocional de resiliência
Profissionais da saúde se preocupam com os impactos das mudanças climáticas à saúde mental. Especialistas indicam que serão cada vez mais comuns eventos extremos, como furacões, tempestades, secas, ondas de calor no verão e de frio no inverno. Eventos assim podem ser gatilho para ansiedade, distúrbio pós-traumático e depressão – sobretudo quando há perdas materiais ou de pessoas. Comunicado da Associação Psiquiátrica dos Estados Unidos (APA, na sigla em inglês) alerta ainda para outros riscos, como comportamento agressivo e violência doméstica. Para piorar, a exposição ao calor forte está ligada ao uso de álcool, às internações em emergências hospitalares e ao suicídio.
— Extremos exigem muito do ser humano em termos adaptativos, sobretudo uma grande capacidade emocional de resiliência — pontua o psiquiatra Cláudio Meneghello Martins, da ABP.
Estudo feito pela Universidade de Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), publicado em 2017, prevê também que nosso sono irá piorar em função da elevação de temperatura como consequência do aquecimento global. As mais afetadas, alertam os pesquisadores, serão as populações de menor renda, por terem menos dinheiro para se proteger com ventiladores e ar-condicionado, e os idosos, que regulam menos a temperatura do corpo.
Variações climáticas e seus impactos em nosso comportamento devem ser observados sempre, mas com cuidado. Nenhum pode afetar nosso pensamento da forma como Alcides Maya defendeu no início dos anos 1900. Mas ele pode descansar em paz: com clima grego ou não, montanhoso ou com os pampas, o Rio Grande do Sul segue produzindo grandes intelectuais.
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