Em um nível prático, o clima impacta diretamente na saúde física. O inverno favorece o surgimento de doenças respiratórias – sobretudo a gripe – em função de fecharmos as janelas para conter o frio. É um típico problema do Rio Grande do Sul que outros Estados não enfrentam.
A menor intensidade de luz solar no inverno também nos afeta: expor-se ao menos por 15 minutos de sol diariamente é importante para manter o tônus muscular e para produzir vitamina D, uma substância que ajuda o organismo a absorver cálcio, o que evita a osteoporose. Não à toa, Suécia e Finlândia têm até câmaras de bronzeamento, algo proibido no Brasil.
A exposição ao sol – seja de forma prolongada ou em “torrões” esparsos no verão – também está associada ao desenvolvimento de câncer de pele. O Rio Grande do Sul, ao lado de Santa Catarina, é o Estado campeão na doença. A principal razão é a herança europeia cobrando seu recibo: 83,2% da população gaúcha é branca, um índice bem acima da média brasileira, de 47,5%, segundo dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A segunda explicação é a alta incidência de radiação solar sobre a região. E a terceira é que, diferentemente do Nordeste, onde é possível ir à praia o ano inteiro, os gaúchos têm apenas os três meses do verão para curtir o sol. Em vez de algumas horas na areia, a ânsia de aproveitar a estação culmina em dias inteiros à beira-mar – e consequentes queimaduras.
— A população de pele clara tem menos melanina, um pigmento que funciona como barreira ao filtrar a entrada da radiação ultravioleta na pele. Quanto maior a melanina, maior a proteção natural contra o sol — diz Suzana Hampe, dermatologista do Hospital Moinhos de Vento. — Na China, mulheres de classes sociais mais altas não gostam de bronzear-se porque a pele escura é vista como sinal de pobreza, uma vez que é associada a quem pega sol por trabalhar no campo — acrescenta a médica, destacando a relação entre clima e cultura.
No Rio Grande do Sul, Estado onde o inverno e o verão são bem marcados, ainda há outro fenômeno cultural relacionado ao clima: o orgulho do frio rigoroso (ao menos para padrões nacionais). Atire a primeira pedra quem nunca aguardou neve em cidades como Gramado, São José dos Ausentes e Bom Jesus.
— Esse é um elemento de diferenciação que é compartilhado para enaltecer valores supostamente gaúchos, como valentia, coragem e resistência. “Somos do Sul, onde faz frio e o gaúcho é habituado”. É um mito que nos isola de outros Estados. O gaúcho busca a diferenciação em questões climáticas, o paulista diz que trabalha muito, o carioca diz que sabe viver bem e é flexível, e assim por diante — analisa o psicanalista Luiz Carlos Mabilde.
O vento norte
Era agosto de 1999 quando uma onda de criminalidade varria a Região Metropolitana de Porto Alegre. Um delegado chegou a dizer que parte da culpa era das fortes rajadas do vento norte:
— Toda vez que sopra o siroco, tem morte.
O vento norte assola o sul da Europa, na região do Mar Mediterrâneo, o deserto do Saara e países do Oriente Médio, como Irã e Iraque. No Saara, o fenômeno chega a causar tempestades mortais. No Rio Grande do Sul, uma das regiões mais afetadas é a de Santa Maria, onde há até uma estátua em “homenagem” ao siroco. Os relatos são de que, durante os poucos dias em que o vento bate na cidade, é impossível sair à rua: os cabelos não param, o barulho nos ouvidos ensurdece e o mau humor corre à solta.
Leias as outras partes desta reportagem
Ciência busca entender peso sobre personalidade, interação social e saúde mental
Eventos extremos, como furacões, tempestades, secas e ondas de calor, podem ser gatilho para ansiedade, distúrbio pós-traumático e depressão