Apenas observando alguém, você percebe que aquela pessoa está em um dia ruim: o amigo costumeiramente comunicativo chegou para o almoço da turma mais retraído, com o sorriso não tão largo e o semblante mais tenso. Quando você acha um momento propício, sem tanta gente à volta, aborda-o para uma conversa:
— Aconteceu alguma coisa?
Sua capacidade de ler esses sinais não verbais é um dos principais componentes da inteligência emocional, a habilidade de identificar e regular as emoções em si mesmo e nos outros. Indivíduos com alta inteligência emocional são capazes de nomear corretamente o que sentem, entender o que os outros estão sentindo e agir de forma a beneficiar os envolvidos. Trata-se de uma competência que vai sendo construída desde o princípio da vida. Pense na criança que, sem querer, quebra o brinquedo de um colega de escolinha. Frente à tristeza do outro, ela pega algo seu e dá ao amigo, como forma de compensá-lo pela perda. Outro exemplo: você foi ríspido no trato com seu parceiro. Pouco depois, percebe que ele ficou chateado e retoma a conversa para recolocar o que gostaria de dizer, em outras palavras, tentando fazer com que ele se sinta melhor.
— Quando as pessoas não têm alta inteligência emocional, as emoções saem descontroladas. Elas podem ter um ataque de raiva ou se isolar. Passamos por várias situações ao longo do nosso dia que vão nos tirando da nossa linha de base. Algumas pessoas usam agressão física, outras, gritos, ou então uma estratégia para resolver a situação, acalmar a emoção e voltar à linha de base — explica a psicóloga Adriane Arteche, doutora em Psicologia do Desenvolvimento e professora do programa de pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
A inteligência emocional é composta, basicamente, por dois fatores: um biológico e um ambiental. A maior parte das pessoas tem o potencial para desenvolvê-la, tornando-se capazes de reconhecer corretamente emoções nos outros e em si mesmas. O segundo componente é o ambiental, que será o gatilho para que a habilidade seja desenvolvida, como o convívio saudável em família. Os pais precisam adotar uma postura acolhedora com os filhos, auxiliando-os a entender e nomear o que sentem: medo, tristeza, felicidade, frustração, ansiedade. A cena clássica da crise de choro no supermercado é uma boa situação para o adulto intervir: não adianta deixar a criança chorando compulsivamente porque quer um pacote de bolacha recheada que a mãe já avisou que não vai comprar. O ideal, orienta Adriane, é que o adulto não ignore esse extravasamento de emoção – que precisa ser regulado. "Você está com raiva, não adianta se atirar no chão, vamos pensar em outro tipo de lanche", a mãe pode dizer. "Ah, ele é muito pequeno", alegam alguns, "não entende ainda". Adriane ressalta:
— É uma prática para ser desenvolvida desde que os filhos são bebês. Daí para a frente, a inteligência emocional continua a se desenvolver – ou não –ao longo da vida.
É uma prática para ser desenvolvida desde que os filhos são bebês. Daí para a frente, a inteligência emocional continua a se desenvolver – ou não –ao longo da vida.
ADRIANE ARTECHE
Psicóloga e professora da PUCRS
Alessandra Rodrigues Gonzaga, especialista em inteligência emocional, professora da Universidade La Salle e coordenadora técnica do pós-MBA em Inteligência Emocional nas Organizações na mesma instituição, esclarece que essa aptidão não está relacionada com maturidade.
— A melhor forma de desenvolver a inteligência emocional é se conhecer. Há pessoas com uma capacidade inata de leitura do não verbal, muito melhor do que outras. A gente pode e deve se aperfeiçoar nisso — comenta Alessandra. — Quem não tem inteligência emocional não se dá conta de que não tem — alerta.
Um dos idealizadores da School of Life, instituição com sede em Londres que se dedica ao desenvolvimento da inteligência emocional, o australiano radicado na Inglaterra Roman Krznaric, que esteve em Porto Alegre recentemente, garante que a habilidade pode ser aprendida a qualquer tempo – "é como dirigir um carro ou andar de bicicleta", comparou, em entrevista a GaúchaZH.
— A empatia, a capacidade de se colocar no lugar de alguém, entendendo seus sentimentos e perspectivas, é um dos componentes-chave da inteligência emocional. Como melhorar nesse aspecto? Em termos práticos, tem algo que todos nós podemos fazer: conversar com um estranho uma vez por semana – sugeriu o filósofo, lembrando que o conceito da inteligência emocional remonta à década de 1990, quando foi criado pelo psicólogo americano Daniel Goleman. — É a prática do ato de ouvir. É assim que começamos a nos conectar com os outros, entendendo como eles veem o mundo e desafiando nossos preconceitos e suposições.
A empatia, a capacidade de se colocar no lugar de alguém, entendendo seus sentimentos e perspectivas, é um dos componentes-chave da inteligência emocional.
DANIEL GOLEMAN
Psicólogo e um dos idealizadores da School of Life
Adriane acrescenta que essa capacidade pode ser aperfeiçoada com ajuda profissional, com consultas a um psicólogo ou psiquiatra, ou até mesmo na convivência com alguém que seja muito bom nesse quesito, como um parceiro, um colega, um amigo ou um professor.
— Aprimorar passa também por reconhecer que você pode e precisa melhorar. Pode ser difícil se isso está consolidado há muito tempo — adverte a professora da PUCRS.
Emoções precisam deixar de ser encaradas como "vilãs", salienta Alessandra. É preciso encará-las, especialmente as positivas, como aliadas nos desafios das esferas pessoal e profissional do cotidiano. Até mesmo uma emoção que causa desconforto, como o medo, é necessária.
— O medo está alertando para um risco, tem um papel evolutivo. O destemido completo não existe e se existe está insano, em um estado de mania – destaca a professora da Universidade La Salle. — E quando você estiver animado, tem de aproveitar esse estado emocional, mesmo que seja só com você, mesmo que não venha um elogio público. Precisamos usar esse material interno emocional para nos alavancar.
Em que perfil você se encaixa?
Pessoa com alto nível de inteligência emocional
- Sabe identificar corretamente as suas próprias emoções e as das outras pessoas também.
- Consegue regular seus sentimentos. Não se trata de se impedir de senti-los, mas de saber manejá-los.
- Faz a leitura não verbal do comportamento de quem a cerca.
- Adapta-se aos diferentes ambientes, interagindo de acordo com o que se exige em cada um deles.
- É assertiva, empática, de fácil acesso e atenta aos outros.
- Sabe o momento certo para se impor e para ceder.
- Relaciona-se com facilidade.
- Apresenta mais facilidade para lidar com emoções intensas, suas e dos demais.
- Tem bom humor e autocontrole.
- Abraça tarefas difíceis sem listar inúmeros impedimentos para realizá-las antes mesmo de saber exatamente do que se trata.
- Conhece-se bem, conseguindo identificar seus maus momentos e evitando interações mais próximas ou tomadas de decisão complexas nesses dias.
- Enfrenta o dia a dia com mais facilidade, tornando-se mais feliz.
Pessoa com baixo nível de inteligência emocional
- Não sabe ouvir, não estando disponível ou apenas fazendo de conta que está prestando atenção no que está lhe sendo dito.
- Tem a sensação de que não é entendida ou de que não consegue entender as outras pessoas.
- É o indivíduo a quem se costuma chamar de “difícil”.
- Demonstra pouca ou nenhuma empatia e não consegue se aproximar dos demais.
- Pode ter dificuldade para lidar com emoções intensas, suas e de terceiros.
- Não estabelece uma conversa em um nível de cooperação. Perde o prumo, grita, descontrola-se.
- Enxerga apenas fatos e dados, ignorando valores e emoções.
- Utiliza-se da negação, “escondendo” emoções desagradáveis para não ter de encará-las e senti-las.
- Tende a sofrer com alto nível de estresse, o que pode acarretar adoecimento mental e físico.