Os corredores e os quartos serão mais vazios. O médico poderá realizar uma cirurgia mesmo estando em outro país, por meio de um adorável e preciso robô. Nada de grandes complexos: o prédio será menor e raramente você irá até ele, a não ser que se submeta a uma operação altamente especializada. Os serviços prestados serão mais abrangentes, passando por atendimento primário, pesquisa e laboratórios. Na rotina de uma consulta, antes mesmo de dar "oi", seu médico poderá saber quantos passos você deu naquele dia. Talvez você até esteja na sala de casa enquanto fala com ele, por meio de um monitor. Seja bem-vindo ao hospital do futuro.
Hospitais com essas características já existem, mas são exceção. É possível encontrá-los em países como Espanha, Suécia ou Estados Unidos. A previsão é de que tais modelos se multipliquem pelo mundo de forma a melhorar o bem-estar da população, reduzir erros médicos e abrir as portas, no sistema de saúde, para a inteligência artificial.
O Brasil tem mais de 6,9 mil hospitais (sendo 36% públicos) e 489,5 mil leitos, de acordo com balanço do Ministério da Saúde de 2014. Gastamos 9,5% do PIB por ano na área, considerando o setores público e privado. Apesar das cifras, não é resolvido o desafio que a saúde pública brasileira enfrenta e que tende a se agravar: a inversão na pirâmide demográfica.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida ao nascer aumentou de 69,8 anos em 2000 para 75,8 anos em 2016. E a previsão é de que em 2030 aumente para 78,6 anos. Parece muito? Bom, cientistas afirmam que o brasileiro que viverá 150 anos já nasceu.
E se idosos representavam 8,1% dos brasileiros em 2000, eles devem alcançar quase 30% em 2050. Tudo isso traz um novo problema. Quanto mais envelhecemos, mais ficamos doentes. Ainda segundo o IBGE, 40% da população tem alguma doença crônica, como diabetes, pressão alta ou Alzheimer.
Nas próximas décadas, isso deve se intensificar. Consequência: o sistema de saúde será bastante exigido e o sistema de saúde do futuro tem um grande desafio.
Para trazer as principais mudanças que devem afetar sua vida, GaúchaZH foi ao 5º Congresso da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), em São Paulo, no final de novembro. Confira o que está por vir.
DNA, um livro aberto
A cada consulta, aquela novela: descrever com minúcia sintomas, hábitos e histórico familiar para chegar a algum diagnóstico. No futuro, esse trajeto deve ganhar um atalho graças ao sequenciamento genético, uma prática na qual médicos identificam, no DNA, probabilidades para o desenvolvimento de doenças.
— Os hospitais de ponta serão mais proativos e farão sequenciamento de genoma para consultas mais precisas — diz Pablo Borràs, professor de inovação em saúde no Instituto de Estudos Superiores da Empresa (Iese), vinculado à Universidade de Navarra, na Espanha.
No futuro, o médico lerá o DNA do paciente como um livro aberto. Será possível prever os riscos de desenvolver problemas genéticos e, com isso, antecipar-se para possíveis tratamentos ou mesmo mudar hábitos de vida.
Essa tecnologia já está disponível em diversas clínicas mundo afora, mas ainda a preços muito altos. Uma dessas empresas, nos Estados Unidos, tem um lema que resume o propósito desse tipo de instituição: "Descubra a história do seu DNA". De posse dessas informações, o interessado poderá encarar a própria saúde de outra forma. Isso ajudará na prevenção e, consequentemente, os hospitais ficarão mais desafogados.
Ele, robô
Outra projeção dos especialistas em saúde é de que robôs auxiliem cada vez mais médicos na mesa da cirurgia. O especialista comandará o procedimento por meio de um computador e, ao ter maior precisão na hora de realizar cortes e pontos, reduzirá o risco de erro, os tempos de cirurgia, internação e recuperação.
A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil ocorreu em 2008, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A grande estrela foi o robô Da Vinci, especializado em retirada de próstata e que já chegou ao Rio Grande do Sul – ele atua no Hospital de Clínicas e no Hospital Moinhos de Vento. Em 2010, médicos do Hospital da Universidade de McGill University, no Canadá, fizeram uma cirurgia totalmente por meio da robótica, usando a tecnologia de nome italiano e um robô-anestesista. No ano seguinte, o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, fez a primeira ponte de safena totalmente robótica da América Latina.
— Hoje, cada vez mais eles são usados para a cirurgia de catarata, por exemplo. O futuro prevê bons diagnósticos associados a genoma e a inclusão de intervenções precisas, com o uso da robótica em cirurgias — diz André Médici, economista do Banco Mundial especializado em saúde.
Robôs também devem estar presentes no dia a dia dos hospitais no pré e no pós-operatório. Mark Britnell, sócio da Prática Global de Saúde da consultoria KPMG, descreve um caso de um hospital no Japão onde um robô levantou, sozinho, um idoso fraco do leito. O paciente ficou assustado, mas a equipe deu um jeito inusitado de acalmá-lo: no dia seguinte, vestiu o robô de coelho com a intenção de deixá-lo mais amigável.
Deve ganhar força, também, a impressora 3D. Hoje, a prótese precisa ser fabricada em outros locais e, na maior parte das vezes, não vem customizada. A perspectiva é de que, no futuro, a peça seja fabricada na hora e do tamanho adequado ao paciente, o que reduzirá o custo de cirurgias. E ela poderá auxiliar até mesmo em transplantes. Isso já aconteceu no Instituto Wake Forest de Medicina Regenerativa, nos Estados Unidos, onde um médico especializado em regeneração imprimiu uma espécie de rim para hemodiálise. A instituição também "imprime" outros órgãos para testar vacinas.
Cirurgias e consultas a distância
O paciente precisa retirar um tumor. Vai ao hospital, deita na maca e, após a anestesia, um robô começa os trabalhos. Ele está sendo controlado pelo médico, que acompanha tudo bem de perto... em outro continente. A telemedicina, nome dado para o contato entre médico e paciente feito a distância, é uma das grandes apostas para os hospitais no futuro. Junto aos robôs, essa proposta deve popularizar as cirurgias não presenciais. Em especial, isso é importante para regiões com pouco acesso a especialistas.
Os primeiros passos para isso já foram dados, inclusive aqui no Rio Grande do Sul. O Projeto Teleoftalmo-Olhar Gaúcho, uma parceria entre o Hospital Moinhos de Vento, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e os governos municipal, estadual e federal, permite consultas com oftalmologistas a distância, incluindo pacientes de outras cidades. De um lado, o paciente está em uma unidade básica de saúde. Do outro, o especialista controla, pelo clique do mouse, a máquina que troca as lentes do paciente.
Os pacientes serão monitorados de casa, com o suporte da tecnologia da informação.
PABLO BORRÀS
Professor no Iese, vinculado à Universidade de Navarra
De forma mais estruturada, isso ocorre no Hospital da Universidade de Karolinska, na Suécia, onde médicos acompanham o pós-operatório sem que o paciente precise sair de casa. Lá, o doente usa um medidor de pressão cujo resultado é enviado diretamente do hospital. A conversa ocorre por tablet e o especialista avalia se o encontro precisa ser presencial.
— Os pacientes serão monitorados de casa, com o suporte da tecnologia da informação — afirma Pablo Borràs, um dos responsáveis por um estudo sobre o futuro do sistema de saúde.
Internet das coisas
Boa parte das informações não será gerada por pessoas, mas por equipamentos tecnológicos. Os hospitais do futuro contarão com a internet a nos acompanhar em tempo real, mediante aplicativos de celular, roupas ou acessórios.
Tecnologias assim já existem, como relógios de monitoramento cardíaco e frequência respiratória. Outros aparatos estão em desenvolvimento, como uma lente de contato que mede a glicose e envia as informações para o celular, feita em parceria entre uma empresa suíça e o Google.
As informações devem ser enviadas diretamente à nuvem (banco de dados online) e atualizarão o tempo todo nosso prontuário eletrônico, ao longo da vida. Assim, o histórico estará disponível a qualquer médico de qualquer clínica ou hospital do país. E o paciente poderá marcar a consulta por aplicativo, tendo à disposição a agenda do médico.
— Os dados serão integrados entre hospitais, clínicas comunitárias e atendimento primário — diz Mark Britnell, analista da consultoria KPMG e autor do livro In Search of the Perfect Health System (Em Busca do Sistema de Saúde Perfeito, em tradução livre).
Cingapura é exemplo de um país que abraçou de vez a tecnologia. Lá, o médico acessa o prontuário médico do paciente da mesma forma como uma autoridade lê um prontuário policial no Brasil. Aqui, há uma movimentação do próprio governo para conquistar a população pelo celular. Em junho, foi lançado o e-Saúde, um aplicativo para conectar o cidadão ao SUS. E também há um esforço para a integração de prontuários. Cerca de 15,1 mil (35%) das 42,4 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm prontuário eletrônico, com informações sobre prescrição de remédios, exames e consultas. Mas isso deve mudar: até dezembro de 2018, todas devem estar informatizadas.
Segundo o secretário de Atenção à Saúde, Francisco de Assis Figueiredo, a ideia é unificar os prontuários para que qualquer médico que atenda a um paciente pelo SUS tenha o histórico, independentemente do Estado. Segundo o Ministério da Saúde, 50% dos exames feitos na rede pública não são retirados por pacientes:
— Isso vai gerar economia e agilidade no atendimento, porque o médico terá acesso ao prontuário eletrônico. Queremos que o médico atenda o paciente hoje e, se amanhã for necessário, outro médico terá o histórico de atendimento. E esperamos também que isso ocorra com os hospitais.
O hospital do futuro estará na tela do celular.
FRANCISCO BALESTRIN
Presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)
Supercomputador médico e engajamento do paciente
Os médicos de hospitais do futuro também terão robôs-conselheiros, movidos por aprendizado com base em algoritmos. A inteligência artificial em aprendizado constante irá consultar registros de milhões de pacientes de todo o mundo para ajudar o especialista a dar um diagnóstico mais preciso, a escolher um tratamento ou cirurgia com mais chance de acerto e mesmo a antever possíveis reações ou eventuais crises.
Esse futuro não está longe e é uma realidade de muitos hospitais de Israel, por exemplo. Nos Estados Unidos, o programa CancerLinq, ligado à Sociedade Americana de Clínica Oncológica, reúne informações de mais de 750 mil pacientes para auxiliar médicos na tomada de decisões. Mas não é preciso ir longe para encontrar exemplos: em setembro, o Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, adquiriu um software que compara a situação do paciente com a de milhares que estão no banco de dados, além de trazer os mais recentes estudos científicos acerca do assunto. Profissionais têm à mão as melhores práticas que a ciência traz sobre o tema antes de uma cirurgia ou no pós-operatório.
Esse conhecimento será o tempo todo compartilhado com o paciente, que ficará cada vez mais empoderado. Via aplicativos, será possível marcar consultas, acessar exames, conversar com o médico e obter informações sobre a própria saúde.
— O hospital do futuro estará na tela do celular — resume Francisco Balestrin, presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP).