O pedido foi feito por escrito, em uma folha de caderno, porque o pintor de automóveis Pedro Renato Klagenberg, 54 anos, de Viamão, já não consegue mais falar. "Eu te amo. Quer se casar comigo? Aqui no hospital. Nas horas difíceis, Deus sabe o que faz." Antes mesmo de concluir a leitura da carta, entregue ao amanhecer da última terça-feira (7) no Hospital Santa Rita da Santa Casa de Porto Alegre, a cozinheira Erli de Fátima Ribeiro, 52 anos, anunciou:
— Siiiim!
Renato e Fátima estão juntos há 34 anos e são pais de seis filhos biológicos e três adotivos – Renato tem ainda uma filha de outro relacionamento. Com um câncer de laringe diagnosticado dois anos atrás, que demandou cirurgia, químio e radioterapia, o pintor está recebendo cuidados paliativos, para alívio de sintomas – seu caso é grave e incurável. Depois de uma piora no quadro que quase o levou a óbito, o paciente se decidiu pelo casamento em uma conversa com o médico intensivista Rodrigo Kappel Castilho, coordenador do Programa de Cuidados Paliativos.
— A gente sempre quis casar, mas nunca dava. Vinha outro filho, gastava com outra coisa — recordou Fátima. — Estou feliz porque estou realizando um sonho, mas com o coração apertadinho porque sei o que vai acontecer depois — lamentou.
Cientes do pouco tempo disponível, 15 funcionários do hospital se reuniram em um grupo de WhatsApp para agilizar os preparativos, concluídos em pouco mais de 48 horas. Fala com um, consulta outro, a turma conseguiu terno para o noivo, maquiadora, cabeleireira e manicure para a noiva, dois bolos temáticos, doces e salgados, bebidas, um trio de voz e violão, dois buquês, flores para decoração, padre e pastora. Fátima alugou um vestido branco por R$ 300.
"Corre, eu estou morrendo, não tenho tempo a perder", pediu Renato à enfermeira Karine Zancanaro Reys, por escrito, na véspera da festa.
Na tarde desta quinta-feira (9), a movimentação era intensa no quarto 5309, dividido por uma cortina para que o casal não se enxergasse antes da hora – a noiva se preparava de um lado, e o noivo, do outro.
— Ah, meu pai! Você está um príncipe. Queria eu casar com você — derramou-se a filha Anelise Ribeiro Klagenberg, 29 anos.
— Viu como tá chique? — concordou Osmilda Adelaide Klagenberg, 77 anos, mãe de Renato.
Minutos antes das 16h, Fátima se escondeu no banheiro para que Renato pudesse ser levado, de cadeira de rodas, para a capela. Um torpedo de oxigênio estava preparado para o caso de o noivo sentir falta de ar. O pintor se sentia "feliz, entusiasmado e surpreendido com o ibope que deu este meu gesto", segundo informou em seu caderno. Sente-se nervoso? "Tô calmo, tô tranquilo." No caminho, Renato, muito emocionado, foi aplaudido pelos corredores.
Faltou espaço na capela para acomodar tantos convidados. Da porta, pacientes, acompanhantes e outros curiosos tentavam acompanhar o evento incomum. Misturavam-se pessoas em roupas de festa, jalecos, pijamas e camisolas hospitalares.
Fátima entrou ao som da Canção do Amor Talvez, de Padre Zezinho, que diz "o amor é dar abrigo se a tempestade vem". Sentado à esquerda do altar, Renato saudou a amada com um longo beijo. A impressão era de que todos os presentes choravam.
— O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca acabará — afirmou o padre Cláudio Damé.
Na hora de responder ao questionamento mais importante, os noivos ergueram cartazes com a palavra "sim".
— Eu os declaro marido e mulher. Casados! — vibrou a pastora Franciele Sander, que também conduziu a cerimônia de bênção nupcial.
Filas se formaram para os cumprimentos.
— Foi como eu esperava, uma emoção tão forte, pena que vai acabar logo — lastimou a cozinheira.
Para Renato, a solenidade superou suas expectativas. No bloco da repórter, ele anotou: "Realizado meu sonho". Haveria algo mais? "Depois de hoje, sei que tô limitado. Tô satisfeito com o que já consegui."
Os presentes seguiram então para o local da recepção, no mesmo andar. Deu-se ali a troca das alianças. Ao colocar o anel na mão do companheiro, Fátima declarou:
— Receba essa aliança com todo o meu amor. Quero que você me espere do outro lado, como combinou comigo.