Já sabemos que o hospital do futuro será calçado em muita tecnologia. Mas os novos processos não se encerram nela – aliás, há um consenso de que, sozinha, ela não gera revolução. A própria função do hospital deve mudar: ele só será acessado em operações de alto risco, como transplantes ou cirurgias neurológicas. Como resultado, a quantidade de instituições deve diminuir para dar lugar a clínicas de atendimento primário, uma tendência já observada na Europa.
— Teremos menos hospitais do que hoje. Eles irão se preocupar com eventos agudos e serão especializados, em vez de gerais. Além disso, irão se inserir em redes coordenadas pela atenção primária — afirma o especialista em planejamento de saúde Eugênio Vilaça Mendes, autor do livro As Redes de Atenção à Saúde e responsável por trabalhos de consultoria em vários países.
Na prática, eles ajudarão a integrar a rede já preconizada pelo SUS: estabelecimentos de atendimento primário à população (com médicos e enfermeiros comunitários e de família), clínicas com médicos especialistas ou hospitais-dia (com cardiologistas, oftalmologistas, dermatologistas aptos a realizarem cirurgias não complexas) e hospitais de médio porte para procedimentos altamente especializados, como um transplante de coração, por exemplo.
Se hoje os hospitais são só mais um elo na cadeia, no futuro se dividirão para consultas de rotina ou exames, focados em doenças crônicas. O Clinic de Barcelona, na Espanha, por exemplo, firmou convênio com centros de atendimento primário da região para formar uma rede integrada. Assim, o hospital fica desafogado. Movimento semelhante ocorre em hospitais de referência no Brasil, como o Albert Einstein, o Oswaldo Cruz e o Sírio-Libanês, todos em São Paulo.
— É importante reforçar o cuidado primário, não só em ter mais médicos de família, mas também mais fisioterapeutas, enfermeiros e outros profissionais. Além disso, a tecnologia está trazendo uma série de oportunidades e não ficará restrita aos hospitais. Você pode ter exames de imagem e telemedicina no cuidado primário. Reforçá-lo será central no futuro — defende o francês Eric de Roodenbeke, presidente da Federação Internacional de Hospitais (IHF, na sigla em inglês), entidade que reúne mais de 50 mil hospitais em cem países.
Menos tempo internado, mais saúde
As mudanças apresentadas nesta reportagem serão bem-vindas, pois estar no hospital também oferece riscos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 11% das pessoas têm infecções enquanto estão internadas, em países de baixa e média renda. E, a cada cinco minutos, três brasileiros morrem nesse tipo de local por falhas que poderiam ser evitadas, conforme uma pesquisa realizada em 133 hospitais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Segundo o levantamento divulgado no fim de novembro, 829 pessoas morrem por erros na dosagem de medicamentos, infecção hospitalar, fraturas ou trombose em decorrência de internação, entre outros. Isso sem contar que, enquanto lidam com problemas nem sempre graves, médicos deixam de atuar em pacientes com situação mais complicada. No futuro, isso deve mudar.
— A média de tempo que as pessoas ficam internadas no hospital já está caindo. E vai cair cada vez mais. O paciente não irá mais tanto ao hospital, o médico irá visitar o paciente. E as únicas camas que teremos no hospital serão na UTI, porque os leitos serão as próprias camas na casa das pessoas. Elas serão monitoradas de casa, com o suporte da tecnologia da informação. No futuro, hospitais estarão cada vez mais envolvidos em cuidar de doenças crônicas. E esta é a importância do cuidado primário e da interação com a rede — prevê Pablo Borràs, do Iese da Espanha.