Desastres climáticos, como os que atingiram o Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio, podem ser gatilhos para o desenvolvimento de diversas condições psicológicas. Entre elas, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) preocupa os especialistas. Devido à intensidade do trauma vivido nos últimos dias, vítimas e socorristas podem apresentar sintomas como flashbacks, evitação e alterações negativas no humor.
Sinais do TEPT podem aparecer após uma pessoa vivenciar ou testemunhar um evento traumático, como desastres naturais, acidentes, guerras ou episódios de violência. Quem perdeu a casa ou um familiar, precisou de resgate ou ajudou no socorro das vítimas pode desenvolver a condição. Estudos apontam o alto número de diagnósticos entre sobreviventes de tragédias como o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019, e o Furacão Katrina, nos Estados Unidos, em 2005.
— É esperado que tenha um alto número de casos de TEPT por causa das enchentes. Mas o que estamos vendo, neste primeiro momento, são reações agudas de estresse. Quando essas reações se mantêm do terceiro ao 30º dia após o ocorrido, trata-se de um Transtorno de Estresse Agudo (TEA). Essas reações tendem a diminuir com a passagem do tempo, mas caso se mantenham para além dos 30 dias, podemos mudar o diagnóstico para TEPT — explica o psicólogo e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Christian Haag Kristensen.
O especialista pontua, ainda, que as comorbidades são fatores de risco importantes para o desenvolvimento de TEPT. Segundo ele, a maioria das pessoas diagnosticadas com a condição já convive com outros problemas psicológicos, como depressão, ansiedade generalizada e transtorno do pânico, por exemplo.
A condição é caracterizada por quatro grupos de sintomas. O primeiro engloba os sinais relacionados à revivência do trauma e inclui flashbacks, pesadelos, lembranças e pensamentos intrusivos sobre o evento traumático. Já quando o paciente passa a evitar lugares, pessoas e situações que lembrem o trauma ou, ainda, não quer falar ou pensar sobre o assunto, trata-se dos sintomas que representam o segundo grupo.
Sentimento de culpa, vergonha e medo, e dificuldade de memória e de concentração são alterações negativas no humor e na cognição, sinais que fazem parte do terceiro grupo. O último é marcado pela hiperestimulação, ou seja, quando o paciente se mantém constantemente em estado alerta, irritado ou com perturbações no sono. Segundo Kristensen, é necessário apresentar sintomas dos quatro grupos para que uma pessoa seja diagnosticada com TEPT.
— O transtorno traz um prejuízo social e profissional para a vida da pessoa. É uma condição muito triste e limitante. A pessoa passa a evitar estímulos que façam ela lembrar do trauma. Então, se ela for no shopping e, por algum motivo, lembrar do que viveu, ela para de ir. Pode ser que, uma hora, a pessoa pare de sair de casa. É por isso que tem que tratar, para que a vida volte a ser produtiva e feliz. Se não for tratado, pode se tornar uma condição crônica — pontua a psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento Lorena Caleffi.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de TEPT pode ser feito por um psicólogo ou um psiquiatra, através de anamnese, entrevista clínica semiestruturada ou aplicação de questionários próprios para identificar o transtorno. As opções de tratamento disponíveis incluem psicoterapia e uso de medicamentos.
— Há técnicas psicoterapêuticas desenvolvidas justamente para tratar eventos traumáticos, como a estimulação sensorial para gerar memórias adaptativas, por exemplo. Já as principais medicações são as antidepressivas, mas há tratamentos com outras classes de medicamentos também — afirma o psiquiatra e coordenador do curso de Medicina da Universidade Feevale, Pedro Lombardi Beria.
Beria acrescenta que o TEPT tende a ser uma condição crônica com remissão de sintomas. Isso significa que algumas pessoas podem deixar de apresentar os principais sinais e, depois de um período, o transtorno pode ser reativado com situações traumáticas semelhantes. Nestes casos, é preciso receber um novo diagnóstico e reiniciar o tratamento.