Com a estrutura instalada e o devido financiamento, a rede de hospitais filantrópicos tem capacidade para enfrentar e resolver a atual crise da saúde no Rio Grande do Sul. A análise é do diretor-geral da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Júlio Flávio Dornelles de Matos, que participou de um debate sobre os desafios da saúde pública gaúcha nesta quarta-feira (3), ao lado de gestores de outras instituições na Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul).
Em coletiva de imprensa realizada antes do Tá na Mesa, representantes de hospitais da Capital, de Passo Fundo e de Carazinho destacaram a sobrecarga das instituições de saúde e apresentaram alternativas para mudar o atual cenário. Matos ressaltou que a crise do sistema de saúde na Região Metropolitana ocorre há alguns anos, mas piorou com a situação da Fundação Universitária de Cardiologia (FUC), que entrou com pedido de recuperação judicial em novembro de 2023.
A instituição atualmente é responsável pela administração do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, pelo Instituto de Cardiologia Hospital Viamão, pelo Hospital Regional de Santa Maria e pelo Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal, mas deixou recentemente a administração do Hospital de Alvorada e deixará, na próxima semana, a gestão do Hospital Padre Jeremias, em Cachoeirinha.
— Esses hospitais foram gradativamente reduzindo as suas condições assistenciais, até o momento em que o Estado resolveu intervir, trocando a gestão, que é o que está sendo feito agora. E essas demandas todas, não encontrando acesso nesses municípios, trouxeram uma sobrecarga para Porto Alegre, que já é um processo natural — comentou o diretor-geral, destacando que, em 2023, a Santa Casa atendeu pacientes de 491 dos 497 municípios gaúchos.
Matos também apontou que o Hospital Santa Clara, pertencente ao Complexo da Santa Casa, está superlotado, com 65 pacientes internados apesar de contar com apenas 24 leitos. Isso, segundo o gestor, pressiona toda a infraestrutura da instituição. Diante do cenário de crise, ressaltou que o governo do Estado precisar colocar em plena funcionalidade a estrutura do entorno de Porto Alegre e financiar de forma adequada os hospitais filantrópicos:
— Se a gente olhasse dentro de uma política pública, de uma melhor distribuição de recursos públicos que existem, talvez a gente pudesse ter um olhar diferente para tudo isso. Se assegura: o sistema filantrópico tem capacidade instalada para resolver a crise, desde que seja financiado.
O diretor-geral acrescentou ainda que essa situação ocorre porque realmente há uma limitação de recursos e que hospitais que trabalham com o Sistema Único de Saúde (SUS) apresentam grande déficit em suas contas. No caso da Santa Casa, o valor negativo anual pelo custo desses atendimentos é de R$ 150 milhões — para pagar, é preciso buscar margem de resultado na assistência dos planos de saúde, sendo que o segundo maior do Estado é o IPE, que também apresenta problemas de financiamento.
Já no Hospital de Clínicas de Carazinho, que tem 80% dos atendimentos pelo SUS, o déficit anual foi de R$ 17 milhões, conforme o presidente da instituição, Jocélio Cunha.
— Estamos com uma situação muito complexa, bastante difícil, que está se agravando agora com essa situação do IPE, porque o IPE é o que concentra um número muito grande de usuários. O grau de dificuldade e problema é o mesmo em todos os hospitais — comentou Cunha.
Para Luciney Bohrer, administrador do Hospital de Clínicas de Passo Fundo, o modelo existente de repasses para atendimentos pelo SUS faz com que qualquer empresa esteja “fadada a falir”. O agravante de tudo isso, acrescentou, é que os hospitais estão se autofinanciando e aumentando seu endividamento cada vez mais. Bohrer citou um estudo do ano passado que apontou que hospitais tinham mais de R$ 1,6 bilhão de financiamento em bancos, além do fato de que algumas instituições não conseguirem pagar a luz e a água de suas instalações.
— Então, é claro que esses hospitais vão ter problemas sérios pela frente. Por isso, acho que precisa de uma rediscussão do modelo de remuneração — disse, destacando que, em sua opinião, também faltam hospitais.
Rogério Pontes Andrade, diretor administrativo financeiro do Hospital São Lucas da PUCRS, lembrou que o Estado perdeu 538 leitos SUS nos últimos seis anos, justamente em função do endividamento dos hospitais. Também enfatizou que o RS depende muito das instituições filantrópicas para realizar os atendimentos e que as mudanças do IPE devem impactar em um aumento ainda maior da demanda.