Ouvir o som dos pássaros e das cachoeiras, sentir o vento nos cabelos, colocar os pés na grama e na terra. O contato com a natureza costuma render relatos associados a tranquilidade, sossego e até mesmo conexão com a espiritualidade. A ciência explica, por meio de pesquisas e levantamentos, que esta proximidade traz benefícios para corpo e mente, contribuindo com a saúde dos seres humanos.
Uma prática introduzida no Japão, há 40 anos, poderá se tornar uma política pública pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O "banho de floresta" (shinrin yoku), uma terapia que consiste em reduzir o estresse a partir do contato com a natureza, é o centro de uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
As instituições assinaram um Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, previsto para durar cinco anos, entre 2021 e 2026, que deverá se tornar um documento científico a ser entregue para avaliação de gestores do SUS no país.
— Existem abundantes evidências sobre os vários efeitos positivos sobre diferentes aspectos de nossa fisiologia e nosso bem-estar subjetivo. No entanto, os mecanismos biomédicos e psíquicos subjacentes ainda estão sendo investigados — conta o professor e ecopsicólogo gaúcho Marco Aurélio Bilibio, diretor do IBE.
A ideia de implementar este tipo de terapia no Brasil veio depois que cientistas japoneses descobriram que caminhar, contemplar e respirar em meio ao ambiente de uma floresta regula a pressão arterial, os batimentos cardíacos, o nível geral de relaxamento e a qualidade do nosso sono. A diminuição da presença de hormônios associados ao estresse está atrelado, segundo os estudos, ao aumento em mais de 50% da presença de células antitumorais na circulação sanguínea.
Entusiasta do "banho de floresta" desde que conheceu a prática, nos anos 1980, Bilibio cita que a natureza afeta a saúde do ser humano por meio do contato direto, inclusive o sensorial (visual, auditivo, olfativo e tátil) e não sensorial – luz solar, micróbios e fitoncidas (substâncias presentes no ar das florestas).
— Estimula nosso corpo e produz efeitos de promoção da saúde no sistema imunológico, no sistema nervoso, no sistema hormonal e isso se expressa no humor. O contato com árvores possui efeito ansiolítico e antidepressivo, por exemplo. Também melhora a qualidade do sono— relata o especialista, que atualmente mora em Brasília, mas não esquece dois lugares da infância: a área de eucaliptos no Parque da Redenção, em Porto Alegre, e uma fazenda em Bagé, na fronteira oeste do RS, onde passava férias.
Bilibio reforça que a terapia em questão não é um substituto para o tratamento adequado de quadros clínicos, especialmente quando se apresentam graves. Segundo ele, no entanto, o "banho de floresta" é um "poderoso auxiliar" ainda a ser incorporado pela comunidade médica e da saúde mental.
— A natureza pode promover a saúde pública por meio da modificação de fatores ambientais negativos ou tóxicos, como poluição do ar, ruído, calor. Em tempos de mudanças climáticas, os parques e a arborização das cidades, criando sombra, ajudarão a mudar o microclima desses lugares e aliviar os efeitos mais severos do aquecimento. Incentiva estilos de vida mais saudáveis, como exercícios físicos ao ar livre — exemplifica.
Entenda a técnica
O diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, Marco Aurélio Bilibio, diz que os benefícios do contato com a natureza estão bem documentados pela ciência. Somente sobre o "banho de floresta" há cerca de 274 mil estudos, segundo ele. A técnica propõe uma experiência meditativa, de silêncio, observação e trocas entre a pessoa e a natureza:
- Ao chegar em uma floresta ou área verde, como um parque ou jardim botânico, a pessoa deve buscar se acalmar, contemplar o ambiente a sua volta e prestar atenção ao movimento dos pés, e deixando todos os sentidos atentos, permitindo uma imersão completa de sua consciência no ambiente da floresta
- Entre atividades propostas, estão a observação detalhada de pequenos objetos, uma caminhada lenta e a tentativa consciente de ampliar a percepção dos sentidos
- O ideal é que a terapia florestal seja realizada de forma individual e sem interferências. Procure um ambiente natural tranquilo, vá sozinho e fique em silêncio ou, se for em grupo, combinem de só conversar ao final da experiência
- Benefícios podem ser sentidos com caminhadas a partir de 40 minutos, mesmo que sejam ocasionais
Melhora na capacidade de atenção
Cientistas da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, publicaram na revista Nature um estudo no qual selecionaram 92 voluntários, que foram submetidos a um teste de atenção que exigia muito esforço mental, deixando-os esgotados. Depois, foram divididos em dois grupos: metade caminhou durante 40 minutos numa área de bosques e os demais num ambiente urbano. Durante o teste, os participantes foram monitorados por meio de exames de eletroencefalograma (EEG), que mapeiam a atividade elétrica em regiões do cérebro.
O objetivo era investigar não só a capacidade de restauração da atenção, mas aspectos como o controle executivo, que envolve os processos de planejamento e gerenciamento de ações voltadas a determinado objetivo.
Ao final da caminhada, todos repetiram o teste e reportaram como se sentiam. Esses dados, aliados aos resultados do EEG, revelaram que a simples caminhada leve, em qualquer ambiente, melhora a atenção e ajuda a recuperar as funções. No entanto, os que andaram em contato com a natureza se saíram melhor nas tarefas de controle executivo e relataram maior recuperação que os demais.
— O estudo sugere que a natureza permitiu que os mecanismos neurais relacionados ao controle executivo descansassem e se recuperassem. Ou seja, essas pessoas conseguiram completar melhor a tarefa após a caminhada — avalia Eliseth Leão, pesquisadora e docente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.
A poluição sonora, por exemplo, está associada a maiores níveis de estresse, agitação e preparação para uma desnecessária luta ou fuga (uma reação que ocorre na presença de algo ameaçador). Alguns estudos indicam inclusive a associação entre a poluição do ar e o desempenho estudantil
ELISETH LEÃO
Professora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein
Para a professora, a ativação da rede de atenção humana é o que permite direcionar a concentração e manter o foco. Segundo os autores, o teste reforça a teoria de que, na natureza, a pessoa se afasta de fatores estressantes e fica mais confortável. Além disso, a atenção não é dirigida em um ambiente natural, diferente de olhar para uma tela de celular ou ficar no trânsito, por exemplo.
— A atenção é captada de forma suave por algo que nos atrai pela beleza — explica Eliseth.
O ser humano percebe o mundo por meio dos sentidos. Quem vive em grandes centros está exposto a um bombardeio de estímulos, principalmente visuais e auditivos.
— A poluição sonora, por exemplo, está associada a maiores níveis de estresse, agitação e preparação para uma desnecessária luta ou fuga (uma reação que ocorre na presença de algo ameaçador). Alguns estudos indicam inclusive a associação entre a poluição do ar e o desempenho estudantil — afirma a professora.
Isso ocorre porque evolutivamente sons altos sempre representaram, e em muitos casos ainda representam, um perigo (como o urro de um animal ou a explosão de uma bomba).
— Nos grandes centros, o acúmulo e a superexposição acabam exercendo um papel semelhante ao despertar uma reação mediada pelos hormônios do estresse. Isso sem contar a superexposição à tecnologia, que consome atenção e produz desgaste mental —pontua a pesquisadora.
Tirar o pé do acelerador
A pesquisadora Eliseth Leão aconselha que momentos de pausa são necessários e devem fazer parte do cotidiano, mesmo de quem mora em grandes centros urbanos. O estudo da Universidade de Utah demonstra que ambientes naturais e caminhadas leves têm efeitos sobre a fadiga mental e os processos cognitivos.
— Estes estudos demonstram o papel da beleza na restauração não só da fadiga mental, mas também emocional — destaca.
Há, ainda, outras técnicas que ajudam igualmente nessa recuperação, promovendo o relaxamento e mudanças nas ondas mentais, como meditação, contemplação de imagens da natureza que promovam emoções positivas e ouvir música.
Para todas as idades
Em janeiro deste ano, um estudo da Universidade Estatal de Washington, nos Estados Unidos, foi publicado na revista científica Health & Place, abordando as vantagens para a população idosa. Conforme a pesquisa, a exposição a espaços verdes (florestas, sítios, parques) ou azuis (rios, lagos) pode ajudar a prevenir, retardar ou mesmo tratar problemas de saúde mental em adultos mais velhos. Pesquisadores coletaram dados de mais de 42 mil pessoas com 65 anos ou mais que viviam no perímetro urbano do estado de Washington entre 2011 e 2019.
Um aumento de 10% na proximidade com esses tipos de ambiente – principalmente os espaços azuis – está relacionado à redução de sofrimentos psicológicos graves que requeiram tratamento profissional. O contato com a natureza pode mitigar a prevalência de doenças não transmissíveis e doenças mentais e melhorar a percepção da saúde e do bem-estar entre pessoas desta faixa etária.
Já o impacto dos espaços verdes e azuis para crianças, sobretudo as com deficiência, foi o enfoque de estudo da Universidade Heriot-Watt, de Edimburgo, na Escócia. Publicada com artigo científico na mesma Health & Place, em novembro de 2023, a pesquisa apoia uma relação positiva significativa entre a exposição a longo prazo aos espaços verdes e a saúde mental dos pequenos.
O estudo avaliou presença de pastagens, florestas e árvores ao redor dos bairros escolares. A pesquisa concluiu que um aumento de 10% nestes três tipos de paisagem contribui com o acompanhamento de crianças com autismo. Ainda, segundo o levantamento, reduz taxas de depressão em 6% (8% em crianças que moram em zonas centrais).
8 pontos positivos dos espaços verdes
- Reduzem os picos de estresse
- Melhoram o fluxo sanguíneo
- Diminuem os níveis de cortisol e a pressão arterial
- Facilitam o processo de cura
- Reduzem dores e desconfortos
- Melhoram o humor
- Tornam a pessoa mais alegre, satisfeita e positiva
- Aprimoram a memória e a concentração