As doenças renais crônicas (DRC) estão presentes na vida de cerca de 10 milhões de pessoas no Brasil e são um desafio para a medicina por conta das dificuldades do diagnóstico precoce. Elas podem levar o paciente à morte se não tratadas e são mais comuns em pessoas com diabetes e hipertensão.
Nesta quinta-feira (14), é comemorado o Dia Mundial do Rim, um evento anual promovido pela Sociedade Internacional de Nefrologia (ISN na sigla em inglês) e a Federação Internacional de Fundações do Rim (IFKF na sigla em inglês) para informar a população sobre doenças renais, prevenção e incorporação de práticas saudáveis. Médicos dizem que quadros graves costumam se manifestar quando os rins já estão em parte comprometidos, o que reforça a necessidade de realizar exames regulares para detectar a doença. Outra condição comum que prejudica o funcionamento dos órgãos é o cálculo renal – pedras nos rins –, que podem ser evitados com mudanças de hábitos alimentares, ingestão constante de água e exercícios físicos.
Os rins são órgãos que atuam como filtro do corpo humano e metabolizam o que é consumido, ou seja, transformam os nutrientes dos alimentos em energia. Segundo a nefrologista Juliana Manhães de Andrade, responsável técnica pelo Serviço de Hemodiálise da Santa Casa de Porto Alegre, os rins também atuam na produção de eritropoietina, hormônio que participa da formação das hemácias – células que transportam oxigênio pelo sangue.
— Os rins controlam o metabolismo da água, do sal, que regulam a pressão arterial, e são os responsáveis pelo metabolismo de diversos medicamentos. Têm uma participação no controle do desenvolvimento ósseo e produzem vitamina D ativa, regulando o cálcio e o fósforo. Também funcionam como um filtro: excretam as substâncias que consumimos durante o dia — explica.
A insuficiência renal ocorre quando os rins perdem a capacidade de filtrar o sangue e eliminar as toxinas do organismo e pode ser desencadeada por infecções urinárias e obstrução dos ureteres – ligação dos rins à bexiga.
Diabetes, hipertensão e outros fatores de risco
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que doenças renais crônicas prejudiquem a vida de 850 milhões de pessoas em todo o mundo, além de causar 2,4 milhões de mortes por ano. No Brasil, em 2022, o número estimado de óbitos foi de 27 mil, segundo o Censo Brasileiro de Nefrologia, divulgado no fim do ano passado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). As doenças renais são mais comuns em pessoas com diabetes e hipertensão.
Há, porém, outros fatores de risco: histórico de doença do aparelho circulatório – doença coronariana, acidente vascular cerebral (AVC), doença vascular periférica, insuficiência cardíaca – histórico de DRC na família, tabagismo e uso de medicamentos. O empecilho para o início do tratamento é detectar a enfermidade, segundo Roberto Berdichevski, chefe do Serviço de Nefrologia do Hospital Mãe de Deus:
— A doença renal é silenciosa: é só através de exames que conseguimos detectá-la nas fases iniciais. Por isso, é importante que o médico solicite exames de dosagem de proteína ou albumina na urina e de dosagem de creatinina no sangue. É uma doença que pode ser prevenida se detectada em uma fase precoce a partir de exames simples, que podem evitar a necessidade de diálise ou transplante.
Conforme a nefrologista Juliana, da Santa Casa, é comum o paciente acometido pela doença chegar debilitado ao hospital, com a necessidade de um iniciar um tratamento específico.
— Em muitas vezes, a doença já está avançada quando é diagnosticada. A verificação da pressão arterial é importante, porque ela aumenta quando os rins perdem a capacidade de eliminar água e sal — acrescenta a médica.
A doença renal é silenciosa: é só através de exames que conseguimos detectá-la nas fases iniciais. [...] É uma doença que pode ser prevenida se detectada em uma fase precoce a partir de exames simples, que podem evitar a necessidade de diálise ou transplante.
ROBERTO BERDICHEVSKI
Chefe do Serviço de Nefrologia do Hospital Mãe de Deus
Bons hábitos ajudam na saúde dos rins
O cálculo renal, conhecido como pedra no rim, é outro problema comum: especialistas estimam que uma em cada oito pessoas sofrerá durante a vida. A condição é caracterizada por formações endurecidas que se estabelecem nos rins ou nas vias urinárias, originadas pelo acúmulo de cristais na urina.
— A pedra no rim é causada pelo acúmulo excessivo de um determinado componente, cálcio, oxalato e ácido úrico, assim como falta de elementos como citrato. A pouca ingestão hídrica, bem como o consumo excessivo de sal e proteínas, são fatores de risco para a formação. No verão é mais comum a formação dos cálculos, principalmente pela sudorese excessiva e pouca ingestão de água, o que deixa a urina mais concentrada — pontua Roberto Berdichevski.
O principal sintoma do cálculo renal é a dor forte, que tem origem nas costas e se espalha para o abdômen em direção à virilha. O desconforto pode se manifestar em cólicas – pico de dor intensa seguido de certo alívio. Outras consequências incluem náuseas, vômito, sangue na urina, suspensão ou diminuição do fluxo urinário, necessidade de urinar com mais frequência e infecções urinárias.
Evitar a formação de cálculo renal requer, portanto, hidratação frequente, em especial nos dias com temperatura elevada, que fazem o corpo eliminar líquidos para manter o equilíbrio térmico. Berdichevski salienta:
— A água impede que a urina fique concentrada a ponto de formar pedra. A orientação, para qualquer pessoa, é tomar dois litros do líquido por dia. Essa quantidade deve ser aumentada no caso de quem tem tendência a formar pedra nos rins, para que ela urine ao menos dois litros por dia.
Somado a isso, a prevenção à formação dos cálculos renais deve ocorrer por meio de uma mudança nos hábitos de vida: redução do consumo de sal e de alimentos ricos em proteína animal, perda de peso e manter atividade física regular.
Patologias e sinais
- A doença renal causa diversas consequências na saúde do paciente: cansaço, dificuldade para se concentrar e dormir, apetite reduzido, inchaço ao redor dos olhos e pele seca e irritada estão entre as mais observadas nos pacientes.
- Uma das patologias mais comuns que afetam a saúde dos rins são os cistos renais. A doença decorre da formação de bolsas de líquido no interior do tecido renal. Nos casos mais simples, ocorre no processo de envelhecimento humano e tem caráter benigno, apesar de causar dor e, por vezes, sangramentos e infecções.
- Há, porém, situações complexas da patologia, que demandam cuidado médico rotineiro, segundo a nefrologista Juliana Manhães de Andrade. Nesses casos, os cistos apresentam um contorno irregular, podem apresentar calcificações, um conteúdo no interior dele pode ser sólido. Essas são lesões que precisam de acompanhamento e podem representar uma lesão maligna.
- Existem outras doenças renais comuns, que podem causar insuficiência a partir de infecções urinárias e obstrução dos eretérios. A hidronefrose é uma dilatação do sistema coletor no sistema urinário, que ocorre quando a urina fica presa nos rins e não chega à bexiga. É causada pela obstrução do canal da urina, que pode decorrer dos cálculos renais e também da próstata.
- A doença renal policística é hereditária, causa aumento gradual dos rins e costuma manifestar-se a partir dos 30 anos. Provoca dor, especialmente na região abdominal, e pode levar a quadros de insuficiência renal.
Tratamento via diálise ou até transplante
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a prevalência da doença renal crônica no mundo é de 7,2% para indivíduos acima de 30 anos e 28% a 46% em indivíduos acima de 64 anos. Quando há comprometimento das funções renais, o paciente pode ser tratado na Terapia Renal Substitutiva (TRS), dividida em hemodiálise e diálise peritoneal.
A hemodiálise é a mais comum: 153.831 mil pessoas realizam o tratamento no país em 2022, conforme o Censo Brasileiro de Diálise. A nefrologista da Santa Casa afirma que, nessa abordagem, o paciente é conectado a uma máquina por meio de um cateter ou uma fístula arteriovenosa – conexão entre uma artéria e uma veia–, durante três sessões semanais, com duração aproximada de quatro horas cada.
— O sangue do paciente passa por um filtro onde vão ocorrer trocas com um líquido da hemodiálise através de uma membrana. Dessa forma, as toxinas, os sais minerais e os líquidos em excesso são separados e o sangue vai retornar para o paciente cada vez mais limpo — resume Juliana Manhães de Andrade.
A especialista ressalta que as sessões são fundamentais para a saúde, porque a hemodiálise é feita quando há menos de 10% da função dos rins em funcionamento. Ela destaca que, conforme o quadro clínico, há a liberação do paciente para atividades físicas, trabalho e práticas sociais e mesmo viajar.
— Tanto no Brasil quanto no Exterior, as clínicas compartilham um sistema que permite realizar o tratamento fora de sua cidade, que é chamado de diálise em trânsito — diz a nefrologista. — Faz parte do tratamento dialítico a elaboração de uma dieta balanceada e personalizada e o acompanhamento de líquidos ingeridos para evitar excessos.
A outra opção de tratamento é a diálise peritoneal, processo que limpa o sangue e excreta o líquido acumulado nos rins através de um líquido enviado por um cateter ligado à região abdominal.
Nos casos mais graves, o transplante de rim pode ser o escolhido. O Brasil realizou 4,4 mil desses procedimentos entre janeiro e setembro de 2023, no último levantamento de transplantes de órgãos realizado no país, cerca de 90% financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
*Colaborou Lucas de Oliveira