Um estudo liderado pelo professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Christian Kieling, aponta que uma em cada 10 pessoas ao redor do mundo, na faixa etária entre cinco e 24 anos — cerca de 293 milhões de crianças, adolescentes e jovens adultos —, apresenta, ao menos, um transtorno mental.
O trabalho foi publicado como artigo na revista científica Jama Psychiatry, da Associação Médica Americana, na semana passada. A pesquisa “Prevalência e incapacidade de transtornos mentais na infância e adolescência ao redor do mundo” utilizou informações do banco de dados internacional Global Burden of Disease (GBD) de 159 países.
— O GBD surgiu na década de 1990 e vem se consolidando como a principal referência de dados de saúde no planeta. Assim, pudemos observar a prevalência das doenças, que é a frequência que a condição acontece, e o impacto de redução de qualidade de vida em anos vividos em diferentes populações — explica Kieling.
Foram levados em conta transtornos como ansiedade, déficit de atenção/hiperatividade, espectro autista, bipolar, transtornos de conduta, depressivos, alimentares, além de deficiência intelectual, esquizofrenia e outros transtornos associados ao uso de drogas e por uso de álcool.
A prevalência para o conjunto dos transtornos mentais foi praticamente o dobro no grupo de 20 a 24 anos em relação no grupo de cinco a nove anos, segundo o estudo.
No transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, a prevalência apresentou um pico dos 10 aos 14 anos, caindo nas idades seguintes, mas sempre maior entre meninos.
Já a prevalência dos transtornos depressivos apresentou um aumento constante ao longo dos períodos avaliados, sempre maior no sexo feminino.
— Fomos propositalmente até a faixa dos 24 anos porque, dentro das notificações neurobiológicas e psicológicas, não há uma mudança muito grande no ponto de corte dos 18 anos, como é tradicionalmente utilizado. Sabemos que, muitas vezes, a adolescência, entra nos “vinte e poucos anos”, por isso estendemos o nosso estudo — conta o professor da UFRGS.
Mais impacto do que outras doenças
Kieling destaca que o trabalho foi dividido em quatro faixas etárias (cinco a nove anos, 10 a 14, 15 a 19 e 20 a 24). Se por um lado, o primeiro grupo tem uma prevalência de 7%, os jovens adultos, a partir dos 20 anos, registraram 14% de transtornos mentais, o dobro em relação à idade mais nova.
— (O resultado) Significa que há um crescimento no impacto mas, também, uma janela de oportunidades para trabalharmos ações de prevenção. E o melhor período para isso é na infância e na adolescência — pondera o pesquisador.
O estudo também indicou que 20% de todos os anos de uma vida saudável, eventualmente impactados por problemas de saúde mental, estão concentrados entre cinco e 24 anos, antes da entrada na fase adulta. O professor da UFRGS relata que o período vivido com incapacidades pode comprometer essa transição, interferindo em aspectos como produtividade e capacidade de assumir responsabilidades.
— Os transtornos mentais são o principal grupo a impactar a faixa etária analisada, acima de câncer, diabetes ou acidentes. É a primeira causa de perda de vida saudável para esta população — enfatiza Kieling
O trabalho contou a participação de pesquisadores internacionais, do Canadá e Estados Unidos, e do Brasil, incluindo os professores UFRGS Luis Augusto Rohde, Arthur Caye e Claudia Buchweitz.
Os três transtornos mentais com maior impacto em cada uma das faixas etária de interesse foram os seguintes:
- Entre crianças (cinco a nove anos): transtornos de ansiedade, transtorno de conduta e deficiência intelectual
- Entre pré-adolescentes (10 a 14 anos): transtorno de conduta, transtornos de ansiedade e transtornos depressivos
- Entre adolescentes (15 a 19 anos): transtornos depressivos, transtornos de ansiedade e transtorno de conduta
- Entre adultos jovens (20 a 24 anos): transtornos depressivos, transtornos de ansiedade, e transtornos por uso de drogas