O número de transplantes de órgãos no Rio Grande do Sul voltou aos patamares pré-pandemia em 2023 após anos de números impactados pela pandemia de covid-19. Entre as causas, estão a diminuição dos riscos de contaminação e a redução de sobrecarga dos hospitais, fatores ressaltados nos anos de 2020, 2021 e 2022. A análise é do coordenador da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul, Rafael Ramon.
No ano passado, foram 715 procedimentos, 20,16% a mais do que em 2022, quando foram registrados 595 procedimentos. Os números consideram os transplantes de órgãos (rim, coração, pulmão e fígado) e excluem tecidos, como córneas, pele e ossos. Na comparação com 2019, o último ano antes da pandemia, há uma estabilidade, variação negativa de 0,83%, com 721 transplantes. Conta a favor dos bons indicadores o aumento de campanhas e a exposição do tema como ocorreu durante o transplante cardíaco do apresentador Fausto Silva.
Para este ano, o Estado corre contra o tempo para reduzir a lista de espera. Nesta quinta-feira (8), havia 2.650 pacientes na lista de espera por órgãos e córnea, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde. A meta do ano é aumentar o número de doadores falecidos efetivos em 5,26%, passando de 285 para 300. O objetivo é alcançar 1.610 transplantes de órgãos e córnea em 2024, aumento de 7,3% ante os 1.500 de 2023. De acordo com Ramon, transplantes de outros tecidos além da córnea não são incluídos na meta porque há uma menor demanda por eles.
Outra meta é aumentar para 850 (+1,43%) as notificações de morte cerebral (parada de todas as funções do cérebro como consequência de lesão grave na cabeça ou falta de oxigenação), única situação em que o falecido pode ser doador de órgãos.
Em 2023, já houve um aumento dessas notificações e consequentemente mais potenciais doadores no Estado. Para constatar a morte de um potencial doador, são feitos dois testes e um exame cerebral. De todas as vítimas de morte cerebral notificadas no Rio Grande do Sul, apenas 285 se tornaram doadoras efetivos.
Após a pandemia, as pessoas estão menos reclusas em casa, o que aumenta o número de acidentes de carro ou traumas relacionados a quedas, explica a coordenadora de transplantes da Santa Casa, Joana Junqueira. Consequentemente, é maior o número de vítimas de morte cerebral e, portanto, doadores falecidos.
Entre os hospitais de referência em transplantes no Rio Grande do Sul estão a Santa Casa – que em 31 de dezembro de 2023 alcançou a marca de seis mil transplantes de rim em toda a sua história – e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que chegou a um total de 10 mil transplantes de órgãos em outubro.
Segundo Rafael Ramon, cada doador falecido pode salvar até oito vidas e o aproveitamento médio é de três a quatro órgãos por doador. O transplante pode não ser efetivado por algumas condições médicas, como a detecção de câncer ou HIV no doador, mas a causa de 45,8% da não efetivação ainda é a negativa familiar.
Em 2023, 44,22% das famílias que negaram a doação disseram que o falecido não era doador em vida (39,84%) ou que não sabiam se ele tinha vontade de doar (4,38%). Enquanto isso, a negativa por motivos religiosos, por exemplo, é de apenas 3,58%.
— A decisão final é da família. A gente vai conversar, mas quando a família sabe que a pessoa era favorável ela vai autorizar. É um momento difícil para as famílias, porque é uma tragédia. Por isso é tão importante o acolhimento no hospital — diz o coordenador.
Por conta da não-efetivação as campanhas estimulam os cidadãos a falar às pessoas próximas que são favoráveis à doação. Para reforçar o desejo de ser doador, é possível fazer um registro em cartório.
Outra maneira é participar do programa Doar é Legal, iniciativa do Poder Judiciário Gaúcho que possibilita o preenchimento eletrônico de uma certidão, sem fins jurídicos, que mostra que o cidadão é favorável à doação de órgão. O certificado pode ser enviado a amigos e familiares ou publicado em redes sociais.
Tendência de crescimento
Para alavancar o número de transplantes, em 2023, foi aprovado o primeiro Plano Estadual de Transplantes do Rio Grande do Sul, que deve ser divulgado em 26 de fevereiro deste ano, segundo Ramon. Ele prevê metas para o Estado e mais capacitação e treinamentos tanto para a retirada dos órgãos tanto para a humanização e acolhimento da família do potencial doador. Também inclui determinações sobre a produção de relatórios e composição de comissões hospitalares.
— Com a pandemia, muitas pessoas que trabalhavam nas comissões foram deslocados. A ideia é que as equipes se reorganizem e que haja profissionais que só façam isso ou dediquem uma parte do expediente para isso — conta o coordenador.
Há também o Gedott, um novo sistema informatizado que está em desenvolvimento. Sua função vai ser otimizar e padronizar a primeira etapa do processo de notificação e documentação do doador. O sistema deve começar a ser utilizado no segundo semestre deste ano.
Outra medida foi a modificação no programa Assistir, em 2023. O objetivo da política é incentivar a realização de transplantes em hospitais. Antes, os repasses eram baseados no número de leitos de UTI e agora estão ligados às notificações de morte cerebral e autorizações para a doação.
— Agora, os hospitais recebem mais recursos quando têm mais doadores. Esses recursos vão diretamente para salas de acolhimento das famílias e equipes trabalhando em doadores. Tudo vai contar como pontuação — explica Ramon.