O anúncio de que a vacina contra a covid-19 será ofertada somente para grupos prioritários pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2024 levantou dúvidas sobre o acesso ao imunizante pelo restante do público. De acordo com a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVac), as doses ainda não estão disponíveis na rede privada, porque as fabricantes não fizeram essa oferta para o setor — somente a vacina da AstraZeneca esteve à disposição por um tempo, mas, atualmente, não está.
GZH consultou clínicas privadas e farmácias de Porto Alegre sobre os imunizantes e constatou que nenhum dos estabelecimentos possui doses disponíveis neste momento. Algumas, entretanto, demonstraram intenção de obter as vacinas, caso as fabricantes façam a oferta. A Multivacinas foi uma delas. Segundo Carolina Costa, enfermeira do local, a clínica tem interesse em adquirir os produtos para atender o público que não será contemplado na rede pública:
— A princípio, a clínica teria interesse, sim. Porém, os laboratórios ainda não entraram em contato para ofertarem a compra dessa vacina para as clínicas privadas.
A Vaccicare também informou que oferecerá as vacinas que estiverem disponíveis no mercado, “provavelmente mais de uma opção/laboratório, entre eles Pfizer e AstraZeneca”, mas que ainda não tem valores estabelecidos. Já a ImuneSafe e a Imunitá disseram que não têm interesse ou planejamento para ofertar os imunizantes neste momento.
A Panvel afirmou, em nota, que “está em negociação com a indústria para definir seu fornecedor” e que, a partir disso, “poderá estabelecer o cronograma de chegada e preços”. Já a São João informou apenas que não trabalha com o imunizante contra a doença.
Decisão acertada, conforme especialistas
A inclusão das doses contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação a partir de 2024 foi divulgada pelo Ministério da Saúde na terça-feira (31). Com isso, será priorizada a imunização de crianças de seis meses a menores de cinco anos e dos grupos de maior risco de desenvolver as formas graves da doença (veja lista abaixo). Esses públicos devem ser contemplados anualmente, mesmo modelo usado para a vacina contra a gripe.
Conforme a pasta, os demais públicos, como adultos sem imunossupressão, não serão o foco da vacinação anual – contudo, esse cenário pode mudar de acordo com o surgimento de novas variantes ou mudanças no cenário epidemiológico.
Para especialistas, a decisão da pasta está adequada ao atual momento, em que a doença se manifesta de maneira mais grave em grupos específicos. A repetição anual da dose também é bem-vista. Eduardo Sprinz, médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), lembra que se trata de um vírus novo e que não se sabe qual caminho seguirá futuramente:
Temos que batalhar para que as vacinas continuem disponíveis para pessoas dos grupos de risco e que os antivirais que comprovadamente funcionam também estejam disponíveis para essa população. Então, baseado na realidade atual, é sim uma medida adequada.
EDUARDO SPRINZ
Médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)
— Continuamos aprendendo com ele e ele continua sua evolução, acumulando mutações e se transformando. Não sabemos até onde vai. Também não sabemos quanto tempo a proteção induzida pelas vacinas durará. O que sabemos é que as defesas que conseguimos medir vão diminuindo com o tempo e que doses de reforço ajudam a proteger ainda mais contra a covid-19, principalmente as formas graves.
Por isso, o especialista considera que a coisa mais segura, neste momento, é dar dose de reforço para aquelas pessoas que têm risco aumentado para desenvolver as formas mais graves da doença, como idosos e imunocomprometidos.
— O tempo de intervalo para o reforço não é uma verdade absoluta e derradeira. Vamos saber o que pode acontecer com o tempo. Mas temos que batalhar para que as vacinas continuem disponíveis para pessoas dos grupos de risco e que os antivirais que comprovadamente funcionam também estejam disponíveis para essa população. Então, baseado na realidade atual, é sim uma medida adequada — defende Sprinz.
Eliana Bicuda, assessora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), concorda que a recomendação do Ministério da Saúde é adequada, já que garante a manutenção do nível de proteção contra a doença, reforçando o sistema imune das pessoas que são mais acometidas. A decisão, comenta, garante a oferta da vacina no próximo ano e o fortalecimento da saúde pública.
— Sabemos que as vacinas não sustentam a imunidade a longo prazo e já se previa que a vacinação seria mantida anualmente, só consolidamos. Além disso, escolher um grupo alvo como recomendação para receber a vacina pelo Programa Nacional de Imunização é superimportante a nível de saúde pública. Mas não se contraindica que seja aplicada em outros grupos — afirma.
A assessora também ressalta que a procura pela imunização está muito baixa, mesmo que liberada para todos os públicos, e que pode ser que sobrem doses para vacinar outros grupos em 2024, como ocorre com a vacina da gripe:
— Se conseguirmos atingir 95% da meta de vacinação do público-alvo, pode-se abrir para outras idades. Isso não está contemplado na nota do Ministério da Saúde, mas normalmente é assim que acontece. E, imunizando o público-alvo se consegue controlar a circulação do vírus na comunidade em geral, como ocorre com a poliomielite e o sarampo.
Os especialistas convergem na percepção de que os imunizantes também devem ser disponibilizados na rede privada. Conforme Eliana, não existe proibição do governo para a venda de vacinas em clínicas. O Ministério da Saúde disse, em nota, que outros grupos podem ser incluídos na vacinação e que adultos já vacinados estão protegidos contra manifestações graves da doença (veja abaixo).
Sprinz acrescenta que, quanto menor a quantidade de vírus circulando, ou seja, quanto menor for o número de pessoas contaminadas, menor será a chance de haver mais uma mutação para uma nova variante ou subvariante. Então, do ponto de vista comunitário, o ideal é que a vacina seja oferecida para todos. Já do ponto de vista individual, é preciso proteger as pessoas que têm risco aumentado.
— Se não houver condições de vacinar a todos, que pelo menos se consiga dirigir as vacinas para quem mais necessita. Se eu pudesse, colocaria para todos disponível pelo SUS — finaliza o especialista.
Vacina contra covid-19 em 2024
- Crianças de seis meses a menores de cinco anos
- Idosos
- Imunocomprometidos
- Gestantes e puérperas
- Trabalhadores da saúde
- Pessoas com comorbidades
- Indígenas, ribeirinhos e quilombolas
- Pessoas vivendo em instituições de longa permanência e seus trabalhadores
- Pessoas com deficiência permanente
- Pessoas privadas de liberdade maiores de 18 anos, adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas
- Funcionários do sistema de privação de liberdade
- Pessoas em situação de rua
Nota do Ministério da Saúde
Atualmente, o imunizante está disponível gratuitamente no SUS para toda a população acima de 6 meses de idade. Os maiores de 18 anos que já tomaram ao menos duas doses da vacina devem receber uma dose de reforço da vacina bivalente. Pessoas que ainda não completaram o ciclo vacinal ou estão com alguma dose de reforço em atraso podem atualizar a caderneta nas unidades de saúde.O Ministério da Saúde monitora permanentemente o cenário epidemiológico da Covid-19 no país. Nesse sentido, outros grupos poderão ser incluídos posteriormente, a partir da avaliação e análise da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (Ctai).Cabe ressaltar que os adultos já vacinados seguem protegidos contra as manifestações mais graves da doença causadas pelo vírus original, a variante Ômicron e subvariantes.