Primeiramente, antes de a reportagem começar, uma informação precisa ficar clara: a expressão correta é "pessoa com nanismo", nunca "anão".
Condição física decorrente de uma mutação genética, o nanismo historicamente é associado a estereótipos relacionados à mitologia, ao cinema, ao circo e às fábulas infantis. O termo inadequado é considerado carregado de preconceitos e pejorativo pela comunidade que, segundo a Associação Nanismo Brasil (Annabra), fundada em 2020, deve somar um pouco mais de 10 mil de pessoas no país. Apesar de não haver pesquisas e estatísticas oficiais, estima-se que, a cada 15 mil brasileiros, uma pessoa nasça com algum tipo de nanismo.
Quando pegou Théo nos braços pela primeira vez, Vélvit Severo, hoje com 37 anos, já sabia da sua maternidade atípica. Durante a gestação da moradora do município de Rio Grande, um exame de rotina detectou que os membros longos do filho não estavam se desenvolvendo. Conforme o obstetra que os acompanha, dois caminhos se desenhavam, o da síndrome de Down ou o do nanismo. O segundo se confirmou.
— Do prognóstico até o nascimento, foi uma grande espera. Mas o Théo chegou nesse mundo a plenos pulmões, reivindicando sua existência nesse mundo. Quando vi os olhinhos dele e ouvi o choro forte, foi uma virada de chave para mim — lembra a mãe que, a partir dali, decidiu que só sossegaria se buscasse garantir qualidade de vida e saúde para o filho.
Com uma semana de vida, a jornada de Théo já incluía exames de raio-X de corpo inteiro e testes genéticos. Em uma realidade com escassez de informações para a família e os médicos, não havia diagnóstico. Em pouco tempo, Vélvit percebeu que o contexto em que estavam inseridos abrangia, também, sobra de preconceito e falta de empatia.
— Ao sair de um posto de saúde em dia de vacinação, deparei com outra mãe. No colo, sua filha, da mesma faixa etária do Théo, meses de vida. Ela questionou a diferença no tamanho das crianças, eu expliquei que se tratava de nanismo. Então, veio a frase: "Não imaginava que essa raça nascia de gente normal".
Naquele momento, Vélvit percebeu que a sociedade não estava preparada para pessoas como seu filho. Após um encontro com outros pais em situação similar, em São Paulo, a mãe do Théo encontrou respostas, se reconhecendo nos seus pares, fazendo dessa imersão combustível para um ativismo que nunca mais parou:
— Voltei para casa com uma vontade de que a comunidade onde morava conhecesse sobre essa condição, que é totalmente invisível aos olhos em geral. Propus passeios ciclísticos e seminário, levando, inclusive, informações para a geneticista da minha cidade.
Fase escolar: primeiros traumas
Atual representante da Annabra no RS e integrante da diretoria da entidade em nível nacional, Vélvit aliou a sua vivência ao conhecimento que buscou com especialistas e nas histórias compartilhadas com famílias de todo o país. Para ela, a entrada na fase escolar é o momento de maior sofrimento e profusão de dúvidas por que passam pais e mães de filhos com nanismo:
— É quando elas estão se descobrindo e enxergando outras crianças diferentes delas. Começa a percepção da diversidade. Apesar de toda a bagagem que eu vinha adquirindo, levei alguns socos no estômago com falas do Théo sobre o que vivia. Tive que buscar forças para compreendê-lo e confortá-lo em momentos pesados.
Ainda no primeiro dia de aula no Ensino Fundamental, ainda que houvesse muito diálogo com Vélvit e o pai, Laércio, uma crise de ansiedade tomou conta do menino, que temia o que chamava de "escola dos grandes". Com uma estatura que estacionou nos 93 centímetros, equivalente a um garoto médio de dois anos, Théo, então com seis anos, travou logo na entrada, com o comentário do porteiro do local: "O que esse bebê está fazendo aqui? Ele não está na escola certa".
É quando elas estão se descobrindo e enxergando outras crianças diferentes delas. Começa a percepção da diversidade. Apesar de toda a bagagem que eu vinha adquirindo, levei alguns socos no estômago com falas do Théo sobre o que vivia. Tive que buscar forças para compreendê-lo e confortá-lo em momentos pesados.
VÉLVIT SEVERO
Representante da Associação Nanismo Brasil (Annabra) e mãe do Théo
A família entendeu, na dor, que a sociedade precisa ser ensinada sobre a condição. Vélvit decidiu escrever a cartilha Escola para Todos: Nanismo, com informações que contribuem para uma sala de aula mais inclusiva. Entre as sugestões, a utilização de um banquinho junto à cadeira e a classe para apoio dos pés e possibilidades de abordagens para professores na explicação sobre o nanismo aos demais alunos.
— Ativismo caminha lado a lado com as políticas públicas, com a construção de direitos e conhecimento da legislação que ampara essa imensa minoria. As pessoas com nanismo são reconhecidas como deficientes no país desde 2004, mas continuam invisibilizadas. Então, entendi que precisava me apropriar desse problema e dar voz e pertencimento à causa — explica a delegada da Annabra no RS.
Em junho de 2018, a cartilha foi lançada no Senado e apresentada ao Ministério da Educação com o pedido para que fosse trabalhada em todas as escolas públicas, o que ainda não aconteceu. Vélvit também trabalhou junto à associação representativa para a construção do 25 de outubro como o Dia Nacional de Combate ao Preconceito Contra às Pessoas com Nanismo (instituído pela lei 13.472/17). A data é uma homenagem ao ator e ativista estadunidense Billy Barty, que, na década de 1950, criou a primeira associação que lutava pelos direitos e tratamentos adequados às pessoas com nanismo.
Um renascimento por meio do esporte
Aos sete anos, Théo ouvia piadas demais sobre sua condição, se sentia deslocado, não queria sair de casa e do colo da mãe. Em vez de conversas sobre tarefas escolares, Vélvit se viu discorrendo sobre o complexo tema do suicídio. A vontade do filho em tirar a própria vida acendeu na família um alerta: uma alternativa precisaria aparecer, e logo. E a solução chegou sobre duas rodas.
— Compramos uma bicicleta que não necessitava de adaptações. Ele pedala muito, chegou a percorrer 22 quilômetros com o pai dele, em outubro — lembra.
Não demorou muito para que outro presente, desta vez com o dobro de rodas, conquistasse o coração do menino. O primeiro skate, de plástico, deu lugar a outros até chegar a um mais estruturado e adaptado. Com auxílio de Guilherme Gautério Figueiredo, professor especializado em aulas de paraskate, o filho de Vélvit deslanchou, impulsionado por um esporte originalmente marginalizado, atualmente reconhecido também pelo caráter inclusivo.
— O Théo está evoluindo, cada vez mais veloz, ainda que seja tímido e fique nervoso por conta dos olhares dos outros durante as apresentações. Viemos trabalhando isso com ele porque os olhares continuarão durante a vida toda — diz a mãe, acrescentando que o esporte salvou a vida do menino — Mostra que ele pode pertencer à sociedade, que ele consegue fazer tudo que outra criança faz, apesar do tamanho. As suas potencialidades estão acima disso.
O sonho do menino, hoje com nove anos, é se tornar skatista profissional. Mas esse não é o único desejo para o futuro.
— Também quero ser policial — sorri.
Em suas redes sociais, Théo mostra sua alegria e sua desenvoltura no skate e diz que ter "um tipo raro de nanismo, o que não me define".
— Tem algumas coisas que não alcanço, como pias e banheiros, mas, hoje em dia, me sinto bem! Só não gosto de ser chamado de "anão". Que digam pessoas com nanismo ou chamem pelo nome — ensina o garoto.