Compreender o albinismo no Brasil esbarra em um problema: falta de informações. Começa pelo básico: não se sabe quantos albinos há no país. A última estimativa sobre o grupo, divulgada pelo Ministério da Saúde (MS) no fim de 2022, informa que há menos 21 mil pessoas com albinismo na população brasileira.
É um levantamento feito por especialistas no tema, e não governamental. Sem dados oficiais, outro empecilho é a ausência de políticas públicas de saúde específicas para o grupo. Os dois aspectos se somam a episódios de discriminação, adversidades em espaços como escola e trabalho e falta de profissionais qualificados para tratar da condição, dizem estudiosos entrevistados por GZH.
O albinismo é uma condição genética hereditária caracterizada pela ausência total ou parcial da melanina, pigmento responsável pela coloração da pele, do cabelo e dos olhos.
Na maioria dos casos, a alteração causa problemas de visão e facilita o surgimento de doenças graves de pele em caso de exposição ao sol sem proteção. A condição, que não tem cura, está presente em todos os grupos populacionais, e não faz distinção de raça, etnia ou sexo.
O contexto estadual também é de poucas de informação. No Rio Grande do Sul, as secretarias da Saúde (SES) e da Educação (Seduc) não têm conduta direcionada aos indivíduos com albinismo.
Segundo a SES, a condição não é de notificação compulsória — aquela em que o serviço de saúde precisa notificar, como no caso de covid-19 e aids, por exemplo. Também não há estimativa de quantidade de indivíduos com a condição, segundo o Departamento de Economia e Estatística, vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG). Portanto, não há qualquer indicativo de quantos albinos vivam no Estado.
Um material do Ministério da Saúde, publicado em julho de 2021, colocou o RS entre os com mais mortes associadas ao albinismo no país entre 2010 e 2020. O Rio de Janeiro é o com mais óbitos: 13. Bahia e Rio Grande do Sul ficam em segundo no ranking, com 10 registros no período. Quando se utiliza números absolutos, o Estado divide a posição no levantamento. No entanto, se analisada a incidência de casos para cada 100 mil habitantes, o RS foi o que registrou mais óbitos como causa básica ou associada ao albinismo no estudo.
Atenção à saúde
A reportagem não identificou nenhum serviço especializado no atendimento à saúde albinos no Rio Grande do Sul. No Brasil, há poucos. A iniciativa pioneira e única de abrangência nacional, no momento, é o Programa Pró-Albino, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP), criado em 2010. O trabalho busca reduzir as repercussões físicas e psicológicas da condição. Hoje, são 405 pacientes de diversos Estados atendidos de forma gratuita. O programa nasceu da observação de pacientes albinos que procuravam o hospital apenas em situações graves, originadas pela falta de tratamento preventivo.
— Não sabemos quantos albinos há no país, tampouco temos informação de saúde deles. Não há dados no Datasus, nos censos, e essas referências são importantes para determinarmos políticas públicas. As pessoas com albinismo são bastante desassistidas em todas as regiões. No Brasil, temos apenas suposições baseadas em fatos — diz Carolina Reato Marçon, dermatologista e coordenadora do programa.
Por ser uma condição considerada rara, a médica relata que o nascimento de um albino causa dúvidas nos pais, já que, na maioria dos casos, os responsáveis nem sequer tiveram contato com indivíduos do grupo; outros que não "aceitam" a condição. Não raro, um pai, ao ver que o bebê nasceu albino, trata a condição como um sinal de traição da mãe. Outra barreira é detecção da condição, que pode ser atrapalhada por características locais.
— O diagnóstico do albinismo pode ser difícil, porque em lugares com pessoas com a pele mais pigmentada (mais escura), a pessoa albina se “destaca”. O Rio Grande do Sul é uma região com colonização de indivíduos de pele clara. Então, é provável que existam pessoas com albinismo e sem diagnóstico, isso não é incomum no Brasil. Algumas pessoas descobrem que são albinas com 40 e 50 anos, porque não há discrepância na coloração da pele — comenta.
Não sabemos quantos albinos há no país, tampouco temos informação de saúde deles. As pessoas com albinismo são bastante desassistidas em todas as regiões do Brasil
CAROLINA REATO MARÇON
Dermatologista e coordenadora do programa do Programa Pró-Albino
O levantamento Perfil de pessoas com albinismo no Brasil e no Mundo, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, de abril de 2022, diz que mais investigações se fazem necessárias nessa população.
O material destaca a necessidade de análises comparativas entre subtipos de albinismo ou entre regiões do Brasil, com acompanhamentos a longo prazo, para melhor compreender as condições clínicas e psicossociais que acometem o grupo. "Observa-se uma ausência de políticas públicas e protocolos clínicos e terapêuticos que abordem a integralidade do cuidado a essa população. O acesso à informação e aos serviços de saúde de pessoas com albinismo são escassos. Assim, ratifica-se a necessidade de desenvolvimento de políticas específicas voltadas para esse grupo populacional, como forma de promover a equidade", diz a pesquisa.
Por que uma criança nasce albina?
O Ministério da Saúde define a pessoa com albinismo como aquela acometida “por uma condição rara, não contagiosa, de origem genética, cuja transmissão pode ser autossômica recessiva ou ligada ao cromossomo X”.
— O albinismo é causado por mutações nas cópias de um dos genes (parte do DNA) envolvidos na produção da melanina. Cada gene que temos é uma cópia dupla, ou seja, uma do pai e outra da mãe. Para ter albinismo, a pessoa tem que ter mutação na cópia do pai e na cópia da mãe. A maioria das pessoas não tem nenhuma mutação em nenhuma das cópias, então elas não têm albinismo — explica Ida Vanessa Doederlein Schwartz, chefe do Serviço de Genética Médica e de Referência em Doenças Raras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
A especialista usa uma forma simplificada de explicar o processo. A doença de caráter recessivo - como o albinismo - pode ser representada pelos alelos (mutações sucessivas ocorridas nos genes) aa. Nesse caso, indivíduos albinos são aa. Assim, uma pessoa AA não tem albinismo e não pode gerar filhos albinos.
Já um indivíduo Aa não tem albinismo, mas é portador de uma cópia do gene com a mutação: por isso, ele tem 25% de chance de ter uma criança albino se o pai (ou mãe) for também Aa. Dois albinos (aa) podem ter ou não herdeiros com a condição: isso dependerá da semelhança das mutações dos genes de pai e mãe. Se forem distintos, pode ocorrer de pais albinos não terem uma criança com albinismo, afirma Ida Vanessa Doederlein Schwartz.
A ocorrência do nascimento de uma pessoa albina também não quer dizer que outros casos tenham sido registrados em familiares próximos. O recém-nascido pode, portanto, ser o primeiro com albinismo da família. Segundo a geneticista, o comum é que os pais descubram a anomalia apenas no nascimento da criança porque os exames da gestação - como o ultrassom - não são capazes de identificar a alteração.
A única forma de descobrir o albinismo antes do parto é por meio de um exame genético que não é recomendado na maioria dos casos, pois a descoberta precoce não prevê tratamento antes do nascimento.
— Para fazer o exame, é preciso inserir uma agulha na barriga da mulher que está grávida para coletar o material genético do feto. Esses procedimentos têm riscos, como o desencadeamento de um abortamento espontâneo — diz.
Cuidados com a visão desde o primeiro dia
Existem duas formas de albinismo: as mais comuns são as não sindrômicas, e afeta a pele, o cabelo e os olhos (albinismo oculocutâneo) ou somente dos olhos (albinismo ocular).
A forma sindrômica, que é mais rara, ocorre quando, além do albinismo oculocutâneo, a condição compromete o sistema respiratório, imunológico e circulatório. Rosane Ferreira, oftalmologista e professora de oftalmopediatria do Serviço de Residência Médica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, estima ter atendido 20 pacientes albinos em mais de 30 anos de profissão.
A especialista explica que um albino pode ter entre 10% e 50% da visão de uma pessoa sem a condição. Segundo ela, o diagnóstico do albinismo oculocutâneo é mais simples e pode ocorrer por meio de um exame clínico: a cor da pele e do cabelo são indícios que indicam a condição se observados de forma atenta.
O que é de mais difícil identificação é o albinismo ocular, que afeta apenas os olhos. Por não alterar a pigmentação da pele e do cabelo, o diagnóstico desse tipo ocorre por meio de um exame chamado biomicroscopia, equipamento comum em consultórios de oftalmologistas.
— No ocular, a falta de pigmento (melanina) ocorre só no olho, então a pessoa tem uma aparência normal ou um pouco mais clara que os outros membros da família. A parte colorida do olho é bem rarefeita, a luz atravessa a íris. São casos mais raros, e se o médico não pensar na possibilidade deste diagnóstico, pode passar batido. Já tive pacientes que vieram sem diagnóstico, porque o médico não conseguiu descobrir — diz Rosane.
Um albino não é cego, mas tem uma deficiência variável, conforme o quadro. O paciente terá dificuldade, mas há coisas que podem ser feitas para ajudá-lo. Esse é um problema estacionário, não progressivo.
ROSANE FERREIRA
Oftalmologista e professora de oftalmopediatria do Serviço de Residência Médica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Segundo a especialista, os dois tipos de albinismo estão associados a astigmatismo, miopia ou hipermetropia, estrabismo, nistagmo e fotofobia. Os pacientes, por isso, geralmente precisam de lentes corretoras. A demora no início do tratamento é capaz de retardar o desenvolvimento da visão ou até mesmo causar piora definitiva. No caso dos bebês, é preciso expor a criança à chamada estimulação visual precoce.
— É um trabalho importante para estimular o remanescente visual, porque esses pacientes, mesmo com óculos, têm baixa visão. Se não estimulamos os bebês, o cérebro pode “desligar” o olho — explica.
A oftalmologista diz que condições comuns entre albinos, como nistagmo e estrabismo, podem ser tratadas por meio de cirurgias. Há, ainda, estudos na área para desenvolver formas de aumentar a quantidade de melanina nos olhos; essas intervenções, no entanto, ainda não estão disponíveis para a população, mas podem trazer bons resultados para os albinos no futuro. Rosane ressalta um aviso para os pais de crianças com albinismo, que, por algum motivo, têm receios com o desenvolvimento da condição:
— Um albino não é cego, mas tem uma deficiência variável, conforme o quadro. Ele não vai perdendo a visão, porque tende a ficar estável durante a vida. O paciente terá dificuldade, mas há coisas que podem ser feitas para ajudá-lo. Esse é um problema estacionário, não progressivo.