A jornalista Lelei Teixeira, hoje com 73 anos, nasceu e cresceu em uma época em que não havia uma entidade que a representasse a partir de uma mobilização coletiva, muito menos uma cartilha que orientasse as pessoas no seu entorno.
— A luta era solitária — conta, resignada.
No seu caso, ao menos, ela tinha a companhia da irmã um ano mais experiente, Marlene, que também tinha nanismo. A troca de experiências, mesmo as ruins, se dava dentro de casa: uma entendia o que a outra passava. A família só percebeu o nanismo quando Lelei veio ao mundo, com as mesmas características da irmã.
— O médico que nos atendia era maravilhoso, disso não podemos reclamar. Ele disse "olha, é nanismo e elas não vão crescer", quando nem se falava essa expressão. Mas teve vizinho que dizia para nossa mãe nos esconder ou nos mandar para um convento de carmelitas — lembra.
A família de Lelei e Marlene nunca se influenciou pela opinião alheia, e as duas tiveram uma criação incentivadora. Fora de casa, no entanto, a discriminação mostrava suas asas sem cerimônia. Foi no começo da fase escolar que nasceu a sensação ruim da exclusão. Na cidade natal, Jaquirana, na Serra, Lelei, aos seis anos, ouviu na fila de entrada para a sala de aula: "Olha, uma anãzinha!".
— Chorei muito e corri para casa. Minha tia Dalva me pegou pela mão e me levou até o diretor da escola, Aldo Lopes. De mãos dadas comigo, ele me apresentou em todas as salas, dizendo "essa é a nova coleguinha de vocês, a respeitem" — recorda.
Casos assim se repetiam na vida de Lelei, que usava a escrita como confidente e transpunha para o papel os desabafos que não podia verbalizar. Esse contato próximo com as palavras a levou para o jornalismo. Na sua trajetória, passou por diversos veículos de comunicação, incluindo ZH.
Batalha pela conscientização
Lelei abriu portas na batalha contra o preconceito e se tornou uma das protagonistas gaúchas na conscientização sobre o nanismo. Brigou contra o tom desprestigioso do termo "anão".
— Nunca é no sentido positivo. Falam "Ah, o meu salário este mês foi perna de anão", para dizer que foi pouco. "Tal país é anão diplomático", para tentar diminuí-lo no contexto. Sem falar nos "Anões do Orçamento", aquele escândalo no Congresso Nacional, no início dos anos 1990. Quando me viam na rua, me perguntavam se eu era da quadrilha — indigna-se.
A partir de entrevistas que concedia e textos que escrevia, Lelei procurou dirimir as dúvidas sobre o nanismo. Já Marlene, que se tornou exímia professora, evitava os holofotes, com medo de distorções e novas chacotas. Sempre juntas, então, surgiu a ideia de escreverem um livro a quatro mãos, que contasse a suas histórias e desbravasse o universo do nanismo ao público desavisado. Infelizmente, um câncer interrompeu os planos: Marlene morreu em 2015.
Um ano depois da partida da irmã, Lelei lançou o blog Isso Não É Comum, com relatos sobre as dificuldades que passaram e a estranheza que a sociedade insiste em normalizar. Depois, a partir dos fragmentos das anotações que fizeram durante a vida, nasceu o livro E Fomos Ser Gauche na Vida, finalizado durante a pandemia e já em sua segunda edição. A história da sua existência é contada com leveza, apesar do peso do preconceito que não diminuiu com o passar dos anos.
— Com o anonimato das redes sociais, as piadas de mau gosto estão cada vez mais frequentes. Aumentaram, assim como as demonstrações de racismo e homofobia. Sinto que está pior do que antes — afirma Lelei.
Ela identifica despreparo no trato e no conhecimento de alguns profissionais sobre o tema do nanismo. Desde atendentes que "se escondem atrás do balcão", frisando a invisibilidade da população de baixa estatura, até funcionários que não se propõem a auxiliar as pessoas de condições atípicas que não alcançam um botão de elevador ou um interruptor de luz, por exemplo.
— Teve uma evento em que dei uma palestra e, ao final, fui levantada no colo por um dos participantes, como se fosse uma criança! Tirou toda a autoridade do que acabara de falar. As pessoas precisam ser preparadas para lidar com a diversidade.
Banquinho pintado pelo avô
Sem a irmã, Lelei divide atualmente um apartamento com a prima, a produtora Kixi Dalzotto, que recentemente ficou viúva. As duas integram a Gira Produção e Conteúdo, que trabalha com criação, revisão e finalização de textos. A residência, no bairro Moinhos de Vento, traz diversas adaptações para uma senhora de 1m10cm.
— Contei com a sensibilidade da arquiteta, que fez um projeto para uma pessoa com nanismo, não uma casa de bonecas — sorri.
O fogão, a pia e o jogo de mesa e cadeiras na cozinha, por exemplo, têm dimensões facilitadas. A decoração é inclusiva, mas não exclusiva: alguns móveis mantêm os tamanhos padrão porque a jornalista pensa no conforto da prima e das visitas que gosta de receber.
A própria anfitriã chama a atenção para os banquinhos no ambiente e a acompanham em todos cômodos, seja para apoiar os pés quando está sentada, seja para auxiliar quando quer acessar partes mais altas do guarda-roupa ou da geladeira.
É no banheiro que repousa a peça mais querida da casa: um banco construído e pintado artesanalmente pelo avô paterno, há mais de 60 anos.
— Ele nos dizia: "Com esse aqui, vocês vão poder colocar os pés no chão". Nos emocionou quando ganhamos esse presente — diz Lelei.
Assim como sua condição, a idade não incapacita Lelei, que ao final da entrevista já se preparava para visitar mais uma edição da Feira do Livro de Porto Alegre, local que conhece bem e onde olhares de estranheza não têm vez.
Em números
- Existem mais de 400 tipos de nanismo.
- Estima-se que, a cada 15 mil nascimentos, uma criança nasça com algum tipo de nanismo.
- 80% dos casos são de casais sem nanismo, ou seja, qualquer mãe e pai pode ter um filho nesta condição.
- Homens adultos chegam a uma altura máxima de 1m45cm, e as mulheres não alcançam 1m40cm, em média.
- É reconhecido no Brasil como deficiência física desde 2004.
- O capacitismo, que significa a discriminação a pessoas com deficiência, é considerado crime, previsto no artigo 88 da Lei Brasileira da Inclusão (LBI), passível de reclusão de 1 a 3 anos como pena.
Fontes: Annabra e Ministério da Saúde