Com atendimento por convênios e particular, o Hospital Porto Alegre (HPA), localizado no bairro Azenha, na Capital, enfrenta dificuldades para conseguir pagar os salários dos funcionários em dia. Desde abril, servidores de diferentes áreas alegam estar recebendo menos e não ter uma previsão clara de quando a situação será regularizada (confira os relatos abaixo). A direção da instituição confirma os problemas, mas argumenta que, atualmente, apenas uma "pequena parte da equipe" (que possui salários maiores) segue com pagamentos pendentes.
O Hospital Porto Alegre tem capacidade de cem leitos para internação e um quadro de 80 funcionários, conforme a direção. Em contato com a reportagem de GZH, trabalhadores (que não fazem parte do grupo de maiores remunerações) afirmaram que estão sem ter um salário completo há 90 dias. Pelo menos três deles dizem que a remuneração não está sendo feita de forma integral.
Até 2021, hospital era mantido pela Associação dos Funcionários Municipais de Porto Alegre (AFMPA), atendendo exclusivamente os servidores municipais, mas a instituição acabou fechando logo depois. Naquele ano, também havia problemas ligados ao pagamento e protesto de funcionários. Desde agosto de 2022, o espaço reabriu e passou a ser administrado pela Associação Beneficente São Miguel (a mesma que cuidava do Hospital Beneficência Portuguesa). Hoje, o local conta com um pronto-atendimento e bloco cirúrgico, que é o principal enfoque da instituição.
GZH esteve no local na última terça-feira (18). Questionada sobre as reclamações, a diretora administrativa da instituição, Magali de Fatima Ortiz, admitiu os atrasos e confirmou pagamentos incompletos pela falta de recursos nos meses de abril e maio, mas argumentou que atualmente uma "pequena parte da equipe" (que possui salários maiores) segue com pagamentos pendentes. Segundo ela, os depósitos ainda estão parcelados, mas estão em dia para a enfermagem e profissionais da higienização, cozinha e manutenção, que representam a maioria do quadro.
— Nós tivemos, realmente, algumas dificuldades financeiras, bem sérias até, no início. Não tem como abrir um serviço sem ter os recursos humanos. Então tu tira de um lugar para colocar em outro. E nós tivemos uma quebra de contrato com um convênio que era o que nos garantia, no início do ano, a folha de pagamento. Então, nós realmente atrasamos. Para tu equilibrar a folha, precisa ir atrás de outros serviços, que é o que nós acabamos fazendo — afirma Magali.
A diretora administrativa cita uma parceria com uma clínica de cirurgias como uma das alternativas adotadas para conseguir recursos. Ela espera que, com o aumento dos atendimentos neste setor, a situação financeira possa melhorar.
Atualmente, o hospital realiza cerca de 150 procedimentos operatórios por mês e tem capacidade para fazer 600. Com a parceria firmada recentemente com a empresa Cirurgia Já, a previsão é chegar a uma média de 250 a 300. Com isso, a estimativa da direção é de que sejam necessários dois meses para a normalização da folha, voltando a ter pagamentos até o 5º dia útil.
— Pagamos no início do mês uma parte, e está programado para, no máximo, na semana que vem, fazermos a outra parte do pagamento (referente à folha atual). Impactou já lá em março e isso foi muito ruim para nós, para os funcionários e para toda a instituição — reconhece Magali.
O que dizem os funcionários
Em contato com a reportagem, profissionais que atuam na instituição reclamaram sobre a falta de pagamento e questionaram a explicação da gestão, afirmando que estão com salários incompletos, e não apenas parcelados. Por pedido dos entrevistados, que temem represálias, os nomes e cargos não serão divulgados. Confira os depoimentos:
RELATO 1
"Estamos com três meses de salário atrasado, recebemos cerca de R$ 1 mil e isso vale para todas as categorias, menos os médicos. A Associação Beneficente São Miguel diz que não tem recursos para repassar, que dependem de parceiros para que isso aconteça. Só que faz meses que o hospital está aberto e durante este tempo muitos profissionais acabaram saindo devido a esse problema. Não demitem pois não têm como pagar pelas multas e rescisões. Então, quem não quer mais, sai sem receber absolutamente nada. E quem fica continua na esperança de receber algo, pois muitos não têm outra fonte de renda".
RELATO 2
"Estou sem receber um salário completo há 90 dias. Ainda não terminei de receber meu salário de abril. Não recebi meu salário de maio, nem de junho. De vez em quando depositam algum valor mas não é o suficiente para pagar as contas. Alegam que estão esperando entrar recursos e nunca dão prazos. Estou muito endividada e sempre preciso pedir ajuda para pagar as contas. Até hoje apenas o bloco cirúrgico recebeu em dia, pois é de lá que vem a receita. O restante do hospital todo é parcelado".
RELATO 3
"Recebemos um valor mensal médio de remuneração nestes últimos meses, cerca de R$ 500, ou talvez R$ 1 mil em alguns setores, com sorte. Sempre que perguntamos sobre nossos salários, somos respondidos negativamente.
Quando mencionamos nossa dificuldade em comparecer, eles argumentam que nosso departamento não pode parar, enquanto outros departamentos acabam por fazê-lo porque, segundo eles, é uma situação vergonhosa faltar, mesmo sem receber. Eles apelam para a situação dos pacientes e afirmam que, se não queremos mais trabalhar, devemos pedir demissão, pois eles não nos demitirão. Alegam que a única forma de recebermos é por meio do sistema judiciário e há uma espécie de chantagem envolvida nesse processo.
Enfrentamos ameaças, e as cobranças continuam aumentando, inclusive em relação ao responsável durante o meu período. Falar sobre salário é um assunto quase proibido. As pessoas têm medo de abordar essa questão. Todos estão sem receber, acumulando dívidas e tentando seguir em frente, na esperança de conseguir receber algo, confiando na ajuda divina. Caso decida pedir demissão, precisarei entrar com um processo judicial para tentar receber o que me é devido.
A média dos nossos salários é aproximadamente R$ 2,4 mil, mas há pessoas que estão devendo facilmente mais de R$ 10 mil. Somos obrigados a cobrir os colegas que se demitiram ou não conseguiram comparecer devido a problemas financeiros ou pessoais. Até onde sabemos, os médicos recebem seus salários integralmente."
Tentativa de parcerias com SUS e IPE Saúde
Na manhã de terça-feira (18), quando a reportagem esteve no local, apenas dois pacientes estavam hospitalizados nos quartos. Já a UTI estava sem demanda, com todas as camas vazias, não sendo necessário manter profissionais no setor.
A quantidade ainda pequena de convênios aceitos é apontada como o fator para a baixa procura no hospital, de acordo com a diretora administrativa da instituição, Magali de Fatima Ortiz.
— Temos alguns convênios pequenos que ainda trazem algum recurso. Como o hospital fechou, levou um tempo para as pessoas saberem que estava funcionando novamente — analisa.
A gestora ressalta que a instituição tentou fechar parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) e o IPE Saúde para ampliar o número de pacientes, mas não conseguiu firmar a cooperação com nenhum dos dois.
— O IPE nós tentamos credenciar e, quando fomos na reunião, o que nos disseram, na época, é que não estavam credenciando nenhum tipo de clínica ou hospital, então nós estávamos dentro dessa totalidade. Com o SUS, fizemos proposta de plano operativo e também não tivemos esse retorno positivo. Qualquer um dos dois para nós seria bom no sentido de termos um recurso fixo — comenta Magali.
Perguntada sobre o motivo para não concretizar a parceria com o hospital para atendimento na rede pública, a prefeitura de Porto Alegre enviou uma nota, na qual alega que questões judiciais impediram o avanço da negociação:
"A Secretaria Municipal de Saúde informa que existe um passivo judicial do Hospital Porto Alegre com os trabalhadores e essa é uma circunstância alheia à relação com o município. Ou seja, pendências trabalhistas impedem a pasta de firmar novas parcerias com a instituição hospitalar que, desde o início de 2022, não possui mais vínculo com a SMS".
A reportagem de GZH também procurou o IPE Saúde, que afirma que a instituição não atendeu os requisitos necessários:
"O IPE Saúde destaca que, após o pedido de credenciamento, realizou visita técnica ao Hospital Porto Alegre, no dia 22 de setembro de 2022, para avaliar se a instituição possuía as condições necessárias para oferecer os serviços para os quais se dispôs, atinentes às especialidades de Pediatria, Obstetrícia, Maternidade, Emergência Pediátrica e Obstétrica, Ortopedia e Traumatologia.
Com base no Relatório de Vistoria, a Diretoria Executiva deliberou pelo indeferimento do credenciamento. Conforme os elementos que foram apresentados pela auditoria técnica do Instituto, o órgão colegiado entende que o Hospital Porto Alegre não reúne, neste momento, as condições necessárias para prestar os serviços. A situação não impedirá a formalização de novo requerimento e posterior realização de nova vistoria, caso alteradas as circunstâncias que geraram a negativa.
Cabe ressaltar, ainda, que os critérios para autorizar o credenciamento, também passam pela análise do manejo e atenção às rotinas internas dos vários setores, de modo a garantir a qualidade e a segurança assistencial".