Uma ação em frente ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre buscou promover visibilidade e conscientização sobre o Junho Laranja, mês de luta contra queimaduras, nesta terça-feira (6), data em que se celebra o Dia Nacional de Luta Contra Queimaduras. A equipe, composta por autoridades, servidores e enfermeiros, distribuiu materiais informativos a pessoas que circulavam pelo entorno do hospital. Em seguida, em um ato simbólico, os participantes soltaram balões cor de laranja no ar. A ação foi promovida pela Câmara de Vereadores e pela prefeitura de Porto Alegre, por meio do HPS, referência em casos de queimadura no Estado.
A iniciativa partiu, justamente, de uma vítima. A supervisora de loja Ana Paula Rodrigues, 36 anos, entrou em contato com o gabinete da vereadora Tanise Sabino (PTB) para solicitar visibilidade à causa e à prevenção, com ênfase ao impacto psicológico que estes acidentes têm. Ana estava em casa em junho de 2021, com amigos, quando, ao tentar reacender uma lareira ecológica, o equipamento acabou explodindo e a acertou, provocando queimaduras.
Na hora, apesar das queimaduras de terceiro e quarto graus, Ana não percebeu a gravidade dos ferimentos. Ela procurou o hospital pois teria de trabalhar no outro dia. Ela lembra de acordar no dia seguinte na unidade de terapia intensiva (UTI) com mais de 30% do corpo queimado e sem enxergar, pois queimou a face, além de ombros, seio e barriga.
— Fiquei cinco dias na UTI e 22 dias internada no HPS. Fiz quatro enxertos de pele. Como todo fogo, foi rápido demais, quente demais, mas é transformador. Não sou mais forte porque passei pelo fogo, mas porque aceitei o processo: a nova condição de ver a cicatriz, o olhar da sociedade, a volta ao mercado… como uma sobrevivente, sou agente de prevenção, acho que eu tenho obrigação de passar informações para que isso não aconteça. É uma verdadeira barreira, e depois que a pessoa sai do HPS, tem mais barreiras, mas se eu parar, desistir… — relata Ana, emocionada.
Hoje, Ana cria os filhos João Gabriel e Lorenzo sozinha e tem uma vida normal dentro de sua condição. Ela integra o grupo Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimaduras (Anaviq), uma ONG que a acolheu e a fez entender que não estava sozinha. Para a supervisora de loja, as vítimas costumam se esconder, desperdiçando a segunda chance que receberam.
— Eu não vi isso em Porto Alegre, não tem grupo de ajuda, eu saí do HPS apenas com a orientação de que não podia pegar sol por no mínimo dois anos e meio. Eu fui atrás de psicólogo, fiz leituras, chamei queimados nas redes sociais para saber como era o processo. Chamei a vereadora para isso, para as pessoas entenderem que existe, sim, vida após o tratamento e um acidente trágico — conta.
Prevenção é a palavra-chave
O projeto do mês Junho Laranja foi recentemente aprovado na Câmara Municipal de Porto Alegre. Para a vereadora e psicóloga Tanise Sabino, propositora do projeto, pode-se falar sobre o tema durante o ano inteiro, mas ter um mês dedicado a isso é importante.
— A ideia é a prevenção das queimaduras, principalmente, essa é a palavra-chave. Queremos prevenir com cuidados básicos em casa, como a questão do fogão. Entendo que, quando se faz uma ação como essa, tu colocas a pauta na agenda da cidade, fazendo com que as pessoas comentem, falem "não sabia que tinha, o que é?", como prevenir, como lidar, quais são as dificuldades. Isso começa a trazer uma discussão sobre o assunto — afirma a vereadora.
É o caso da aposentada Marilda Presa, 64 anos, que transitava pela rua e achou que os panfletos abordavam outro assunto, mas se interessou pelas informações.
— Gostei do tema também sobre queimaduras, acho bem importante saber tudo isso. A iniciativa é excelente para evitar acidentes em casa, porque, às vezes, as mínimas coisas passam despercebidas e podem ajudar a proteger os filhos — afirma.
Mais casos, menos mortes
O HPS conta com um centro especializado de alta complexidade no atendimento aos queimados. O hospital recebe demandas espontâneas de pacientes e transferências de outros centros de saúde, atendendo desde pequenas e médias queimadura até casos mais complexos. Para isso, a estrutura conta com atendimento ambulatorial de retorno, leitos de enfermaria e de terapia intensiva e bloco cirúrgico com equipe de cirurgia plástica.
Neste ano, o hospital registrou um aumento de 18% no número de internações por queimadura em comparação ao ano anterior. De junho de 2021 a junho de 2022, ocorreram 205 internações e 1.829 atendimentos ambulatoriais, com 22 mortes. Já de 2022 até agora, foram 243 internações e 2.071 atendimentos ambulatoriais. Houve, no entanto, uma redução no número de óbitos, que totalizaram 13.
— Não houve nenhum evento específico ou catástrofe, mas observou-se um aumento no nosso serviço, decorrente principalmente do aumento no número de cirurgias, de leitos de UTI e de um maior giro dos leitos. Reduzimos o número de óbitos, e a taxa de mortalidade está em torno de 5%, condizente com a taxa nacional, graças a esses fatores e a uma equipe especializada — avalia o enfermeiro Tiago Fontana, coordenador de Enfermagem da UTI de Queimados.
As vítimas mais atingidas por queimaduras são adultos jovens, entre 15 e 40 anos. Além disso, os homens costumam se queimar mais, já que se expõem mais a riscos e se cuidam menos, acrescenta o enfermeiro. As principais causas de queimaduras em adultos são chamas, explosão de líquidos inflamáveis como álcool e gasolina, além de incêndio.
Os mais vulneráveis a acidentes são as crianças e os idosos. Conforme Fontana, as queimaduras nos pequenos ocorrem devido à curiosidade, pois costumam puxar panelas e sofrem escaldamentos. Em idosos, por outro lado, acontecem por causa da perda de sensibilidade, de atenção, de visão ou de mobilidade, além da falta de reação rápida para se proteger. A maioria dos acidentes são evitáveis, frisa Fontana.
Veja dicas de como prevenir queimaduras:
- Não manipule álcool próximo a objetos inflamáveis;
- Não utilize álcool líquido diretamente sobre o fogo;
- Observe atentamente o manual de instruções de equipamentos como lareiras ecológicas. Evite movimentos enquanto estão acesas e tenha cuidado na hora de abastecer;
- Evite utilizar instrumentos improvisados de aquecimento;
- Investigue com frequência vazamentos de gás;
- Mantenha crianças longe da cozinha durante o preparo dos alimentos e sempre direcione o cabo das panelas para dentro do fogão;
- Teste a água do banho com o dorso da mão antes de molhar a criança. Coloque primeiro água fria em banheiros e, caso necessário, acrescente água quente, nunca o contrário;
- Mantenha objetos aquecidos e produtos de limpeza longe do alcance de crianças;
- Use protetor em todas as tomadas da casa;
- Mantenha cabos e alças de panela de cozinha em bom estado;
- Ao acender um fósforo, mantenha o palito longe do rosto para não atingir o cabelo ou a sobrancelha;
- Ao acender uma vela, observe se está longe de produtos inflamáveis, como botijões de gás, solventes ou tecidos;
- Não manipule álcool, querosene, gasolina ou outros líquidos inflamáveis perto do fogo. Esses produtos devem ser guardados longe do alcance das crianças;
- Em caso de queimaduras elétricas, retire o fio da tomada ou desligue a energia geral;
- Evite fumar dentro de casa, principalmente deitado;
- Em festas juninas, dê preferência a fogueiras pequenas, que só devem ser acesas longe de matas, depósitos de papel, produtos inflamáveis ou ventanias.
As maiores complicações no tratamento de queimaduras são, sobretudo, os múltiplos procedimentos necessários, destaca Fontana. Por vezes, os pacientes precisam de até 10 cirurgias plásticas, e, em casos muito graves, não há de onde extrair pele para fazer enxertos, sendo necessário requisitar ao banco de pele para realizar um curativo temporário. Portanto, o grande desafio é resolver rapidamente a situação, visto que os pacientes estão sem a barreira de proteção da pele e se tornam mais suscetíveis a infecções.
Além disso, esses casos exigem cuidados psicológicos e físicos, pois, em muitos casos, perdem a mobilidade de algum membro e ficam com sequelas motoras. A situação também acaba gerando um grande impacto financeiro para o sistema de saúde e a família.