Na última coluna, falei da desídia da sociedade e da medicina em relação aos sofrimentos da menopausa. Tentei mostrar que o desinteresse pelos sintomas, tão frequentes nessa fase da vida, era explicado pelo menosprezo às dores da condição feminina. Na de hoje, vou mostrar que o mesmo acontece com a menstruação.
A medicina emprega um termo mais elaborado para o que o povo chama de TPM: transtorno disfórico pré-menstrual. Consideramos dentro da faixa de normalidade ciclos menstruais de 24 a 38 dias, com duração de até oito dias. Há, no entanto, um descompasso entre o que os médicos consideram ciclo "normal" e a percepção do que cada mulher considera normal para ela (e do que nós, homens, consideraríamos se o mesmo se passasse conosco).
Cerca de 77% das mulheres experimentam os dissabores da síndrome pré-menstrual, conjunto de sintomas que vão das cólicas, da fadiga, da indisposição e da sensação de inchaço aos transtornos disfóricos responsáveis pelos quadros de depressão, irritabilidade, ansiedade, labilidade emocional e desesperança.
O menosprezo pelas queixas menstruais é a principal razão para o retardo no diagnóstico de endometriose, por exemplo.
Estudos anteriores já haviam demonstrado que esses distúrbios não se restringem a sintomas fugazes sem consequências, mas podem ser acompanhados de ideações suicidas, nas mulheres neurobiologicamente sensíveis às flutuações hormonais. Em 2018, foi publicado o inquérito inglês Global Survey of Premenstrual Disorder que entrevistou 3.153 mulheres na pré-menopausa, distribuídas em 56 países.
Os resultados revelaram que uma em cada 20 apresentava sintomas debilitantes no decorrer do período pré-menstrual. Nelas, o diagnóstico do transtorno levava em média 12 anos para ser feito, depois de consultar em média 6,15 médicos em busca de ajuda.
E, o dado mais surpreendente: na análise detalhada de 591 pacientes com sintomas disfóricos, acompanhadas prospectivamente, 34% delas haviam tentado o suicídio durante um episódio do transtorno. Vamos lembrar que suicídio é a segunda causa de morte nas mulheres americanas na faixa 10 aos 34 anos.
Menstruar tantas vezes é fenômeno moderno. Nossas antepassadas não o faziam mais do que 40 ou 50 vezes, na vida inteira. A menarca acontecia aos 17 anos e a menopausa ao redor dos 40 anos. Nesse intervalo nasciam oito, 10 filhos ou mais que eram amamentados por longos períodos, nos quais as menstruações ficavam suspensas.
Já a mulher moderna tem ao redor de 400 períodos menstruais no decorrer da vida fértil. A menarca acontece aos 12 anos e a menopausa lá pelos 50. As menstruações são interrompidas apenas ao engravidar e ao amamentar um ou dois filhos, por poucos meses. A periodicidade repetitiva dos ciclos prejudica o trabalho e interfere com a vida sexual, o ambiente familiar e os relacionamentos sociais.
Para agravar, a menstruação é acontecimento cercado de preconceitos, estigmas e vergonha. Ouvi vários ribeirinhos da região do Rio Negro contarem que é perigoso transportar mulheres menstruadas nas canoas, para não despertar a ira dos botos cor-de-rosa. Um senhor jurou que um deles se chocou com tamanha violência contra a canoa em que viajava com a família, que todos foram jogados na água. Tudo por culpa de uma sobrinha menstruada.
Em muitas culturas e religiões, a menstruação é ligada à ideia de impureza. Segundo o Velho Testamento, a mulher permanece sete dias impura; para os muçulmanos, ela não pode jejuar; em certas regiões rurais do Nepal e da China, as meninas ao menstruar devem ser mantidas num cômodo de pau-a-pique fora de casa. Entre nós, os comentários a respeito do mau humor e da irritabilidade da mulher "naqueles dias" contribuem para desvalorizá-la em casa e no trabalho.
O menosprezo pelas queixas menstruais é a principal razão para o retardo no diagnóstico de endometriose, por exemplo, doença causada pelo crescimento e multiplicação de células do endométrio uterino em outros órgãos da pelve, e até da cavidade torácica. As cólicas podem ser tão fortes que as pacientes vão parar no pronto-socorro, para atendimento emergencial. Embora esse mal atinja 5% a 10% das mulheres em pré-menopausa, o diagnóstico costuma levar anos e até décadas para ser feito (uando é feito).
Em meu curso de medicina não havia uma aula sequer sobre menstruação. Cinquenta anos mais tarde, o descaso é o mesmo.