A falta de conscientização da população e a ampla disponibilização de testes rápidos são apontados como os principais fatores que fazem com que Encantado concentre 47% dos casos confirmados de dengue no Rio Grande do Sul em 2023. O município do Vale do Taquari contabiliza 354 das 747 confirmações da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti em todo o território gaúcho, conforme a última atualização do painel de monitoramento da Secretaria Estadual de Saúde (SES), na manhã desta segunda-feira (13).
O número registrado em Encantado é bem maior do que nas cidades que integram o ranking: Ijuí tem 63 e, Não-Me-Toque, 42. Já Porto Alegre, que aparece em quarto lugar, tem 35 casos confirmados.
De acordo com a secretária de Saúde de Encantado, Clarissa Pretto Scatola, desde a confirmação do primeiro caso deste ano, em 23 de janeiro, o município estipulou que todos os postos de saúde deveriam disponibilizar testes rápidos da dengue, para que se pudesse ter um acompanhamento da situação e traçar estratégias de controle. Essa mesma medida foi adotada em 2022, quando a cidade teve apenas nove casos confirmados da doença.
— No momento em que temos a notificação correta, conseguimos ter um trabalho efetivo no sentido de prevenção e conscientização. Hoje, o que mais percebemos nos bairros mais afetados, principalmente no bairro onde iniciaram os casos, é realmente o acúmulo de água parada em tonéis, potes e pneus — afirma Clarissa.
Esse acúmulo de água, segundo a secretária, tem uma forte relação com a estiagem. Ela comenta que os moradores têm o costume de reservar água da chuva para utilizar em atividades como molhar plantas e lavar carros, com o objetivo de economizar.
Com a estratégia de ampla testagem, Clarissa acredita que é possível ter certeza de onde estão todos os pacientes e, consequentemente, os focos de mosquitos. Para ela, Encantado não apresenta subnotificação dos casos de dengue, já que qualquer pessoa com a partir de dois sintomas que procura uma unidade de saúde consegue realizar o teste rápido.
— Temos toda uma logística com os laboratórios particulares, que foi criada na pandemia, então isso também é notificado para nós e notificamos o Estado, assim como quando os testes são feitos em farmácias. Notificamos tudo e instauramos de imediato uma sala de crise para acompanhar a situação e não deixar nenhum local desassistido — ressalta.
Além disso, para tentar controlar o problema, o município realiza ações diárias de conscientização, de varredura (onde agentes de saúde percorrem os bairros, passando de casa em casa, para eliminar os criadouros) e de aplicação de inseticida. Atualmente, essa aplicação é feita de duas formas distintas: com a máquina costal e em uma camionete.
Nesta segunda (13), a partir das 18h, dois veículos percorreram ruas de Encantado para realizar a pulverização do produto. O equipamento fica na caçamba da camionete e é controlado por uma agente de combate a endemias do município, que acompanha a ação do banco do carona.
Conforme Clarissa, os veículos e os motoristas foram enviados ao município pela Vigilância Estadual de Saúde, como uma forma de reforçar as ações de combate ao mosquito já realizadas. Antes das aplicações, um carro de som passa pelas ruas informando sobre o trabalho e solicitando que os moradores deixem as portas e janelas abertas, para facilitar que o inseticida alcance os insetos.
— A aplicação com essa máquina é mais superficial, não se aproxima tanto das casas, mas tem uma abrangência maior de raio e é mais rápida do que com a forma costal. A primeira tentativa que se faz, quando se tem uma confirmação, é abrir um raio de 150 metros onde é feita uma varredura com os agentes de saúde, que visitam as casas limpando tudo. Depois, fazemos a aplicação do produto. Não adianta só passar o produto, tem que eliminar o criadouro, que é o que realmente vai ser eficaz.
Atualmente, o município não tem nenhuma internação por conta da dengue. A secretária ressalta que houve um trabalho de conscientização da população sobre a necessidade buscar o posto de saúde para receber o diagnóstico e acompanhamento adequado. Já as ações contra o mosquito fazem parte da rotina desde 2017, quando a cidade passou a ser infestada pelo vetor da doença, enfatiza Clarissa.
— Desde 2017 fazemos toda a parte de prevenção dentro das escolas, através de um programa de saúde nas escolas do Estado, de visitas dos agentes de saúde nas casas também. O que aconteceu agora foi intensificar todas essas ações — diz.
Percepção estadual
Questionada sobre os fatores que levam Encantado a ter o maior número de casos, Tani Ranieri, diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), corrobora com a percepção da secretária Clarissa de que a ampla testagem dificulta uma possível subnotificação. Ela afirma que, quando um município trabalha bem com a investigação dos casos, fazendo até mesmo busca ativa, se tem um número muito mais próximo da realidade do que está ocorrendo no local.
Segundo Tani, Encantado conta com uma vigilância bastante ativa e bem estruturada, e que está com suas redes de atenção primária e hospitalar preparadas para atender a demanda, fazendo diagnósticos e o acompanhamento clínico de casos suspeitos de dengue. A diretora também destaca que o Estado tem acompanhado há semanas a situação do município do Vale do Taquari e que a Cevs tem mantido contato frequente com a Secretaria Municipal de Saúde.
— Eles montaram uma sala de situação para articular ações necessárias para eliminar o vetor e mobilizaram a própria assistência para atender da maneira mais oportuna todos os casos. Estamos seguros quanto ao trabalho que eles estão realizando — ressalta a diretora.
Circulação de dois sorotipos preocupa
Entre os 747 casos confirmados de dengue, o Estado já identificou dois casos do sorotipo 2 — um em Porto Alegre e um no município de Jóia, que tem 24 confirmações —, mas nem todas as amostras das 30 regiões do território gaúcho são testadas para a identificação de sorotipo. Tani aponta que esse processo é importante porque a introdução de um novo sorotipo da doença em um local que já teve uma alta incidência de outro pode propiciar mais casos graves, quando há reinfecção:
— Como tivemos uma grande onda de casos em 2022 e a maioria das regiões teve dengue tipo 1, se as pessoas infectadas anteriormente entrarem em contato com outros sorotipos tem um potencial maior de evoluírem com gravidade. Então, além de manter o monitoramento do número de casos, temos mantido contato frequente com os municípios que estão aumentando as confirmações para ajudá-los a minimizar o número de casos e evitar óbitos.
Conforme Tani, vários departamentos estão envolvidos no trabalho de combate à doença, pois a eliminação do vetor é uma tarefa muito difícil e uma responsabilidade de todos. Por isso, é preciso que a população também esteja engajada para gerar o resultado esperado e evitar que se tenha um ano como 2022.
Juliane Fleck, coordenadora do mestrado em Virologia da Universidade Feevale, comenta que o aumento dos casos de dengue ao longo dos anos também tem relação com as alterações climáticas e fenômenos como o La Nina. Isso porque algumas condições, como chuva e aumento da temperatura, facilitam o desenvolvimento e a sobrevivência dos vetores.
— Em períodos de seca, temos que ter cuidado para não permitir que o armazenamento de água no perímetro doméstico promova essa criação de mosquitos. Isso é algo bastante importante, porque sabemos que as temperaturas elevadas fazem com que haja uma redução do período de incubação do vírus no vetor, o que permite uma disseminação maior do vírus — explica.