Equipados com coletes de identificação, máscara e muito repelente, agentes de combate a endemias percorreram as ruas dos bairros Vila João Pessoa e Vila São José, na zona leste de Porto Alegre, na manhã desta quinta-feira (9), batendo de casa em casa. Quando atendidos, se apresentavam e explicavam que, minutos depois, profissionais de uma empresa terceirizada passariam pelo local aplicando inseticida para combater o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. Até a manhã de quarta (8), o município somava 27 casos confirmados da doença — a maioria deles nessa região.
A ação foi coordenada pela Vigilância em Saúde de Porto Alegre e teve início por volta das 9h, com a concentração dos agentes na Avenida Luiz Moschetti. De acordo com o veterinário Alessandro Coelho, que acompanhou o chamado processo de bloqueio de transmissão, as equipes se dividem para otimizar o trabalho, que pode ser demorado:
— A área costuma ser a mesma, um raio de 150 metros no entorno dos casos, mas excepcionalmente pode ser maior. Daí depende da quantidade de imóveis que a gente encontra no local, isso é variável, e da receptividade das pessoas. Precisamos que eles abram seus pátios e autorizem a fazer o bloqueio. Eles fazem a aplicação na parte externa (na rua), mas a ideia é que entrem na propriedade.
Ao conversar com os moradores, os agentes recomendam que fiquem em suas casas e também coloquem os animais para dentro, mantendo portas e janelas fechadas por uma hora depois da aplicação do inseticida. A movimentação dos funcionários da vigilância e dos profissionais usando macacões brancos e máscaras grandes, específicas para o trabalho, chamava a atenção de quem passava pelo local. Muitos, contudo, já estavam cientes do que se tratava.
— Isso é para o mosquito da dengue, né? Muito importante — disse uma senhora que passava por uma rua da Vila São José.
Além de participar dessa ação “coadjuvante”, os agentes são os responsáveis pela parte que é considerada a mais efetiva pela diretora adjunta da Vigilância em Saúde, Fernanda Fernandes: as visitas feitas antes, com o objetivo de identificar e eliminar criadouros do mosquito. Nessa etapa, ocorre a orientação da população para que não deixem água acumulada em objetos como potes de plantas e pneus.
— Nossos agentes têm um olhar mais treinado para identificar criadouros e eliminá-los. Eles podem ajudar a acabar com os focos, mas é uma ação orientativa, em que conversam com os moradores e explicam o que devem fazer. Então, nosso trabalho também passa por uma conscientização da população, porque até 80% dos criadouros estão nos peridomicílios (área externa de uma residência). Fazemos os bloqueios químicos como uma ação coadjuvante para tentar reduzir a infestação dos mosquitos adultos, que já estão circulando, mas o mais efetivo é eliminar os criadouros — comenta Fernanda.
A vigilância ainda emite alertas dos índices de infestação dos bairros para que as pessoas possam ficar atentas e colaborar com a redução dos criadouros, e faz campanhas de comunicação, a fim de explicar a importância de cuidados como o uso de repelente. Neste ano, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) passou a fornecer os produtos nas unidades de saúde para casos suspeitos, que ainda estão aguardando o resultado do exame, a fim de evitar uma possível ampliação da circulação viral.
Situação em Porto Alegre
Conforme o último boletim da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), emitido na quarta-feira (8), Porto Alegre já contabiliza 27 casos confirmados de dengue neste ano. Desses, 13 são autóctones (contraídos dentro do município) e 14 importados. Na semana passada, a pasta confirmou o primeiro registro de dengue tipo 2 na cidade e emitiu um alerta para o risco de enfrentar uma endemia, que é quando uma doença tem recorrência em determinada região.
Esta foi a primeira vez que a Capital identificou o sorotipo 2 de dengue — os outros, a princípio, são do tipo 1. A identificação ocorreu em um caso autóctone, por isso, a primeira ação de aplicação de inseticida foi realizada no bairro Vila São José, onde o paciente reside. Fernanda esclarece que o exame de verificação de sorotipo não é feito em todas as amostras e que, em 2023, foi realizado apenas um nos materiais coletados em Porto Alegre:
— São vários critérios para escolher qual amostra será testada, como a qualidade, quantidade de material e disponibilidade, porque quem faz esse exame é o Estado. Identificamos um, mas isso não quer dizer que não tenham mais casos do sorotipo 2.
Ao todo, a dengue possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. O mais comum no Brasil é o tipo 1, mas os outros três já foram registrados no decorrer dos anos. Essa confirmação de circulação de dois sorotipos em determinadas regiões preocupa órgãos de saúde e especialistas.
Paulo Roehe, virologista e professor titular do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que, quando se tem mais de um tipo do vírus circulando, há um risco maior de registro de casos graves e de óbitos. Isso ocorre em função de uma “reação de hipersensibilidade”.
— Quando uma pessoa é infectada com um dos tipos e, depois, é reinfectada com outro, ela tem uma chance muito maior de desenvolver a dengue hemorrágica, que é o quadro mais grave da doença. Esse é o problema. A dengue sempre é preocupante, mas geralmente não causa mortes, só que quando tem dois tipos circulantes, aumenta essa possibilidade — alerta Roehe.
De acordo com o virologista, a imunidade da dengue é tipo específica, ou seja, quem teve do tipo 1, fica imune e não pegará mais esse sorotipo. Entretanto, continuará suscetível a outros tipos do vírus, podendo adquirir dengue novamente e de uma forma mais grave. O especialista comenta que é improvável ter os quatro sorotipos circulando em um determinado momento, mas ressalta que qualquer combinação pode levar ao quadro de hipersensibilidade.
Para evitar que o sorotipo se espalhe para outras cidades, é necessário um combate muito incisivo dos mosquitos, especialmente no entorno da região onde o caso foi identificado — foi por este motivo que a Vigilância em Saúde fez a aplicação de inseticida na zona leste da Capital. Fernanda afirma que, no local, foram encontrados vários criadouros, em caixas d’água, potes de plantas e pneus.
— A escolha dos locais onde ocorrem as ações leva em conta o índice de infestação, que monitoramos com as nossas armadilhas. Na ocorrência de um caso nesses locais, concentramos todos os esforços lá para evitar que amplie o número de casos na região — diz a diretora adjunta, acrescentando que a chuva e a previsão de uma onda de calor criam a condição ideal para que o mosquito se reproduza, por isso, estão correndo para impedir a proliferação.
Risco de endemia
Em relação ao alerta para o risco de endemia de dengue, Fernanda esclarece que, historicamente, Porto Alegre apresenta um padrão, onde os casos começam entre o final de fevereiro e início de março, geralmente importados. Além disso, a cada três anos, a cidade tem uma situação epidêmica, onde ocorre um aumento muito acima da média do número de confirmados: foi assim em 2013, 2016, 2019 e 2022.
Pela sequência de anos, este ano não deveria ser endêmico, mas 2022 foi totalmente atípico, com um salto muito grande no número de casos, o que faz com que se espere uma possível mudança de padrão, comenta a diretora adjunta.
— Endemia é a contínua presença de um agente infeccioso ou de uma enfermidade em uma determinada região. Se tivermos uma endemia de dengue significa que os sorotipos do vírus da dengue permanecerão constantemente circulando e causando doença na nossa população. Isso faz com que a gente tenha que ter uma atenção ainda maior e o sistema de saúde tem que estar bem preparado para conseguir identificar corretamente esses casos e fazer o manejo adequado desses pacientes — esclarece Juliane Fleck, coordenadora do Mestrado em Virologia da Universidade Feevale.
Em caso de suspeita de dengue, a pessoa deve procurar a unidade de saúde mais próxima de sua residência, tomar bastante líquido e evitar a automedicação. Já se houver casos confirmados na região onde reside, é indicado usar repelente sempre que possível. Entre os sintomas de dengue, estão: febre alta e de início repentino; dor de cabeça, atrás dos olhos, nas articulações e no corpo; enjoo e dores abdominais; manchas vermelhas na pele; e coceira.
— A condição grave da dengue costuma ocorrer quando a febre desaparece, daí a pessoa acha que está bem, mas pode piorar rapidamente. Por isso, é importante que ela seja acompanhada por uma unidade de saúde — alerta Fernanda.
Para controlar a situação, é importante que toda a população colabore. A SMS recomenda as seguintes ações:
- Descarte de forma adequada latas, garrafas, pneus e entulhos
- Tampe todo e qualquer recipiente que possa acumular água da chuva
- Vire ou deixe abrigado quaisquer recipientes, como baldes e potes
- Escove caixas d’água, tanques, piscinas, floreiras e outros recipientes que possam acumular água
- Caso encontre larvas, a pessoa deve derramar a água na terra e escovar a parte interna dos recipientes para eliminar os ovos